BoJack Horseman é um cavalo antropomórfico. Alcoólico e deprimido, é um ator que nos anos 1990 foi o protagonista de uma sitcom de sucesso e hoje é uma sombra daquilo que um dia foi, zero satisfeito com o rumo que a sua vida tomou. É, também, o protagonista de uma das melhores séries da Netflix, a série animada “BoJack Horseman”, que mistura parvoíce extrema com profundidade e temas que nem sempre são bem tratados na televisão.

A terceira temporada, disponível no serviço de streaming desde a semana passada, confirma isso mesmo (uma quarta foi confirmada no mesmo dia). Na época anterior, que era sobre o cavalo reconhecer que tinha problemas, enquanto tentava ser uma pessoa (sim, pessoa) melhor, BoJack filmou o papel de protagonista de um filme sobre Secretariat, o famoso puro-sangue americano. Agora fala-se numa possível nomeação ao Óscar. Será que isso o fará feliz? Tendo em conta que muito da série gira à volta da efemeridade da felicidade e da possibilidade de ter, pelo menos, alguma satisfação, é possível que não. BoJack continua auto-destrutivo como sempre, a magoar quem lhe é mais próximo e zero satisfeito.

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É uma nova temporada que mantém a qualidade das anteriores e que aproveita ao máximo a flexibilidade do modelo Netflix de disponibilizar todos os episódios ao mesmo tempo. Há espaço para formatos diferentes, como uma discussão num restaurante que é estendida ao longo de dois episódios, uma noite de pândega, álcool e drogas que dura muito mais do que deveria durar, um episódio contado em flashback ao telefone enquanto o protagonista está a tentar cancelar a subscrição de um jornal, bem como um episódio passado debaixo de água que é em grande parte silencioso, hilariante, bonito, tocante e desolador ao mesmo tempo – e está ao nível do clássico “Hush”, o famoso episódio de “Buffy, Caçadora de Vampiros” que foi nomeado para um Emmy.

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Tendo em conta o meio em que a série se passa, “Hollywoo” – porque na primeira temporada BoJack, bêbedo, roubou o “D” do famoso letreiro –, pode parecer só uma sátira da indústria do entretenimento. E há muitas partes que remetem para isso. Mas não é só. É um tratado sobre a natureza da tristeza e depressão. Ao mesmo tempo que é uma série hilariante. Isto não é comum em algo deste género, em que há trocadilhos – dos quais a série nunca depende – e doses cavalares de palermice, seja nos detalhes da trama (J.D. Salinger ainda está vivo e criou um concurso com celebridades?) ou nos cenários, cortesia do realizador supervisor Mike Hollingsworth e da designer de produção Lisa Hanawalt, ela que originalmente desenhou o cavalo.

Aqui tratam-se temas profundos e mostram-se conversas realistas, no meio de tanto de ridículo. Contam-se histórias honestas, murros no estômago, uma vontade de fazer chorar tão grande quanto a de fazer rir. A série é uma criação de Raphael-Bob Waksberg, que pertencia à trupe de comédia de sketches absurdos Olde English e para quem “BoJack Horseman” é dos primeiros grandes créditos da carreira. É alguém que não tem medo de explorar a tristeza e as grandes questões filosóficas da depressão e que empresta ao cavalo muitas características da sua personalidade.

A tudo isto ajuda um elenco de vozes brilhante. BoJack é interpretado por Will Arnett, o G.O.B. de “Arrested Development” e perfeito para fazer de idiota. Aaron Paul, de “Breaking Bad”, é Todd, um jovem que vive com ele. Amy Sedaris, de “Strangers With Candy” e uma das melhores partes da mais recente temporada de “Unbreakable Kimmy Schmidt”, é Princess Carolyn, a agente e ex-namorada de BoJack. Alison Brie, de “Community”, é Diane, jornalista que escreveu a biografia do ator e é casada com Mr. Peanutbutter (o brilhante cómico Paul F. Tompkins), ex-rival televisivo e amigo de BoJack. Não são os únicos: há dezenas de vozes conhecidas e importantes por aqui, de cameos e, claro, de Margo Martindale, a respeitada e eterna “atriz secundária”, a fazer dela própria como criminosa internacional.

São eles que ajudam a fazer tudo isto tão bom e, por muito desoladora e deprimente que seja a série – e é –, ajudam-nos a rir sempre. E muito.