A Inteligência Artificial (IA) está aí. Em todo o lado. Já não está confinada nas mentes dos investigadores, em conferências científicas hiperespecializadas, já não é um “poster” num qualquer congresso ou um “paper” a ser publicado numa revista científica. Já não é um conceito que necessite aprovação ou um enredo de um filme hollywoodesco. A Inteligência Artificial está aí. Está nas cidades, já faz parte das políticas municipais, está nas empresas, no ensino, no setor da saúde, na indústria farmacêutica, nos bancos e instituições financeiras ou nos transportes. Em todo o lado.
Em Viseu, no Instituto Politécnico, a IBM mostrou a um auditório a transbordar de alunos de que forma a Inteligência Artificial impacta uma sociedade cada vez mais digitalizada. E geradora de dados.
Senão, vejamos. Hoje, praticamente tudo com o qual interagimos gera dados. Seja a nossa postura nas redes sociais, a forma como interagimos com o nosso banco, o email, mais as SMS, as mensagens do Whatsapp e as fotos que partilhamos. Tudo são dados. Agora imagine isso à escala empresarial. Muitos dados, portanto. Em rigor, são gerados todos os dias 2,5 quintiliões de bytes. Sendo que um quintilião é uma unidade seguida por… 18 zeros.
Isto leva a que António Raposo de Lima, presidente da IBM Portugal, não tenha qualquer dúvida ao afirmar que os dados são, hoje, o novo recurso natural. “Um recurso que, tal como os energéticos – seja o gás natural ou o petróleo -, carece de capacidades tecnológicas para que dele se possa retirar valor”. Um valor que, neste caso, é retirado através do software analítico com capacidade de aprendizagem.
Na verdade, defende a IBM que a Inteligência Artificial é parte integrante da computação cognitiva onde os sistemas não são programados: eles compreendem, raciocinam e aprendem. Ou seja, têm a capacidade de formular hipóteses e dar respostas com um elevado nível de confiança. E este é precisamente o papel do IBM Watson, o sistema cognitivo da empresa norte-americana. Um sistema que acabaria por ficar mundialmente (re)conhecido quando no programa televisivo norte-americano Jeopardy!, em 2011, o Watson defrontou os dois melhores concorrentes de sempre. E venceu.
Mas, como nos dizia em Viseu Costas Bekas, investigador principal dos Laboratórios IBM Research, em Zurique, já chega de jogos. É altura de aplicar todos estes conceitos ao negócio. De materializar todos estes investimentos em inovação, de resto a grande missão desta tecnológica.
De resto, esta companhia investe em I&D cinco mil milhões de dólares por ano. E daí vermos que as capacidades analíticas do IBM Watson estão a ser aplicadas em indústrias como a saúde, o retalho, a educação e a banca, com o objetivo de ajudar a extrair conhecimento do amontoado de dados não estruturados que são produzidos diariamente.
Mas voltemos a Viseu, onde António Almeida Henriques, presidente da Câmara Municipal, “insistia” no quanto a tecnologia pode ajudar a tornar a gestão autárquica mais eficiente e potenciar Viseu como uma cidade verdadeiramente voltada para o (novo) mundo. E com coisas tão simples quanto isto. Os jardins, certo? Têm de ser regados. Porque não haver sensores que alertem para quando os jardins realmente necessitam de ser regados e, assim, haver uma poupança de água?
Ou imaginem o sistema de recolha de lixo. Habitualmente, há uma rota, um percurso realizado pelos camiões do lixo que recolhem os desperdícios. E se também os mais diversos contentores tivessem sensores e só fossem recolhidos quando “x” porcento estivesse cheio? Haveria, uma vez mais, poupança de combustível e tempo dos funcionários que poderia ser rentabilizado de uma outra forma.
“A tecnologia pode ajudar as pessoas a terem uma melhor qualidade de vida. E por isso nos congratulamos com esta parceria entre as empresas, como a IBM, o ensino superior e a autarquia. Porque Viseu, tendo uma dimensão média, pode ser um bom campo de experimentação.
