Maldito mar. Acorda-se às 7h00, com o sol ainda a abrir a pestana, e apressa-se o despertar, o banho e o pequeno-almoço para nada. Uma hora depois não há surf para ninguém, porque as ondas estão boas para o lazer e más para a competição. Não se veem pros na área do Moche Rip Curl Pro, os surfistas já foram todos à sua vida. Por isso envia-se um sms a Tózé, para ver onde ele anda para não ainda não estar em Supertubos, logo pela manhã. Responde com uma chamada: “Dá-me meia hora e chego aí à praia. Não te vás embora”. Combinado. Tózé serve de alcunha a António José Correia, presidente da Câmara Municipal de Peniche, que tarda mais que o suposto a chegar.
A conversa é levada para um dos cafés que está plantado na areia da praia. Poucos metros ao lado, à frente das tendas montadas para o evento, dezenas de pessoas praticam capoeira, ao som da ginga que sempre acompanha esta arte marcial brasileira. Em frente está o mar e, bem mais à esquerda, dão-se os últimos toques na estrutura da prova que ali acontece pelo sétimo ano seguido. O sol brilha com força e dá o toque final neste cenário que faz Tózé feliz. O presidente “adora” ter em Peniche os melhores surfistas do mundo e faz questão de mostrar-lhes isso. Mete conversa, insiste em saber como estão, arranha o inglês que pouco domina para lhes falar, leva-os jantar, é simpático com todos. Talvez por isso já o tenham eleito o Coolest Mayor on Tour.
Passou o ano com saudades de ter os surfistas por cá?
O que é que te parece? Olha para este cenário. Ainda por cima, com o ambiente que agora está aqui, o ginga brasileiro da capoeira, passo o ano a pensar nisto. Depois, nestes dois meses que rodeiam a prova, é produzir conteúdos, iniciativas e organizar as equipas. Há sempre muita gente envolvida nisto e o projeto faz com que as pessoas fiquem com bastante expectativa em relação a estes dias.
À sétima edição ainda fica ansioso com isto?
Sim, claro. Penso logo, em primeiro lugar, como é que vai estar o tempo. Porque cada ano tem sempre uma história. Tivemos um pequeno temporal no fim de semana que assolou um bocado aqui o litoral.
Não tão mau quanto o do primeiro ano.
Pelo menos desta vez foi com antecedência! Agora foi a um sábado e tivemos algum tempo para mobilizar recursos humanos para toda a cidade e conselho. Na segunda-feira já tínhamos tudo preparado para repor as condições na estrutura do campeonato. A WSL [World Surf League] só pode estar satisfeita, e eu também, obviamente, pela capacidade de resposta que temos. No sábado os Bombeiros Voluntários já aqui estavam a trabalhar. E depois há sempre uma ansiedade quanto ao estado da arte, aos surfistas.
E este ano está animado, não é?
Pois, temos o Mick [Fanning] e o Adriano [de Souza], duas pessoas que já ganharam cá, na frente do circuito. Vamos ter um ambiente muito interessante, de expectativa. Depois, há o lado engraçado de que todos os anos temos aqui surpresas competitivas. O ano passado foi a saída antecipada do Gabriel Medina. E eu pensei para mim: “Realmente não percebo nada de surf, então como é que ele se vai já embora?” Só este ano é que percebi, quando estive em Hossegor e o Charles, o padrasto do Gabriel, me explicou que ele ouviu mal a questão do tempo que faltava para a bateria acabar.
Todos os anos está constantemente a conviver com os surfistas. Não os larga. Já pôs a conversa em dia com eles?
Consegui esbater algumas saudades quando fui a Hossegor.
Isso é batota.
[Tózé dispara uma gargalhada] É, mas fui lá para anunciar algumas coisinhas. Convidei alguns surfistas para o evento da poesia de todo o mundo [que decorre esta quinta-feira]. Não gosto de os pressionar muito, não é assim que se lida com pessoas que estão em grande pressão competitiva. Costumo esperar pelas alturas em que eles estão mais descontraídos, ou em que as feridas da derrota já estão secas. É aí que falo com eles e lhes peço para participarem nas iniciativas que promovemos aqui, durante a prova.
Teve um tête à tête com alguém em especial?
Olha, tive um bocadinho com o Kelly Slater. Acenei-lhe, ele veio ter comigo e falámos um pouco.
