Quando Rui Laginha chegou à porta da Junta de Freguesia do Parque das Nações, em Lisboa, só tinha à espera dois agentes da polícia, que haviam chegado poucos minutos antes. Parecia descrente. O que as pessoas dizem no Facebook é uma coisa, aparecerem é outra, explicava. Pouco depois, no entanto, perceberia que entusiasmo era coisa que não ia faltar. Aliás, entusiasmo de mais, na sua opinião. A concentração que os moradores do Parque das Nações marcaram para esta quarta-feira acabou com apelos à demissão do presidente da junta, com toda a gente aos berros, com troca de acusações e com a mais recente freguesia de Lisboa a desesperar por reabilitação.
Nos últimos meses, o Parque das Nações tornou-se irreconhecível para quem o tenha visitado durante a Expo 98 ou pouco depois. Muitas árvores estão secas, a relva seca está, as tábuas de madeira estão podres e despregadas, os jardins impraticáveis, a água desapareceu de muitos sítios, os parques infantis estão abandonados. O rol de queixas dos moradores é bastante grande e tem aumentado à medida que o tempo passa. Quase tudo diz respeito à manutenção do Parque, mas problemas como a proliferação de sem-abrigo, o tratamento dado à educação e alguns posts recentes nas redes sociais puseram os habitantes e a junta de freguesia em rota de colisão.
O culminar disto foi, para já, a convocação daquilo que era para ser uma concentração pacífica à porta da junta, enquanto o executivo estivesse reunido. O protesto estava agendado para as 18h e, pouco depois dessa hora, eram cerca de 50 as pessoas que já tinham chegado à “marisqueira”, termo cunhado pelo Observador em outubro e que os moradores agora usam para se referir à sede da junta. Às 18h13, o que até então era quase um encontro de amigos tornou-se, de repente, mais animado.
José Moreno, presidente da junta, saiu do edifício enquanto decorria uma emissão em direto da RTP. Dirigindo-se aos circunstantes, convidou-os a entrar e a juntarem-se à reunião do executivo, que era pública. “Demissão! Demissão! Demissão”, foi a resposta que obteve, enquanto era também vaiado. Seguiram-se minutos de ânimos exaltados, de troca de acusações, de muitos berros e de grande confusão.
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Golpe no paraíso
Rui Laginha não tinha motivos para estar descrente. Das 173 pessoas que disseram no Facebook que iam aparecer, estiveram na “marisqueira” pouco menos de metade, o que, para ele, já era um grande feito, tendo em conta que a população do Parque das Nações é maioritariamente jovem e trabalhadora. Este homem tornou-se recentemente numa espécie de herói do bairro, ao consertar pelas próprias mãos algumas das coisas que estão mal no Parque: já pregou tábuas levantadas e reparou bancos de jardim, por exemplo. Algo que, diz, competia à junta de freguesia.
“O trabalho está a ser feito. Não se podem resolver estes problemas de um dia para o outro”, gritava José Moreno à multidão que exigia que se demitisse. Ao mesmo tempo, era interpelado por diferentes pessoas que punham em causa o que dizia e lhe faziam pedidos específicos. “Este homem é lunático”, comentava Pedro Colaço, membro da JSD de Lisboa e um dos membros mais ativos do grupo “Pela Qualidade Urbana do Parque das Nações”, que tem levado a cabo iniciativas como esta. Com um molho de papéis nas mãos, Pedro acusou Moreno de ser responsável por um “golpe de Estado” na junta de freguesia.
Recentemente, o grupo independente Parque das Nações Por Nós coligou-se com o Partido Socialista e foram estas duas forças políticas que passaram a comandar os destinos da junta. Para o executivo de José Moreno, trata-se de um acordo que visa acelerar processos junto da câmara municipal, mas para muitos moradores é uma traição.