Urge potenciar cidades que não se confinem ao litoral. Cidades com o arrojo para crescer. E é bom que o governo central tenha atenção. É assim que se combate a desertificação. Não é com 200 medidas que depois não servem para nada”, criticou António Almeida Henriques. “Mesmo o AICEP devia ter mais atenção. Devia haver mais deslocalização. Combater a interioridade. E é o que estamos a fazer, fixando competências e massa cinzenta”.
Mas vai toda esta tecnologia acabar com postos de trabalho? Vai, é inevitável, parecem todos concordar. Mas na mesma proporção de que criará outros tantos empregos. Outras tantas profissões. Costas Bekas é claro quando menciona que este não é o ascender das máquinas. É o ascender dos humanos. “A computação cognitiva não está aqui para tirar os humanos do panorama, mas antes para libertar os humanos da tirania dos dados. Tudo que a IBM faz é no sentido de gerar potencial. De potenciar o negócio.”
O presidente da Câmara Municipal de Viseu corrobora esta opinião, salientando que vê a IA e os sistemas cognitivos como instrumentos de apoio aos políticos, que não deixam de ser gestores. “Sou político e tenho orgulho na minha intervenção cívica, mas sou um gestor. E de microssistemas.
Não quero andar a colocar sensores pela cidade para a desumanizar. Mas se sou uma cidade jardim e colocar sensores para saber quando mais necessitam de serem regados provavelmente vou gastar menos água, menos recursos, e vou ser um melhor gestor”.
Goreti Marreiros, vice-presidente da Associação Portuguesa para a Inteligência Artificial, dá exemplos de novas profissões, nomeadamente as ligadas à IA. “O mercado está a absorver todos os licenciados, mestres e doutores com tudo o que tem a ver com esta temática. Há novas profissões, coisas que antes eram feitas de uma forma e agora vão ser feitas de outra. Sim, há profissões que vão desaparecer, mas vão surgir um conjunto de novas profissões”.
Um exemplo deste novo mundo é a Defined Crowd Corporation, uma startup que trabalha precisamente nesta área. “Para que o sistema possa aprender com os dados, estes têm de ter qualidade. Pegamos nos tais dados não estruturados e garantimos que têm qualidade suficiente para serem usados na tomada de decisão. Este é um processo complexo, que numa primeira fase é realizado por humanos que certificam e validam a qualidade dessa informação. O sistema depois consegue aprender por ele próprio. No fundo, treinamos a tecnologia”, disse o CTO João Freitas.
Jorge Sousa, administrador da Visabeira Global, admite que esta é uma oportunidade, apesar da AI ainda estar ainda longe de atingir níveis de fiabilidade. “Há um caminho a percorrer. E a sensorização é o caminho. Conseguimos aqui um muito interessante cluster porque temos um município atento e interessado”.
Os exemplos da aplicação de todas estas ferramentas e tecnologias é imensa. Infindável, até. Mas há sempre a eterna questão do financiamento. António Almeida Henriques é perentório quando afirma que esta é a grande dificuldade. “Para já, os chips têm de baixar de preço. No processo que estamos a trabalhar na temática da água, implica um investimento de 3,5 a 4 milhões num sistema inteligente. Impossível. Não há apoios comunitários e mesmo programas como o Portugal 2020 não contemplam este tipo de investimentos. Os projetos que temos em curso é com músculo próprio e com parcerias como com a IBM. Mas alguém tem dúvidas que as cidades vão cada vez mais necessitar de tecnologia para serem atrativas, para serem melhor geridas?”.
A fechar o evento, Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, realizou aquela que foi a primeira visita ao Instituto Politécnico de Viseu (IPV) desde que assumiu funções. O governante salientou a importância da ligação do mundo empresarial ao ensino, como é o caso da IBM e IPV, e da consciência de que “o futuro está no conhecimento e capacidade de procurar novos horizontes”.
Manuel Heitor disse aos jovens presentes que estes são tempos de incerteza e que este ambiente de crescente inovação num ambiente de incerteza é o que dá resiliência de criar um futuro promissor. “Aprender é um esforço que vale a pena. Temos de estar atentos à diversificação das áreas de grande empregabilidade no futuro. E esta ligação entre os atores empresariais, as autarquias e as instituições de ensino são fundamentais”.