A ministra da Saúde francesa, Marisol Touraine, afirmou em conferência de imprensa que quer a Bial quer a empresa de ensaios clínicos Biotral são parcialmente responsáveis pela morte do homem de 49 anos e pelos cinco voluntários que ficaram com danos neurológicos graves em janeiro de 2016, na sequência de um ensaio clínico que envolvia uma molécula produzida pela farmacêutica portuguesa.

“Exijo que a Biotrial organize um plano de ação que garanta que as deficiências que foram observadas não vão voltar a acontecer. Esse plano de ação deve ser acionado o mais breve possível”, afirmou a ministra, citada pelo Le Figaro.

Quatro meses depois da morte do voluntário, a Inspeção-Geral de Assuntos Sociais (IGAS) francesa confirmou no relatório final as três violações principais que já tinham sido identificadas no relatório preliminar de fevereiro. Nem a farmacêutica nem a empresa de ensaios clínicos tomaram as precauções necessárias para que o ensaio ocorresse sem incidentes.

A Bial já reagiu ao relatório. Afirma que ainda não teve acesso à totalidade dos dados médicos dos voluntários, nomeadamente os que constam na autópsia feita à vítima mortal, e que esses elementos são “essenciais” para a investigação. Estranha também que o relatório do IGAS não esclareça quais foram os procedimentos levados a cabo no Centro Hospitalar de Rennes, parte fundamental na gestão do acidente, lê-se no comunicado enviado às redações.

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Lamentavelmente, este é mais um relatório que não permite determinar qualquer conclusão quanto à causa concreta do acidente, nem da morte de um dos voluntários que participou no ensaio clínico”, lê-se no comunicado.

A Biotral também já tinha contestado as conclusões do relatório, afirmando que o princípio da contradição tinha sido violado e que os investigadores tentar exercer “pressão” sobre os colaboradores da empresa. A empresa afirmou ainda que se “reserva ao direito de procurar anular o relatório junto dos tribunais franceses”. E a ministra da Justiça anunciou que as regras que envolvem os ensaios clínicos em França vão ser reforçadas.

Já a farmacêutica portuguesa adianta que o relatório não questiona a aprovação do Protocolo de execução do ensaio pela Agência Nacional de Segurança do Medicamento e dos Produtos de Saúde (ANSM), “afirmando que o protocolo cumpre a legislação e as recomendações existentes, nomeadamente sobre a evolução prevista das doses”.

Reafirmando que foram adequadamente tomadas as decisões relativas à escalada de doses, a Bial salienta que o perfil de segurança e tolerabilidade do composto experimental BIA-10 foi considerado favorável até aos 20 mg.

“Não houve qualquer sinal de alerta nos parâmetros de segurança dos dados recolhidos nos grupos das fases precedentes de ensaio que pudessem fazer antecipar o sucedido. A análise integrada de doses únicas (até 100 mg) e múltiplas da exposição ao fármaco não revelou um comportamento inesperado do mesmo”, lê-se no comunicado onde a empresa afirma que não havia qualquer motivo para alterar a escalada de doses prevista e aprovada pelas autoridades.

A farmacêutica explica que quando foi informada, pela Biotrial, da ocorrência de um efeito adverso grave num voluntário, a 11 de janeiro, tomou a decisão de suspender a medicação a todos os participantes no ensaio. “Até à data do acidente não foram detetados quaisquer sinais prévios que pudessem ter previsto o sucedido nem nenhuma toxicidade comparável com a ocorrida no acidente de Rennes aconteceu na fase pré-clínica em animais”, diz.

A Bial diz ainda que o apuramento “de forma rigorosa e exaustiva do” que se passou no ensaio clínico continua a constituir uma prioridade para a farmacêutica.

A Agência Nacional da Segurança do Medicamento (ANSM) francesa anunciou em abril que a morte do voluntário estava diretamente relacionada com a molécula da Bial que estava a ser testada. O relatório não conseguia explicar, no entanto, porque é que os sintomas só foram registados ao quinto de dia de administração de uma dose de 50 mg. Já os voluntários que receberam uma dose duas vezes mais forte numa administração única não apresentaram sintomas.

O mesmo relatório afirmava que os dados transmitidos pela Bial à Biotral e às autoridades francesas “não continham informações, nomeadamente no plano toxicológico, que fizessem temer um risco particular na primeira administração humana”. A brochura tinha, contudo, “vários erros” e “imprecisões”, afirmaram os investigadores.

*Artigo atualizado às 13h34 com reação da Bial