A PSP levantou 131 autos a motoristas Uber e Cabify em dois meses. De acordo com o que foi avançado ao Observador pela PSP, os veículos foram autuados em várias operações de fiscalização, mas é o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) que vai decidir as contraordenações. “Para evitar surpresas”, a Associação Nacional de Transportadores Utilizadores de Plataformas Eletrónicas (ANTUPE) – que representa as empresas do setor – está a aconselhar os associados a deixarem de prestar este serviço até a regulamentação ser aprovada.
Em causa podem estar multas que vão dos dois mil aos 15 mil euros, consoante se tratar do motorista (que pode ter de pagar entre 2 mil e 4.500 euros) ou do detentor da viatura (neste caso a coima varia entre os 5 mil e os 15 mil euros).
“Já informámos os nossos associados para não continuarem com este tipo de transporte, tendo em conta que deveríamos esperar que a regulamentação seja aprovada. Neste momento, é a decisão mais acertada. Aconselhamos neste sentido para não serem surpreendidos com os valores muito elevados das contra-ordenações”, disse Chetane Meggi, fundador da ANTUPE.
João Pica, presidente da Associação Nacional de Parceiros das Plataformas Alternativas de Transportes (ANPPAT) – a outra associação que representa o setor – não vai, “para já”, tão longe. “Estamos a dizer aos associados para, se forem autuados, contestarem no IMT. É um direito legal que têm. Para já, não estamos a aconselhar [interromperem a atividade]. Vamos ser ouvidos no Parlamento para a semana e, consoante as respostas que saírem dessas reuniões, tomamos uma decisão.”
PSP dá instruções para multar
De acordo com um documento do Comando Metropolitano da PSP do Porto, a que o Observador teve acesso, as “instruções de cumprimento” que os operacionais devem seguir são claras. “Após análise e discussão com várias entidades (IMT, DN), foi elaborado o parecer técnico infra pela Divisão de Trânsito, concluindo-se que os serviços Uber e Cabify, ou outros análogos, até que seja publicado e entre em vigor o diploma que regulamentará estes serviços, estão em violação do n.º4 do art.º 28 (prática de angariação, com recurso a sistemas de comunicações eletrónicas, de serviços para viaturas sem alvará)”, lê-se no documento.
Mais à frente, lê-se ainda: “Que serviços de transporte poderão violar o n.º4 do art.º 28 – Os serviços Uber, Cabify, ou outros análogos, até que não seja publicado e entre em vigor o diploma que regulamentará este serviço.”
Contactado pelo Observador, o Ministério da Administração Interna não prestou declarações sobre quem terá dado ordem para se iniciarem as operações de fiscalização sobre a Uber e a Cabify e remeteu o assunto para a PSP. Fonte da PSP esclareceu, por sua vez, que “o documento em questão não ‘ordena’ em momento algum que a operação se centre em operadores específicos. Pretende apenas, de acordo com o entendimento da PSP, esclarecer o efetivo sobre os procedimentos e enquadramento a adotar sobre esta matéria específica e sobre estes operadores específicos”.
As “instruções para cumprimento” são bastante claras: explicam que veículos operam ilegalmente, os valores das coimas, prazos das coimas e em que situações devem apreender os documentos dos veículos e condutores. A PSP esclarece ainda que “o documento orientador, elaborado pelo Comando Metropolitano do Porto, não foi alvo de difusão para outros comandos, mas espelha o procedimento adotado a nível nacional”.
João Pica explica que as operações de fiscalização têm vindo a decorrer “nos sítios onde há maior concentração de todos os parceiros destas plataformas”, como a zona de partidas e chegadas do aeroporto, as rotundas e alguns acessos ao aeroporto. “Estão a ser feitas em parceria com o IMT e estão 100% focalizadas sobre toda e qualquer viatura que suspeitem que possa estar a fazer serviço para estas plataformas”, afirmou.
Lei “ambígua” ou “lei claríssima”?
É com base na lei que determina as coimas a aplicar aos serviços de transporte em táxi ilegal, cuja alteração data de finais de novembro, que a PSP tem estado a fazer as fiscalizações. No artigo 4º da lei é referido que a “prática de angariação, com recurso a sistemas de comunicações eletrónicas, de serviços para viaturas sem alvará” é ilegal. As forças policiais entendem que os carros da Uber e Cabify, por não terem o alvará, estão sujeitos a uma multa. Mas há quem pense o contrário. Para João Pica, a alteração legislativa de 21 de novembro (Lei n.º 35/2016) incide apenas sobre os taxistas e deixa de fora carros ao serviço das plataformas eletrónicas.
“A lei refere o transporte de serviço em táxi. E nós não prestamos serviço de táxi. Não estamos a ser regulamentados assim, mas enquanto veículos descaracterizados (TVDE). Essa alteração à lei refere-se única e exclusivamente ao transporte em táxi“, afirmou ao Observador o representante da ANPPAT.
Chetane Meggi, da outra associação que representa o setor, concorda. “A interpretação desta lei é ambígua. Não está a ser feito nenhum transporte ilegal de passageiros, porque as empresas têm um alvará que lhes permite fazer este tipo de transporte. Não está a ser feito de forma ilegal. Todas as empresas parceiras têm alvará de renta-a-car ou de operadores turísticos, que lhes permite fazer transporte de passageiros”, acrescentou.
O advogado Miguel Santos Pereira tem uma leitura diferente. Ao Observador, explicou que “definir exatamente quais os limites em que é possível enquadrar o conceito de serviço de transporte de táxi, é matéria que caberá aos Tribunais” decidir.
“Em suma, a lei é claríssima. Além das contraordenações previstas para as viaturas que fazem transporte em táxi (…) vai mais longe e diz que este regime sancionatório, por força do n.º 4 do aludido art.º 28.º do diploma, também se aplica a viaturas que não é suposto terem alvará, mas que fazem um serviço semelhante ao do táxi”, diz, acrescentando que “é inequívoco que esta alteração foi efetuada para abranger os motoristas que funcionam através da Uber e da Cabify”.
Mas estão os advogados todos de acordo? Não. Numa nota jurídica de análise à mesma lei – elaborada por uma sociedade de advogados a pedido de uma das operadoras eletrónicas -, a que o Observador teve acesso, a conclusão é oposta.
A alteração legislativa de 21 de novembro “não se aplica à atividade de agência de viagem, de animação turística ou de rent-a-car, que se regem por normas legais próprias que abrangem diversos aspetos de cada uma das atividades, designadamente o transporte em veículo locado ou próprio, com motorista privado”. Aplica-se, sim, ao táxi: “veículo automóvel ligeiro de passageiros afeto ao transporte público, equipado com aparelho de medição de tempo e distância (taxímetro) e com distintivos próprios”.
Contactado pelo Observador, o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, a que está afeto o IMT, confirmou que é esta instituição que está responsável pela decisão contra-ordenacional. Até à data de publicação deste artigo, não houve confirmação sobre se já tinha havido decisão sobre algum dos casos. As associações do setor também não têm conhecimento.
Pouco tempo depois de a alteração legislativa de 21 de novembro ter entrado em vigor, a Federação Portuguesa do Táxi pediu uma reunião “urgente” com o Ministério da Administração Interna a propósito da “inação da PSP” no combate aos ilegais, afirmando que este comportamento poderia desencadear “novas situações de revolta social”. Entretanto, a proposta de regulamentação que incide sobre os veículos descaracterizados (TVDE) já deu entrada no Parlamento, onde terá de ser discutida e aprovada, para poder entrar em vigor.