“Alô”. Se a palavra enganasse, o sotaque trataria de por os pontos nos i’s. Do outro lado da chamada, Jadson André pergunta logo a seguir se está “tudo bem” connosco, mas não retribuímos a cordialidade por imaginarmos que, com ele, não esteja. Nem três horas antes, o brasileiro entrou no mar do Guincho, bem de manhãzinha, e de lá saiu 30 minutos depois eliminado do Allianz Billabong Pro Cascais, logo à primeira ronda. Isto é um senhor problema, pois de repente, a prova ficou sem o surfista que venceu as duas últimas edições (em 2013 e 2014) e vinha à caça do tri. “Olha cara, a primeira bateria, infelizmente, foi na troca da maré”, diz, sem tristeza na voz, quando começa a desbobinar a estória da derrota que não o deixou fazer mais história nas ondas do Guincho.
A organização mandou Jadson André e mais três surfistas — o português Tomás Fernandes, o australiano Tom Whitaker e o argentino Santiago Muniz — entrarem na água quando ainda nem 9h00 eram. O mar estava a acordar e as ondas nem se tinham espreguiçado. Jadson e os outros ficaram “a competir no inside”, nome que dão à parte do mar que está mais perto de terra, onde as ondas quebram quando não têm força, ou tamanho, para o fazerem mais longe. “Até que houve uma onda em que o Tom tinha prioridade e não conseguiu entrar. Entrou numa situação de desespero, remou lá para o fundo, para o outside, e assim que chegou lá achou uma onda muito boa, fez um 7.5 [numa escala de zero a 10] e aí mudou todo o contexto da bateria”, conta, sem poupar nos pormenores.
O desespero de um foi o exemplo a seguir para outros e o problema de Jadson é que foi o último a chegar lá fora. “Quando já lá estava os atletas já tinham todos uma pontuação à volta dos 7.5”, lamenta, sobre o momento em que teve de “correr atrás da bateria” sem nunca a conseguir apanhar — acabou em terceiro na bateria ganha por Tomás Fernandes, que perderia depois na segunda ronda. O Observador quis saber desta história e o brasileiro de 25 anos contou-a porque a prova de Cascais é das que mais pontos vale (10.000) no QS, o circuito de qualificação para o CT, primeira divisão do surf mundial na qual estão os 34 melhores surfistas do mundo. Um deles, lá está, é Jadson André, que vinha atrás da terceira conquista seguida desta competição para melhorar a posição no ranking do QS (está fora do top-50) e precaver uma queda na classificação do CT (está em 20.º e só ficam os 22 primeiros).
A vida não está fácil para quem, até aqui, sempre fora feliz nas ondas no Guincho. “Queria muito vencer a terceira, mas cara, não é fácil. Já foi muito difícil vencer duas vezes, imagine a terceira. Hoje em dia não tem nenhum atleta fraco no circuito e quem estiver mais bem preparado vai-se dar bem”, resume, crente de que é uma questão de tempo até os resultados atinarem. “É difícil quando você perde uma bateria onde erra, mas graças a Deus que este ano venho surfando muito bem, sinto que é o melhor ano que estou surfando, só que as coisas não estão dando certo. Acredito que muito em breve as coisas vão encaixar”, confessa.
Jadson André espera que a sua prancha encaixe bem nas ondas já daqui a menos de um mês, em Peniche, quando a praia de Supertubos receber “a prova que realmente interessa” — a décima etapa do circuito mundial. “Este ano nem os Açores [foi eliminado na segunda ronda do SATA Pro] nem Cascais me correram bem, vou ter que alterar isso em Peniche. Sinto-me bem e tenho que surfar bem para conseguir um bom resultado lá”, diz, mais animado, uns risos a espreitarem entre as palavras, sobre a prova onde já conseguiu um 9.º lugar. Esperança não lhe falta e basta um desabafo para o percebermos: “Olha cara, eu me sinto bem aqui, sim, toda a gente sabe que costumo conseguir bons resultados”.
https://www.youtube.com/watch?v=Lmg0aQbv_PM
(A melhor onda que Jadson André surfou na edição de 2013, quando venceu a prova pela primeira vez.)
No circuito mundial há sete brasileiros e Jadson é quem se dá melhor com as ondas que têm sotaque português. Isso também não é fácil, pois há dois, Filipe Toledo e Adriano de Souza, que estão no segundo e terceiro lugares do ranking. Jadson gosta de andar a surfar e competir à volta do mundo com brasileiros por perto, mas pergunta: “O surf é um desporto individual, né?” Admite que “é legal ter muito brasileiro por perto”, embora puxe mais pelo facto de o surf “nunca deixar de ser uma coisa individual onde você tem de estar focado, estar na sua e dar o seu melhor”. Fica feliz “pelo sucesso dos companheiros”, mas confessa: “Na realidade você quer é estar no lugar deles se eles estiverem melhor que você”. Neste momento, o que este brasileiro gostava mesmo de fazer era “estar a disputar o título mundial e estar no top-10”.
Mas “há três ou quatro meses” que poucas coisas lhe correm bem. O adeus na primeira ronda do Allianz Billabong Pro Cascais não ajuda e, momentos depois de sair da água, Jadson pega no telemóvel, abre o Instagram e publica uma imagem com uma passagem da Bíblia, com a legenda: “Deus sabe de todas as coisas”. O brasileiro espera que ele “esteja guardando algo bom e de melhor” e admite que “sempre [se] apega em Deus não só nos momentos difíceis, mas também quando não [está] bem”. Não disse se vai rezar, ou não, para que a etapa de Peniche (o Moche Rip Curl Pro Portugal, de 20 a 31 de Outubro) lhe dê ondas para brilhar, mas espera que “esse ano a vitória em Portugal tenha sido adiada por mais um evento”. Agora é entre ele e a praia de Supertubos.