A ADSE é insustentável a longo prazo e o alargamento da base de contribuintes é condição para a sobrevivência do sistema de proteção dos funcionários públicos, defende o Tribunal de Contas. O organismo acrescenta que as receitas obtidas graças às contribuições dos funcionários públicos para a ADSE “foram e continuam a ser utilizadas para maquilhar as contas públicas“, uma prática “ilegal”.
Um relatório de auditoria do Tribunal de Contas (TdC) defende que “o alargamento da base de quotizados a novos quotizados líquidos é condição ‘sine qua non’ para a sobrevivência, a prazo da ADSE”. O documento recorda que por cada beneficiário que efetua descontos existem 1,5 beneficiários não contribuintes.
“O aumento da população da ADSE é essencial à sua sustentabilidade, devendo o eventual alargamento ser decidido pelos e no estrito interesse dos seus quotizados, sem qualquer intervenção da tutela”, lê-se no documento, que acrescenta que quanto maior for o aumento de contribuintes do sistema, maior é a garantia de sustentabilidade.
O Tribunal de Contas entende como riscos para a sustentabilidade da ADSE a diminuição do número de quotizados e o seu envelhecimento, a concorrência do setor segurador e a administração do sistema por parte dos Governos que a têm instrumentalizado para realizarem as suas políticas financeiras e sociais.
“O adiamento sucessivo da decisão sobre a refundação da ADSE, a ausência de explicação sobre o racional do eventual retorno financeiro da ADSE através de impostos, bem como o recurso a formas de descapitalização da ADSE (…) podem resultar no eventual desmantelamento faseado da ADSE”.
Nas conclusões, o Tribunal de Contas começa por indicar que praticamente nenhuma recomendação formulada pelo TdC no anterior relatório foi acolhida.
Excedentes usados para maquilhar as contas públicas
O relatório afirma, também, que o aumento da taxa de desconto para 3,5% gerou excedentes, financiados pelos próprios quotizados, que foram e continuam a ser usados para maquilhar as contas públicas.
Apesar de os descontos dos quotizados serem a única fonte de financiamento dos cuidados de saúde, a ADSE permanece dependente de uma gestão exclusivamente pública sem que haja qualquer poder de decisão dos financiadores ou de quem paga as quotas.
“No atual modelo de governação da ADSE, o Estado tem vindo, no papel de ‘agente’, a administrar dinheiros dos quotizados, nem sempre agindo no melhor interesse dos quotizados da ADSE. O Estado deve garantir, no futuro, e enquanto o modelo de governação não for alterado, garantir que os descontos dos quotizados são consignados à sua finalidade“, recomenda o TdC.
ADSE pagou indevidamente 29,7 milhões à Região Autónoma da Madeira
No mesmo relatório, o Tribunal de Contas considera que a ADSE pagou indevidamente 29,7 milhões de euros ao Serviço Regional de Saúde da Madeira quando devia ter sido usado dinheiro do Estado, com dois anteriores governantes a incorrerem em eventuais infrações financeiras. Os dois governantes em causa são dois secretários de Estado do anterior Governo de coligação PSD/CDS, Manuel Teixeira e Hélder Reis.
O Tribunal de Contas (TdC) refere que, em setembro de 2015, a ADSE usou excedentes gerados em 2014 e receitas próprias de 2015 para pagar mais de 29 milhões de euros ao Serviço Regional de Saúde da Madeira que resultou da utilização de unidades de saúde por beneficiários da ADSE entre 2010 e 2015.
O Tribunal considera que dois secretários de Estado do anterior Governo “comprometeram dinheiros da ADSE para fazer face a uma despesa que é do Estado e que devia ter sido satisfeita pela dotação orçamental do Serviço Nacional de Saúde (SNS)”.
O relatório refere que esta situação pode ser considerada uma “eventual infração financeira suscetível de gerar responsabilidades financeira reintegratória“, ou seja, reposição de verbas por parte dos então secretários de Estado Adjunto e do Orçamento, Hélder Reis, e da Saúde, Manuel Teixeira.
Diz ainda o documento que o diretor-geral da ADSE, Carlos Batista, autorizou o pagamento de 29 milhões de euros, sabendo que a ADSE não era desde 2010 responsável pelo pagamento daqueles serviços, situação que pode também ser uma eventual infração financeira reintegratória e também sancionatória.
Para o Tribunal este é um exemplo de “instrumentalização do rendimento disponível dos trabalhadores da Administração Pública pelo Governo da República”.
A propósito deste pagamento ao serviço de saúde da Madeira, o TdC lembra que as instituições do SNS, no Continente e nas Regiões Autónomas, são financiadas por transferências do Orçamento do Estado.
“O montante pago ilegalmente pela ADSE (…), constituindo uma descapitalização da ADSE, constituiu já o limite inferior do prejuízo para o Estado”, indica o documento.
Além disso, somam-se, ainda, mais 6,45 milhões de euros de “perdão de dívida” que não foi paga à ADSE e que terá de ser devolvido. O relatório indica que esse valor é “relativo a descontos dos quotizados, trabalhadores da Administração Regional da Madeira, que foram retidos indevidamente por esta Administração e não entregues à ADSE”. No total, poderemos, portanto, falar de quase 36 milhões de euros que devem ser devolvidos à ADSE.
O Tribunal defende que os excedentes e receitas da ADSE não devem ser usados para o pagamento de despesa pública, uma vez que não compete ao sistema dos funcionários públicos nem aos seus beneficiários suportar essas despesas: “A utilização reiterada das receitas e dos excedentes da ADSE em funções públicas do Estado que não lhe incumbe prosseguir, descapitaliza a ADSE e prejudica a sua sustentabilidade”.