O Fundo Monetário Internacional (FMI) aterrou em Portugal em 2011, para desenhar o programa de resgate, trazendo no bolso vários anos de diagnósticos errados dos principais problemas da economia nacional. Foi esta quinta-feira divulgado um vasto relatório, encomendado pelo FMI, em que vários especialistas fazem uma análise independente da forma como o FMI interveio na Grécia, Irlanda e Portugal e recomendam algumas “lições para o futuro“.
As mais de 100 páginas da secção portuguesa estão assinadas pelos economistas Martin Eichenbaum, Sérgio Rebelo e Carlos de Resende. Uma das principais componentes do trabalho foi analisar os relatórios anuais (Artigo IV) do FMI sobre Portugal. Na opinião dos economistas, os relatórios feitos sobre Portugal no início da década identificavam corretamente os principais riscos para o país: “Um abrandamento do crescimento, aumento dos desequilíbrios macroeconómicos, riscos crescentes no setor financeiro, necessidade de consolidação orçamental e, com menor ênfase, questões relacionadas com a competitividade e crescimento de médio prazo”.
Caso as autoridades tivessem seguido as recomendações que constavam nesses relatórios, a dívida pública e a dependência externa seriam bem menores quando a tempestade grega emergiu. Aí, Portugal estaria menos vulnerável à interrupção súbita de capitais”.
A partir de 2005, porém, o enfoque alterou-se, notam os economistas. “Em 2005, o FMI alterou a sua interpretação das causas subjacentes dos elevados desequilíbrios externos de Portugal”, dizem os especialistas, notando que “os anteriores relatórios focavam-se no papel central da baixa poupança privada e pública, apontando para as elevadas taxas de consumo privado em bens duradouros [sobretudo automóveis] e investimento residencial e um aumento rápido dos gastos públicos”.
O FMI colocou demasiada ênfase na falta de competitividade no setor exportador de Portugal como causa primordial dos défices comerciais e da conta corrente. Não encontrámos suporte a esta análise nos dados.
Além disso, o FMI nota que os relatórios de 2007 e 2008 “descreviam o setor financeiro como saudável e bem regulado“. “Os técnicos identificaram três fontes de vulnerabilidade — dívida elevada das famílias e empresas, elevada dependência do financiamento nos mercados grossistas e elevada exposição ao setor imobiliário e poucas empresas grandes — mas consideravam o setor financeiro resiliente“.
Portugal pode entrar “facilmente” num caminho explosivo
A pergunta impõe-se: valeu a pena? Depois de um programa de ajustamento aplicado durante três anos, com exigências duríssimas para a população e consequências muito graves para o desenvolvimento económico do país — a recessão foi muito mais profunda do que o previsto — Portugal conseguiu resolver os seus problemas e ganhar sustentabilidade?
Os peritos do Gabinete Independente de Avaliação do FMI são claros:
A nossa análise sugere que a sustentabilidade da dívida pública de Portugal é frágil: choques adversos modestos sobre a economia portuguesa ou aumentos discricionários do défice orçamental podem facilmente lançar o rácio de dívida pública sobre o PIB num caminho explosivo.”
Ou seja, assumindo o cenário macroeconómico central, Portugal está num caminho sustentável porque os rácios da dívida vão começar a descer. Mas esta sustentabilidade é “frágil” porque “basta mudar ligeiramente as assunções [que estão na base da avaliação] sobre taxas de crescimento futuro, défices orçamentais e taxas de juro da dívida para colocar Portugal num caminho insustentável”, explicam os peritos.
É por isso que este departamento de avaliação do FMI defende que deve ser tornado bem claro que os países que estão numa união monetária não podem fazer uma reestruturação ordeira da dívida e que, nesse sentido, são países muito mais expostos a recessões prolongadas.
Duas lições para o FMI
Para os peritos independentes, o Fundo Monetário Internacional deve retirar duas lições da aplicação do programa de ajustamento a Portugal.
Primeiro, deve “repensar o custo-benefício” de colocar metas ambiciosas. Desafios mais ambiciosos têm a vantagem de incentivar os governos a tomar medidas mais difíceis politicamente. Contudo, têm um custo: mostram um país que está constantemente a desiludir e a falhar nos seus objetivos.
Os peritos notam que Portugal não cumpriu nenhum dos objetivos que tinham sido fixados para o défice orçamental. Mais: o spread entre os juros da Alemanha e de Portugal alargou-se até 2012.
Tendo em conta estas evidências, bem como as entrevistas que fizemos às autoridades, acreditamos que o fracasso de Portugal em cumprir as metas e a subestimação constante do FMI em relação à severidade da recessão colocaram o programa em risco.”
A segunda lição tirada pelos peritos aponta para a necessidade de explicar melhor os riscos que um país que participa na união monetária corre. “A troika nunca ponderou seriamente reestruturar a dívida de Portugal”, lê-se no relatório. E nunca o fez porque, na verdade, sabia que essa era uma solução inaceitável para a Comissão Europeia. Mas há que ter em conta as consequências desta impossibilidade:
“Na falta de um mecanismo que permita a reestruturação ordeira da dívida, crises na balança de pagamentos de países que são membros de uma união monetária vão provavelmente evoluir para grandes recessões.”
É por isso que “esta dura realidade tem de ser clara”, defendem. O Gabinete Independente de Avaliação vai ainda mais longe lembrando que o custo de não considerar a reestruturação da dívida é criar incentivos para aumentar o crédito barato disponível para o país. E esse foi um dos fatores que empurrou o país para a crise.
“Não reestruturar a dívida também cria um problema de riscos morais nos mercados de crédito”, notam.