Deveria ser o jogo do título. E foi mesmo. Mas pouco ou nada se falou do jogo: a cerca de hora e meia, na altura em que o autocarro do FC Porto chegou ao (antigo) estádio José Alvalade, junto da porta 12-A, dezenas de adeptos que já estavam dentro do recinto foram a correr para o varandim. Queriam pressionar o adversário, numa prática que era comum mas que costumava também ter os elementos de segurança por perto para evitar excessos. Nesse dia, a 7 de maio de 1995, alguma coisa falhou. A estrutura acabaria por não aguentar a força das dezenas de adeptos. Cedeu. Na queda, duas pessoas perderiam a vida.

Domingos Gomes, carismático médico de barba branca e óculos do FC Porto, foi logo dos primeiros a acudir aos feridos. O autocarro do Sporting que transportava os jogadores para o estádio ainda se encontrava a caminho, na A5, quando tudo se deu. Era um cenário de tragédia, estava tudo de cabeça perdida. De tal forma que, numa primeira reação, foram atiradas algumas pedras até ao médico dos azuis e brancos que tentava ajudar nos primeiros-socorros. Todos os feridos, mais de 20, foram transportados para os hospitais mais próximos.

https://www.youtube.com/watch?v=l-VSh5S8EAs

Domingos, avançado dos dragões que decidiria o encontro (e o título) de penálti na segunda parte e que esta manhã marcou presença em Alvalade como treinador do Belenenses, admite ainda hoje que, a par de uma deslocação a Aveiro no seguimento da morte do ex-companheiro Rui Filipe, em 1994, esta foi uma das partidas mais complicadas de disputar. Também entre os jogadores leoninos, que tiveram de ver todo aquele cenário quando chegaram a Alvalade e entraram pela porta 10-A, houve muitas lágrimas no balneário e um turbilhão de emoções difícil de controlar. Ainda assim, o encontro não foi suspenso, não foi adiado e nem sequer se cumpriu o habitual minuto de silêncio. Alusões ao que se tinha passado antes, apenas nas bancadas – várias tarjas negras cobriram a Curva Sul de Alvalade, viram-se tarjas invertidas também no lado dos Super Dragões.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Hoje, a memória de José Gonçalves e Paulo Ferreira, o Zé e o Paulo, elementos muito acarinhados da Juventude Leonina que morreram nesse 7 de maio e que conseguiram encher a rua Morais Soares no dia do funeral, saído da igreja de Arroios para o cemitério do Alto de São João, continua perpetuada com aquilo que acabou por ser denominado de Dia de Leão, data em que o Sporting homenageia todos os sócios que partiram, nomeadamente as vítimas da queda do varandim e Rui Mendes, o adepto que foi atingido de forma mortal por um very-light na final da Taça de 1996.

Esta manhã, como é habitual, guardou-se um minuto de silêncio junto à lápide colocada na Praça Centenário do estádio José Alvalade, antes do Sporting-Belenenses. Bruno de Carvalho, presidente dos leões, marcou presença a par de vários outros dirigentes do clube. Jaime Marta Soares, líder da Assembleia Geral, fez um pequeno discurso de homenagem. E todos estiveram juntos com alguns dos adeptos que também viveram in loco esse fatídico dia. “Sabes há quanto tempo nos conhecemos? Há pelo menos 22 anos”, atirou um dos presentes . “Mais, mais”, respondeu o outro. “Sim, eu sei. Mas pelo menos há 22 anos que nos conhecemos”, rematou o primeiro. Hoje alguns são pais e levaram até os filhos à homenagem. Podem ver-se menos, até uma vez apenas por ano, que seja, mas a cumplicidade é notória. O dia 7 de maio de 1995 não mais será esquecido.

“Estamos solidários para com aqueles que partilham as nossas convicções e valores. Curvamo-nos respeitosamente perante os que já pereceram e que fizeram do Sporting o grande clube que é. Demonstramos a nossa saudade e respeito por todos os sportinguistas que, ao longo da sua vida, fizeram-nos perpetuar a sua memória. Estamos gratos por marcarem a história do nosso emblema”, disse Jaime Marta Soares.

Dentro do estádio, a Juventude Leonina reservou também espaço, muito espaço, para uma derradeira homenagem a Marco Ficini, adepto italiano que foi a enterrar na passada quinta-feira em Orentano, Roma: no início do encontro, a claque levantou uma enorme tarja com a cara do transalpino e os símbolos de Sporting e Fiorentina. Alvalade aplaudiu de pé.