“Eu votei nesta junta, tal como muitos que agora a criticam, pois enquanto era apenas uma associação de moradores, mexiam-se muito e eram muito ativos e pareceram-me ser pessoas que conseguiam levar as coisas para a frente. Mas, infelizmente, foi o oposto”, lamenta Isabel Vasconcelos. Esta moradora acredita que, durante dois anos, “a câmara boicotou a junta”, mas desde o acordo com o PS que nada mudou. “Fiquei parva com o estado de abandono das coisas”.
Pedro Colaço pensa que é tudo uma estratégia. “O PS teve 21% [de votação] e agora são eles que mandam”, acusa, explicando que “basicamente, o que esta junta quer fazer é desmontar tudo e voltar a fazer, para mostrar obra”. O argumento não colhe junto de Moreno, que diz estar a “trabalhar honestamente” e que as coisas até já estão a mudar. Alguns espaços verdes, como o Jardim do Ulisses, já tiveram intervenção, diz a junta, que acrescenta igualmente que parte do sistema de rega, o original de há 17 anos, está novamente operacional, depois de trabalhos de manutenção prolongados.
Do sonho à miséria
Na montra envidraçada da junta estão colocados dois plasmas onde vão passando imagens do que a junta diz ser trabalho já feito e provas de como o Parque das Nações não está tão mal como o pintam. A equipa de reportagem do Observador encontrou, no entanto, uma realidade bem diferente, como atestam as fotografias abaixo. Em outubro passado, o Observador já tinha dado conta do “estado de degradação enorme” a que alguns espaços tinham chegado. Na altura, José Moreno culpava a câmara pelo estado das coisas. “Espero que na primavera possamos ter isto com melhor aspeto”, dizia, no Parque do Tejo. Hoje, esse parque está com grande parte da relva seca e muitas zonas completamente abandonadas.
Hoje em dia, o Parque das Nações assemelha-se a um adolescente problemático. Nasceu em berço de ouro, quando o propósito era impressionar o mundo com a Expo 98 e havia dinheiro para quase tudo: madeiras exóticas, peças assinadas por artistas de gabarito mundial, um complexo e inovador sistema de rega. Depois, a exposição acabou e o menino ficou nas mãos da Parque Expo, empresa que pediu o divórcio, mas que foi assegurando a manutenção dos espaços até 2013, altura em que o menino ganhou independência e se tornou uma freguesia de Lisboa. Só que, desde aí, tem andado rebelde, com a degradação a alastrar-se, e ninguém parece ter mão nele. A junta, que até há pouco tempo culpava a câmara pela incúria, chuta agora para a Parque Expo; já os moradores têm saudades de quando era esta empresa privada a mandar.
Que o diga Camilo António, o homem que diz ter gasto dois euros a fazer o cartaz mais elaborado do protesto e que se deu ao trabalho de contar todas as árvores que o Parque das Nações tinha, mas já não tem. “Perto de 300”, diz. “Isto era um sítio de sonho e agora está uma miséria”, afirma este morador da zona, que prefere a bicicleta ao carro e era um dos mais indignados esta quarta-feira. “O mais revoltante é [Moreno] dizer que está contente com o trabalho. Quando uma pessoa diz uma coisa destas, ou está inconsciente ou está maluca”, atirou, já depois de o presidente da junta ter recolhido ao edifício, para continuar a reunião.
No seio do executivo da junta, há a impressão de que os moradores só se começaram a mexer agora porque se avizinham eleições legislativas. Os manifestantes negam, alegando que apenas a qualidade de vida do Parque os interessa. Um homem idoso, por exemplo, abordou a reportagem do Observador apenas para que déssemos conta de que considera que os automóveis andam com demasiada velocidade na Alameda dos Oceanos. De seguida, retirou-se.
Guerra de marisqueiras
Acabados os dez minutos em que presidente e vogais da junta andaram na rua a travar-se de razões com os habitantes da antiga Expo, a concentração prosseguiu e a reunião, lá dentro, também. Pelas 19h15, grande parte dos manifestantes já tinha desmobilizado. Se a junta se assemelha a uma marisqueira, como o Observador escreveu em outubro, alguns moradores não quiseram ficar atrás e, dali, seguiram para um restaurante de peixe próximo, para debater futuras iniciativas.