Uma carapaça é muito difícil de quebrar. Serve para proteger e quando alguém se arma em tartaruga é porque não pretende mostrar-se. Pep Guardiola é uma dessas pessoas. Abomina entrevistas, não gosta de estar no jogo do um-para-um em que ele é atacado por perguntas e tem que se defender com respostas. É reservado e gosta de o ser, apenas vai às conferências de imprensa e às flash-interview por ter a obrigação de lá aparecer. Quase tudo o que se sabe sobre o catalão vem de livros — há dois, “Another Way of Winning” e “Herr Pep”, ambos de jornalistas espanhóis, que são como bíblias — e falar com quem se fecha tanto é uma sorte que toca a poucos.

Tocou a um português, uma vez. João Nuno Fonseca passou cerca de hora e meia a olhar para o relvado. Lá estava Pep, concentrado, a dar ordens aos jogadores do Bayern de Munique. Estava calor, o sol servia de aquecedor para os alemães fugidos do frio. Acabado o treino, o português foi ter com o catalão, acompanhado por gente que não era estranha ao treinador. “Foram ali uns 10, 15 minutos. Ele foi porreiro. Se estiveres com pessoas que o conheçam, se não fores lá como um mero adepto, ele dá valor a isso”, conta, sorriso aberto pela saudade do momento, durante uma chamada por Skype. Sim, João Nuno é sortudo.

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É-o por ter privado um pouco com o homem por trás do treinador e, também, por já ter assistido a muitos treinos dados por Pep Guardiola. “Devo ter visto uns 20, 25, e a vantagem é que tenho tudo gravado em vídeo”, diz ao Observador, agora com cara de felizardo, antes de o Benfica jogar contra o Bayern, esta quarta-feira (19h45, RTP). O português conseguiu ser sortudo e feliz porque, há quase dois anos e meio, resolveu ir para o Qatar. Hoje é analista e observador de jogos na Aspire, que tem várias academias de futebol no país. É para lá que vão muitas equipas alemãs, russas ou francesas, quando o inverno aperta nesses países e obriga os campeonatos a pararem. “O facto de estar aqui no Qatar permite-me isto. Eles vêm cá no inverno para fazerem uma pré-época a meio da época”, resume.

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Nós, jornalistas, adeptos e comuns mortais, podemos ver como a equipa de Pep Guardiola joga e ganha. João Nuno sabe como treinam. É por isso que lhe perguntamos se viu o jogo da primeira mão, em Munique — “vi partes do jogo, sim” –, antes de pedirmos para nos explicar qual a melhor forma de jogar contra este Bayern. Daí se chegou aos três momentos de jogo que o Observador mostrou com a ajuda de um jogo de Subbuteo e do stop motion, mas tudo começou pela bola. Porque jogar contra uma equipa de Guardiola obriga a três coisas: termos noção que se vai tocar muito menos nela do que o adversário; sabermos o que fazer quando a recuperamos; e, sobretudo, ter “muita cabeça e concentração durante 90 minutos”.

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É cansativo ver os outros sempre com a bola, a passarem-na de um lado para o outro. Isso obriga-nos a correr, a manter a posição, a preocuparmo-nos a fechar espaços consoante o sítio onde está a bola. “As equipas do Guardiola têm aquele método de terem muita bola e muito jogo posicional, isso causa muita fadiga mental aos adversários, mais do que o normal”, resume o analista, de 26 anos. A chave, diz João Nuno Fonseca, está em saber esperar pelo Bayern e fugir à tentação de roubar bolas e intercetar passes que parecem ser acessíveis. Porque entre o sucesso e o erro está o que a equipa de Guardiola quer, que é fazer o adversário “cair no engodo” de arriscar — foi sobretudo isto que o analista de jogo e futuro treinador explicou.

Depois há a questão Jonas, ou a falta dele, que poderá fazer com que Kostas Mitroglou passe a ter a companhia de Raúl Jiménez. A diferença do mexicano para o brasileiro estás nas bolas que gosta de receber mais em corrida do que no pé. Estas desmarcações dão “jeito”, mas João Nuno Fonseca avisa: “Há que haver a inteligência de os médios estarem perto” da área do Bayern. “Os avançados podem fazer muitos movimentos, só que, quando houver uma perda de bola, têm que haver jogadores perto para a recuperarem. É importante fazer essas diagonais na frente, mas os médios têm que conseguir estar lá perto, para fecharem logo o espaço quando a equipa perde a bola”, defendeu.

João Nuno, como sempre, estará no sofá de casa com um bloco de notas na mão, para guardar em papel as coisas em que for reparando. Analisar o jogo, é isso que fará, como há anos tem feito, desde que começou na Académica de André Villas-Boas, que também já apanhou no Qatar — “cheguei a ficar uma hora à conversa, depois do treino, e ele olhar às tantas para o relógio e dizer que já estava atrasado para o jantar da equipa”.

O que fazer

Recuperar a bola e rodá-la rápido para o lado contrário do campo

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“Um dos pontos chaves é o lado cego do adversário. Quando o centro do jogo está à direita, o lado contrário é onde normalmente, através de um passe longo, as equipas conseguem fugir à pressão do Bayern e chegar à baliza de Neuer. Esse momento, o da transição defensiva, em que o Bayern perde a bola e tenta afunilar o jogo nessa zona, durante uns três ou cinco segundos, há que haver capacidade de mudar corredores, fazer a bola circular rápido e fazê-la chegar a esse sítio”.

O que não fazer

Vários jogadores a pressionarem o mesmo adversário

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“Uma das coisas que o Guardiola faz bem é fazer com que haja atração para o jogador com bola. Em Munique, há várias situações em que vês o Vidal rodeado por quatro ou cinco adversários. Ele gosta muito de jogadores com capacidade de progredirem com bola, para que atraiam vários adversários e, com isso, abram espaços nas costas deles. Ele gosta muito de atrair jogadores. É preciso um bloco compacto, o foco atencional tem de estar aí.”

O que não fazer

Cair no engodo de tentar intercetar um passe à pressa

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“A estratégia para bloquear o Bayern de Munique tem de se basear num foco que dure os 90 minutos. Têm de ser uma equipa poderosa a cortar linhas de passe, sem cair no engodo de tentar roubar a bola à queima. Têm de ser inteligentes ao ponto de pensar ‘ok, eles vão ter mais bola, vão progredir com ela, e vão querer atrair-me para eu ir lá e abrir espaços nas minhas costas’.”

Animação Stop Motion: Diogo Pombo, João Lagido e Fábio Pinto
Pós-produção: Fábio Pinto
Grafismo: Andreia Reisinho Costa