É uma história que começa na Farmácia do Padrão, no Porto, com Álvaro Portela. Em 1924. E que atinge o ponto mais alto com o regulador do mercado farmacêutico norte-americano, Food and Drug Administration (FDA), a aprovar a utilização do antiepilético que demorou 15 anos a ser desenvolvido. Em 2013. Pelo meio, perto de 90 anos e quatro gerações de homens do Norte.

No início de 2016, a primeira grande polémica: um paciente morre durante um ensaio clínico no laboratório francês Biotrial, com uma molécula desenvolvida pela Bial. Todos os voluntários que tomaram a molécula foram hospitalizados. Quatro têm danos neurológicos e, em três casos, podem mesmo ser irreversíveis. A molécula pertence à família dos inibidores de FAAH (hidrólase de amidas de ácidos gordos), que têm sido testados em humanos. Serve para o tratamento da dor.

A Bial é uma empresa familiar. António Portela é o homem à frente do negócio que o bisavô lançou há quase 92 anos. Sucedeu ao pai, Luís Portela, e aos 36 anos assumiu a liderança da única farmacêutica portuguesa com um produto patenteado à venda nas farmácias europeias e norte-americanas, o Zebinix, indicado para o tratamento da epilepsia. Foram precisos 15 anos de investigação e um investimento superior a 300 milhões de euros para chegar ao antiepilético. E foi o pai de António, Luís Portela, que colocou a farmacêutica portuguesa nessa rota.

Quando uma empresa norte-americana – e os norte-americanos são muito objetivos e frios nestas coisas – se disponibilizou a pagar 175 milhões de dólares para entrar no negócio, (nem sequer era para vender ou comprar, era para adquirir o direito, durante dez anos, de comercializar em exclusivo nos Estados Unidos e no Canadá), percebemos que era um negócio em grande! Pensei sobretudo no meu avô e no meu pai. Pensei naquelas centenas de milhar de pessoas que ao longo de 85 anos trabalharam em torno daquele projeto”, contou Luís Portela numa entrevista que deu ao Jornal de Negócios, em 2009.

Mas a história da Bial não começa aqui. Começa pouco tempo antes de Álvaro Portela passear de Cadillac descapotável amarelo pelas ruas do Porto. Foi ele quem teve a ideia de construir um laboratório por cima da farmácia onde trabalhava, conta Luís, na mesma entrevista ao Jornal de Negócios.

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Filho de um merceeiro, transformou-se num self made man, que abria a porta às 5h30 ou 6h da manhã para poder recolher as receitas de pessoas que se deslocavam dos subúrbios do Porto. Lançou o laboratório industrial em 1924. Chamou-lhe Bial porque o lançou juntamente com o patrão, o senhor Almeida – “Al” de Álvaro e “Al” de Almeida” deu em “Bial”.

“O meu avô era um homem narcisista, um novo-rico, que deixou imensas fotografias, que tinha uma atitude exuberante perante a vida. O meu pai, talvez pelos excessos do meu avô, era um homem discreto, simples, tranquilo. Coisa que eu terei herdado”, contou Luís Portela. Foi ele o homem – o neto – que agarrou na empresa seis anos depois de o pai morrer, em 1979. Foi ele que esteve por detrás da internacionalização da Bial.

Mais de 20% da faturação é investido em I&D 

Os sucessos começam em 1929. Com o produto “que muito dinamizou a Bial”, o Benzo-Diacol, um produto para a tosse que hoje é conhecido por Diacol. Em 1978, lançam o Reumon Gel e em 1987 o antibiótico Clavamox. A história é contada por António Portela, em entrevista ao Diário de Notícias. Mas a aposta clara na Investigação & Desenvolvimento (I&D) só chegou com Luís Portela, neto, na liderança, em 1979.

Luís Portela continua a ser o presidente não executivo da Bial e em dezembro foi distinguido com o prémio Lifetime Achievement, atribuído pelo Lide Portugal (Grupo de Líderes Empresariais), organização que distinguiu Adriano Moreira, em 2014, Francisco Pinto Balsemão em 2013 e Alexandre Soares dos Santos, em 2012.

Anualmente, a empresa que hoje é liderada pelo filho de Luís, António Portela investe mais de 20% do seu volume de faturação em I&D, que é, aliás, um dos alicerces da expansão internacional da empresa – as vendas em mercados internacionais representam atualmente cerca de 60% do volume de negócios da Bial. Em 2014, faturou 200 milhões de euros.

Em entrevista ao Diário Económico, no início deste ano, o presidente da Bial anunciou que, para 2024, quer que 80% das vendas da empresa advenham dos mercados internacionais, mas que também quer continuar a crescer em Portugal. “Gostávamos de cobrir os cinco grandes países da Europa – que representam cerca de 75 a 80% do mercado europeu”, afirmou.

A entrada do Zebinix nos Estados Unidos da América foi um marco importante para as contas da empresa. E António Portela espera que em 2015 as vendas do antiepilético se aproximem dos 100 milhões de euros a nível mundial. Está à venda em 16 países.

Os objetivos passam agora por preparar a entrada no mercado do novo tratamento para a doença de Parkinson (opicapone), o segundo produto da farmacêutica que é fruto de uma investigação própria. Está neste momento a ser analisado pela Agência Europeia do Medicamento (EMA).

Com produtos disponíveis em 56 países, a Bial tem filiais em Espanha, Itália, Reino Unido, Alemanha, Suíça, Angola, Moçambique, Costa do Marfim e Panamá. Em 1994, lançou a Fundação Bial juntamente com o Conselho de Reitores das Universidade Portuguesas, para incentivar o estudo científico do ser humano, do ponto de vista físico e do espiritual. É responsável ainda pelo Prémio Bial, criado em 1984, para premiar a investigação básica e a clínica e distinguir obras de grande repercussão na medicina.

Na entrevista que deu ao Diário de Notícias, em 2011, António Portela resumiu a filosofia da Bial em duas palavras: inovação e globalização. Disse que queria crescer e consolidar o trabalho do pai e gerar medicamentos inovadores.”É bom saber que aquilo que fazemos ajuda as pessoas”, disse.

Cinco das pessoas internadas num hospital em França, na sequência do ensaio clínico com a molécula desenvolvida pela Bial, davam esta segunda-feira sinais de melhoras. O ensaio contou com 108 voluntários: 90 receberam a droga e os restantes placebos. O ensaio foi aprovado pelas autoridades francesas, bem como pela comissão de ética em França, e cumpre com a legislação que enquadra os ensaios clínicos.

António Portela disse, no domingo, que está “profundamente chocado” com a morte do paciente e garantiu que a empresa está a trabalhar “incansavelmente” para perceber o que motivou a morte e o agravamento no estado de saúde dos voluntários.