Informação muitas vezes determinante na escolha do automóvel, a verdade é que os consumos anunciados pelos construtores para os seus automóveis acabam por registar enormes desfasamentos face àquilo que são os valores obtidos numa utilização real. Isto levou a uma desconfiança generalizada da parte dos consumidores quanto aos números publicados.

Os construtores, pelo seu lado, preparam-se para “expiar os seus pecados” com a entrada em vigor, já a partir de Setembro, de um novo ciclo de homologação, denominado WLTP (Worldwide Harmonized Light-Duty Vehicles Test Procedures), destinado a substituir o sistema hoje em dia utilizado na Europa e introduzido em 1992, conhecido como NEDC (New European Driving Cycle).

Numa altura em que marcas como a Opel já começaram a adoptar o novo ciclo de homologação de consumos, ao mesmo tempo que fabricantes como o Grupo PSA optam por fazer as suas próprias mediações em utilização real, importa, por isso, não só explicar as razões do desfasamento entre os valores anunciados pelo método NEDC e os consumos obtidos em condições reais de utilização, mas principalmente explicar de que forma o futuro WLTP ajudará a garantir números mais próximos da realidade. Porque as diferenças entre as duas medições existem e são substanciais, é importante conhecê-las.

Mas, afinal, porque é tão pouco realista o NEDC?

Simples. Desde logo, porque este ciclo de homologação prevê o apurar dos valores a anunciar não em situações reais, com utilização do automóvel no dia-a-dia, mas em ambiente controlado, num laboratório, onde é simulado o acto da condução.

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Na verdade, o ciclo NEDC é composto de duas partes: uma primeira com a duração de 13 minutos, em que é simulada a condução em ambiente urbano, com vários momentos de pára-arranca, seguida de uma segunda, em que se procura simular um percurso em estrada. Sendo que este ciclo admite ainda que, no início do teste em banco de ensaio, a temperatura do propulsor possa estar já entre os 20 e 30 graus centígrados – ou seja, precisamente a temperatura ideal para se conseguir a máxima eficiência num motor de combustão.

Por outro lado, o NEDC estipula ainda que a potência média exigida ao veículo no momento do teste seja de apenas 4 kW (5,4 cv), fixando como pico os 34 kW (46,2 cv), o que leva a que os motores trabalhem muito abaixo da sua potência máxima, não lhes exigindo sequer, durante os 20 minutos que dura o teste, qualquer aceleração brusca. Mantendo-os, sim e pelo contrário, a trabalhar ao ralenti cerca de 25% do tempo!

Num teste que claramente beneficia os motores actuais, concebidos para consumos particularmente baixos quando utilizados nos regimes mais baixos, de referir ainda que, ao longo deste exame, no qual o automóvel supostamente percorre 11 quilómetros, a uma velocidade média de 34 km/h, atingindo como único pico os 121 km/h, todos os sistemas auxiliares – iluminação, ar condicionado, sistema de som, etc… – são desligados, contribuindo assim para médias (oficiais) nos consumos ainda mais baixas.

Como é que vai funcionar o WLTP?

Vamos por partes. Sinónimo de “Procedimentos Mundialmente Harmonizados para Testes de Veículos Ligeiros”, o WLTP é um novo ciclo de homologação que deverá entrar em vigor na União Europeia, Índia e Japão (no primeiro caso, já a partir de Setembro), e que tem por base um inquérito realizado a nível mundial com o objectivo de recolher perfis de condução reais.

Partindo desta informação, o novo teste de apuramento dos consumos conta com quatro etapas, realizadas todas elas não só a diferentes velocidades médias – baixa, média, alta e muito alta -, como contemplando diferentes acções – desaceleração, travagem, imobilização, etc. As quais variam também na frequência e intensidade. Objectivo final: procurar reproduzir o mais fielmente possível todas as situações da condução quotidiana. Sendo que, embora também ele realizado num banco de ensaios, ou seja, em laboratório, neste ciclo WLTP o veículo permanece mais tempo em movimento, fazendo-o a velocidades mais elevadas e com acelerações e desacelerações mais agressivas.

Por outro lado e ao contrário da norma NEDC, em que os dados do consumo dizem respeito a ambiente urbano, extra-urbano e misto, no ciclo de homologação WLTP são apurados os valores nos quatro momentos (velocidade baixa, média, alta e muito alta) do teste. Sendo que os números publicados para cada modelo testado definem a margem de consumo, desde o valor mais baixo até ao mais alto, obtido em cada uma das quatro secções. Garantindo, assim, números mais próximos daquilo que serão os consumos reais para cada modelo.

Resumindo: comparado ao ciclo de homologação NEDC, o novo WLTP não só é realizado com uma dinâmica de condução e temperatura ambiente (14 graus, contra 20 graus) mais realistas, como cumpre uma distância maior (23 km, contra 11 km), a uma velocidade média (46 km/h, contra 34 km/h) e máxima (131 km/h, contra 121 km/h) mais elevadas, e com tempos de paragem mais curtos (13%, contra 25%). Sendo que, no caso do novo WLTP, tem-se inclusivamente em conta o equipamento opcional, para itens como o peso ou a aerodinâmica.

De acordo com dados divulgados pela União Europeia, a comparação dos dois ciclos de homologação mostra, no caso das emissões de CO2 e falando apenas do pior dos cenários (ou seja, os dados relativos às velocidades mais altas), valores 11% mais altos no WLTP, com consumos de energia 44% superiores. Já no melhor dos cenários, ou seja, a velocidades baixas, o consumo energético foi, em média, 26% superior no novo ciclo.

Como exemplo, dois modelos: um Opel Astra 1.4 Turbo 125 cv com caixa manual e carroçaria de cinco portas, que em ciclo combinado NEDC anuncia 5,1 l/100 km, mas que no novo ciclo WLTP fica entre os 5,0 e os 5,8 l/100 km; e um Opel Astra Sports Tourer 1.6 CDTi 136 cv com caixa automática, homologado com um consumo de 4,5 l/100 km no ciclo NEDC, mas que, com o novo teste WLTP, passa a anunciar entre 4,6 e 7,9 l/100 km.

A finalizar, recorde-se apenas que o novo ciclo de homologação de consumos WLTP entra em vigor já em Setembro, para os automóveis ligeiros de passageiros novos, sendo que, até Setembro de 2018, passará a abranger todos os restantes veículos. Resta ainda saber como se procederá à correcção dos impostos que incidem directamente sobre as emissões nocivas – calculadas directamente a partir dos consumos anunciados –, pois de contrário o preço dos automóveis novos pode aumentar, em alguns casos de forma significativa.