Passos diz que o défice de 2015 ficou em 2,8% do PIB. Verdade?

Não há debate parlamentar onde se fale de défice orçamental, que não inclua toda uma miríade de números. Desta vez, destacaram-se três: 2,8%, 4,4% e 3,03% do PIB. Qual deles é verdadeiro?

Vamos por partes. Pedro Passos Coelho, líder da oposição, garantiu que o valor do défice sem contar com o impacto das ajudas ao sistema financeiro foi de 2,8% do PIB e frisou que “o Governo tem a obrigação de saber isto e de o defender junto da Comissão Europeia”.

É verdade? Sim, é. O problema é que este não é o número que corresponde ao critério que é avaliado pela Comissão, no âmbito do Procedimento por Défices Excessivos (PDE) — o protocolo segundo o qual o país poderá vir a ser sancionado.

O défice orçamental de um país é sempre o mesmo, mas há vários critérios segundo os quais pode ser avaliado. No âmbito do PDE, há dois números que importam. O primeiro, e o mais importante, é o chamado headline deficit, ou seja, o valor global do défice, sem descontar nada.

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O valor apurado para Portugal em 2015, pelo Eurostat, a autoridade estatística da União Europeia, foi de 4,4%. Este valor compara com o limite de 3% e mostra que o país furou as regras do PDE.

Mas há outro número que também importa: o valor do défice sem medidas extraordinárias. Neste caso, ao valor dos 4,4% são descontados efeitos que tenham influenciado o défice naquele ano (positiva ou negativamente) mas que não são repetíveis nos anos seguintes.

O efeito mais óbvio é o da resolução do Banif, que pesou 1,4% do PIB. Sem este valor, o défice passa para os 3,03%, segundo a informação do Instituto Nacional de Estatísticas. Este é valor que o ministro das Finanças já tinha divulgado numa comissão parlamentar, a 26 de abril, e cuja notícia a oposição exibiu ao primeiro-ministro, durante o debate.

Mas este número adianta pouco à discussão com Bruxelas porque não estão aqui excluídos todos os efeitos extraordinários. Para isso, seria preciso retirar também o impacto positivo que das entregas antecipadas das contribuições dos bancos ao Fundo de Resolução. E sem isso, o valor fica “acima de 3%”, conforme lembrou esta quinta-feira a Comissão. A Unidade Técnica de Apoio Orçamental estimou o número em 3,1%.

Já o valor que Passos usou diz respeito ao défice sem contar com o impacto de todas as operações relacionadas com o sistema financeiro (desconta, além do Banif, também uma injeção de capital na Wolfpart, uma participada da Caixa Geral de Depósitos). Mas mantém o efeito positivo das tais receitas extraordinárias do Fundo de Resolução. E, por isso, o défice fica em 2,8%.

Conclusão: é uma meia verdade conveniente.

Défice do primeiro trimestre foi o mais baixo desde 2008

“O saldo das administrações públicas no primeiro trimestre de 2016 reduziu-se face ao período homólogo de -5,5% para -3,2% do PIB, sendo o défice orçamental do primeiro trimestre mais baixo desde 2008”, orgulhou-se o primeiro-ministro, António Costa, respondendo desta forma às dúvidas sobre o rumo que o Governo está a dar às contas públicas.

Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, o défice registado no primeiro trimestre de 2016 é de facto o mais baixo dos primeiros trimestres de todos os anos desde 2008. Tendo em conta que o défice orçamental apresenta efeitos de sazonalidade, comparar os trimestres homólogos (isto é, primeiro com primeiro) é uma opção adequada.

Sim, é mesmo verdade.

Governo já pagou mais reembolsos que em 2015

Um dos argumentos da oposição, frisado neste debate pela líder do CDS, Assunção Cristas, é o de que o Governo está a atrasar pagamentos para melhorar artificialmente a execução orçamental.

As pessoas desesperam pelo reembolso do IRS”, acusou Assunção Cristas.

