José Maria Ricciardi defende a nacionalização do Novo Banco em alternativa a uma venda a “investidores-abutre” que, admite, poderão querer “vender o banco aos bocados”. A melhor opção, diz o ex-administrador do Banco Espírito Santo, é uma “nacionalização temporária”, como as que foram feitas, por exemplo, com alguns bancos ingleses, e o contribuinte poderá acabar por “ter lucro” com esta operação. E Ricciardi, apesar de garantir que não fala com interesse pessoal, admite tentar fazer parte do futuro do banco, um dia, para recuperar o nome Espírito Santo, que foi “destruído” por “alguns membros” da sua família.

A opinião do ex-presidente do BESI e do Haitong Bank surgiu em entrevista ao programa Negócios da Semana, na SIC Notícias, na noite de quarta-feira. “Eu acho que é melhor o banco ser nacionalizado, porque o Novo Banco advém de outro banco (o Banco Espírito Santo) tem uma função extremamente importante na economia portuguesa. É, não digo o único, mas um dos principais bancos a financiar as pequenas e médias empresas. E, portanto, eu acho que seria extremamente grave que se deixasse o banco enveredar por um caminho, ou ter um conjunto de investidores — eu não tenho a certeza, portanto com as devidas salvaguardas — cuja intenção é vender o banco aos bocados, passo o termo”.

Ricciardi lembra que “o banco não foi vendido numa primeira fase e agora está na situação que sabemos. É preciso ver que o que se passou no Banco Espírito Santo foi uma das primeiras resoluções que aconteceram na Europa. Não é uma tarefa fácil [para o Banco de Portugal]” gerir esta situação. “Vender um banco que resulta de uma situação nova e desconhecida não é fácil”, acautela.

Foi José Maria Ricciardi, enquanto ex-presidente do Haitong Bank (consultor da China Minsheng), que trouxe a instituição chinesa para a mesa das negociações. Instituição que não conseguiu entregar, até agora, as garantias bancárias associadas ao seu interesse no Novo Banco. Daí que os fundos norte-americanos Lone Star e Apollo/Centerbridge tenham ganho terreno neste processo — sobretudo o Lone Star, que foi quarta-feira apontado como favorito pelo Banco de Portugal e será convidado para negociações aprofundadas em exclusivo.

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Contudo, a serem verdadeiros os contornos que têm sido noticiados sobre a proposta do Lone Star (e da Apollo/Centerbridge), que Ricciardi diz não conhecer em detalhe, “prefiro que o banco seja nacionalizado, mesmo que temporariamente“. A certa altura, Ricciardi usa a expressão “investimento-abutre” para se referir ao interesse dos fundos.

“Se é para o banco ser adquirido por uma entidade que o vai vender aos bocados, que vai retalhar o banco, fazer o que se chama um asset stripping — que é vender uns ativos para aqui e outros ativos para ali, para tentar obter uns grandes retornos, que é no fundo a filosofia dos private equity e dos hedge funds, prefiro que seja nacionalizado”.

Ricciardi continuou: “Estou a falar da filosofia que normalmente está por detrás da forma como investem os private equity e dos hedge funds. Se a filosofia não for essa, muito bem. Se for, é indiscutível que é melhor que o banco seja temporariamente nacionalizado, que fique na esfera do Estado, que continue com o dr. António Ramalho, e existem várias maneiras de capitalizar o banco“.

O que pode estar em causa, caso o banco seja “vendido aos bocados”, é “todo o know how, toda a estrutura, todo o conjunto de gestores de enorme qualidade que o banco tem e que vêm do tempo do BES”. Isto porque, diz Ricciardi, “pode-se ter feito muitas asneiras no Banco Espírito Santo mas há uma coisa que é indiscutível: o BES é uma escola de banca comercial virada para o crédito às empresas que era a melhor do país“.

Mas e haveria custos pesados, para o contribuinte, com uma nacionalização? “Não necessariamente. Mesmo que o Estado pague um valor muito baixo, que também parece que é o caso dos fundos, se o Estado tiver de pagar [300 milhões e 700 milhões] não será um valor dramático e é o sistema financeiro que vai pagar a diferença [entre esse valor e os 3.900 milhões emprestados pelo Estado]”.

E os posteriores aumentos de capital, como seriam feitos? À custa do contribuintes? Ricciardi diz que acredita que seria possível levar os credores do banco (detentores de dívida sénior) a aceitar trocar uma parcela dos seus títulos por ações do banco. “É preferível ser acionista de um banco com futuro do que credor de um banco que não tem futuro nenhum“. Além disso, há dívida sénior que pode ser convertida em dívida subordinada e contar para alguns rácios de capital do banco.

No final, esta nacionalização pode dar “lucro” para o contribuinte, acredita José Maria Ricciardi.

“Isto passou-se noutros países, o Lloyds foi nacionalizado, o Royal Bank of Scotland foi nacionalizado, bancos de outros países foram nacionalizados, eu não estou a inventar nada. E o que aconteceu? Os bancos foram bem geridos, tiveram capital suficiente, continuaram a função na economia e depois foram revendidos e os contribuintes não só não perderam dinheiro como tiveram lucro”.

José Maria Ricciardi, que afirmou ter muito “orgulho” no seu nome Espírito Santo — “um dos grandes nomes da banca nos últimos 100 anos” — apesar de o nome ter sido “destruído” por “alguns membros” da sua família. “Tudo farei para reparar o nome a reputação e credibilidade da minha família, que era um dos aspetos mais fortes do banco”, admitindo vir a criar uma nova instituição financeira, “com o nome Espírito Santo.

Ricciardi garante que não faz estas considerações “com interesse pessoal”, mas não exclui que se essa for a opção do governo — nacionalizar e vender mais tarde — possa encontrar um conjunto de investidores e comprar o banco mais tarde, recuperando a marca Espírito Santo.