O Kelly está escalado para surfar na sétima bateria da primeira ronda, mas não garantiu se vinha, ou não, a Peniche. Perguntou-lhe?
Ele é que sabe [solta um riso malandro, com se Tózé também soubesse]. O que ele me disse foi que o corpo é que ia mandar. Referiu-me as lesões, que já tinha sofrido uma pancada na cabeça, a questão das costas, uma lesão nas costelas… Pronto, desejei-lhe as melhoras e disse que ele é que sabia. Mas achei piada porque não me falou em nada de ondas ou de haver swell. Mas tenho uma fezada que a cabeça e o corpo dele o vão trazer para cá.
Quem pode não aparecer mais em Supertubos é CJ Hobgood, que se retira este ano do circuito. Disse-lhe alguma coisa em especial?
No bocadinho que tivemos ontem fiquei com uma admiração pelos valores dele. Eu andei no seminário quando era novo e ele é bastante católico.
Até faz parte do movimento Christian Surfers.
Exatamente. Eu estive dois anos no seminário, quando tinha uns 10 ou 11 anos. Foi muito importante para mim, para adquirir noções de compromisso, responsabilidade e da dureza das coisas. Cheguei a sentir que tinha vocação para ser padre e se calhar por isso é que muitos dos meus projetos são virados para causas sociais. E noto no CJ uma preocupação pelas mesmas causas.
E quais são os surfistas com quem se dá melhor?
Olha, todos os anos faço um jantar com os brasileiros. Tem de ser. Em miúdo só aprendi francês e por isso tenho alguma dificuldade no inglês. Vou sempre tentando melhorar e esta é sempre uma oportunidade para aprender. A língua aproxima-nos e admiro muito os jovens brasileiros. Depois há uma pessoa com quem tenho uma empatia recíproca.
Com quem?
Com o Mick Fanning. Nunca me vou esquecer daquele momento em 2009, aqui nos Supertubos, quando ele se vira para trás e diz: “Mayor, estas ondas são fantásticas, tem que haver sempre uma prova mundial aqui”. Foi na primeira edição. Depois, houve um ano em que ele saiu precocemente da competição, fomos beber umas cervejitas, mas poucas. Houve uma vez que ele e o Taylor Knox vieram comigo ver o Centro de Alto Rendimento, que na altura ainda estava em construção, e ele deu-me várias dicas. Todos os anos nos encontramos.
Então como é que viu o ataque do tubarão?
Estava em casa a fazer uns grelhados. Estava a acompanhar a transmissão do evento pelo telemóvel, tinha-o sempre ao meu lado, enquanto tratava do peixe. Às tantas fui à varanda ver como estava a grelha e, quando voltei à cozinha, reparei que aquilo tinha acontecido. Não vi em direto, quando me apercebi já estava requentado. Mas foi impressionante.
Já falou com ele sobre isso?
Não, e até fujo ao tema. É preciso perceber que isto não lhe sai da cabeça. Ainda bem que aqui não há nada disso, só existem uns caçõezinhos ali ao largo, que não fazem mal a ninguém [usa as duas mãos para indicar um tamanho pequeno].
O título mundial pode ficar definido em Peniche. Gostava que isso acontecesse?
O que é preciso é que a prova corra muita bem. Quando penso em 2011, que foi o melhor ano, lembro-me logo das ondas, apesar de saber logo que foi o Adriano a ganhar. O ano passado as contas estavam todas feitas, estava decidido. Desta vez, mais do que as contas que têm de se fazer [Fanning pode sagrar-se campeão caso conquiste a prova e Souza não passe da terceira ronda] há a espetacularidade da incerteza. Mas claro que gostava que tivéssemos um novo campeão mundial aqui.
E se tivesse de escolher entre o Mick e o Adriano?
[ri-se] Os juízes avaliam melhor que eu. Olha, agora quando fui a Hossegor, fiz dois posts no meu Instagram: um era uma fotografia com o Mick, outro tinha uma com o Mineirinho. Não há preferências, tenho uma boa relação com todos. Além de que a minha posição exige que não faça qualquer tipo de distinção.
Dá-se com os surfistas que entraram este ano para o circuito?
Já estive com o Wiggolly Dantas e o Italo Ferreira. Falei um pouco com o Tomas Hermes, também.
Todos brasileiros.
Tinha que ser, não é?