Na resposta, António Costa garantiu que o atual Governo já tinha feito mais reembolsos da receita fiscal do que o anterior, em igual período. E deu dois exemplos: 23,2 milhões a mais no IRS e 227 milhões no IVA. Verdade?

Segundo os dados da Direção-geral do Orçamento, o valor dos reembolsos totais da receita fiscal de janeiro a maio deste ano foi 8,8% superior ao registado em igual período de 2015. Tanto no IRS como no IVA, os valores correspondem aos referidos pelo primeiro-ministro.

A observação de Assunção Cristas, sobre a retenção dos reembolsos do IRS, já foi correta, mas no passado: até abril tinham sido pagos menos 21,3 milhões de euros do que em 2015.

António Costa tinha razão.

Oposição diz que o desemprego sobe, Costa diz que desce. Em que ficamos?

A líder do CDS garantiu que há “menos 17 mil empregados” e o PSD, além de garantir durante o debate pela voz de vários deputados que o desemprego voltou a subir, distribuiu um documento aos jornalistas em que um dos nove gráficos mostra o desemprego a subir de 12,2% no quarto trimestre de 2015, para 12,4% no primeiro trimestre deste ano.

Contudo, António Costa garantiu que o desemprego está a descer: frisou que passou de 13,7% para os tais 12,4%. Quem está a falar verdade?

Todos usam números verdadeiros, mas a leitura do primeiro-ministro é mais arriscada. A taxa de desemprego passou, de facto, de 13,7% no primeiro trimestre de 2015 para 12,4% nos primeiros três meses deste ano. E é certo que o desemprego tem sazonalidade e que é legítimo comparar trimestres homólogos, em vez de trimestres em cadeia.

Mas também é aconselhável olhar para a tendência e não apenas para dois pontos no tempo, quando se trata de tirar a conclusão de que o desemprego está a descer ou a subir. Olhando para a tendência desde o primeiro trimestre de 2013, o pico da crise no mercado de trabalho, quando a taxa chegou aos 17,5%, verifica-se que a tendência de descida parece estar a ser interrompida.

No segundo e terceiro trimestres de 2015, a taxa ficou em 11,9%, o valor mais baixo desde a troika. Mas subiu desde então: primeiro para 12,2%, no final de 2015, e agora para 12,4%, no arranque deste ano. Por isso, é arriscado dizer que o desemprego continua a descer, mesmo que em termos homólogos se verifique ainda uma melhoria.

Número de Costa muito esticado.

Investimento está a cair. Governo previa que subisse

É um número da oposição: Assunção Cristas frisou que o investimento está a cair “2,5% em cadeia”. Já o PSD afirma, nos gráficos que distribuiu aos jornalistas, que o investimento está a cair 2% no primeiro trimestre, quando em 2015 cresceu 4,1%.

Mas vai ainda mais longe: garante que enquanto o Governo estima que o crescimento vá aumentar em 2016 para 4,9%, as projeções mais recentes apontam para uma contração. E dá o exemplo do Banco de Portugal (espera um aumento de apenas 0,1%) da OCDE (antecipa uma queda de 1,5%) e do FMI (projeta uma contração de 1,2%). Verdade?

Segundo o INE, a formação bruta de capital fixo caiu 1,2% no primeiro trimestre de 2016, quando comparada com o quarto trimestre de 2015 (variação em cadeia) e 2,2% em termos homólogos. Estes valores não são diretamente comparáveis com o valor registado no conjunto de 2015, porque o investimento é um indicador com grande variação intra-anual.

Quanto às projeções apresentadas pelo PSD, elas correspondem à verdade: o valor do Governo é, neste momento, o mais otimista, tendo os números mais recentes sido atualizados em baixa.

No final das contas, embora os valores apresentados pela oposição não sejam exatos, estão genericamente corretos, na medida em que se verifica, por enquanto, uma queda do investimento — tanto homóloga, como em cadeia.

Sim, o investimento está a descer.