Há Bruno Alves, há Hélder Postiga, há Paulinho Santos, há Ukra… As Caxinas são um autêntico viveiro de jogadores de futebol, quase como eles bairros do Brasil onde se dá um pontapé numa pedra de sai de lá um craque. Mas entre tantos que de lá saíram, há um que tem um lugar especial: Fábio Coentrão, o menino querido que regressou às suas origens pela primeira vez com a camisola do primeiro clube a todos o associaram.
É verdade que foi no Benfica que se conseguiu projetar em termos internacionais, na Seleção e numa transferência astronómica para o Real Madrid. E por 250 mil euros, a diferença entre aquilo que os leões não quiseram pagar (só foram até aos 750 mil euros pelo seu passe) e que as águias não tiveram qualquer problema em fazer em 2007 (um milhão de euros). Mas o jogador que ainda pertence aos merengues chegou mesmo a Alvalade uma década depois, por empréstimo de uma época sem cláusula de opção. Hoje, voltou ao local onde melhor se sente.
Esse carinho pelas Caxinas ficou bem visível em outubro de 2011, quando deu uma daquelas entrevistas curtas mais pessoais ao canal do Real Madrid. E que começou com a música Beautiful Lie de KeeMo, uma canção “muy gira”. Fábio Coentrão já estava nervoso com a entrevista e ainda mais atrapalhado ficou com a tentativa de se expressar em espanhol, língua que não dominava. Mas tudo passou quando começou a falar do local onde nasceu.
“Como era as Caxinas não, como é! Gosto muito, das pessoas… É uma terra que adoro e onde dou tudo. Quando acabar a minha carreira, quero voltar porque é lá que sou feliz. Apesar das dificuldades, as pessoas vivem bem. Porque gosto tanto? Porque as pessoas das Caxinas são como eu”, destacou Fábio Coentrão numa entrevista em 2011.
Essa paixão é recíproca. Coentrão é como jogador aquilo que sempre foi como pessoa: irreverente, humilde, trabalhador, talentoso. É aquele tipo de elementos que todos os treinadores guardam com carinho ao longo da carreira, é aquele tipo de pessoas que todos os antigos vizinhos não esquecem ao longo da vida. E que foi um pouco de tudo a partir dos 13 anos: padeiro, pintor, ajudante nas obras. Vingou no futebol, aquilo que sempre quis (o próprio contou que acordava e adormecia com uma bola ao lado). E fez carreira nos últimos 12 anos.
Estreou-se nos seniores do Rio Ave quando ainda era júnior, aos 17 anos. Dois anos depois, e já depois de uma passagem à experiência no Chelsea onde não ficou devido à saída de José Mourinho, rumou ao Benfica mas não pegou à primeira: foi cedido ao Nacional, depois ao Zaragoza (onde fez apenas um jogo), voltou a Vila do Conde e assumiu-se como titular indiscutível na Luz quando Jorge Jesus viu nele um lateral esquerdo de topo. É verdade: para os mais esquecidos, Coentrão, que tinha o quarto forrado com posters do Sporting e ganhara a alcunha de “Figo das Caxinas”, era visto em 2007 pela World Soccer Magazine como um talentoso extremo como… Robben. Assinou em 2011 pelo Real Madrid, tendo entretanto sido cedido a Mónaco e, agora, Sporting.
“Quando não estou em treinos, estágios e jogos, gosto de estar com a família, passear, ter uma vida saudável e feliz. Se é verdade que quando preciso de alguma coisa vou a casa do Cris [Cristiano Ronaldo]? Sim, é verdade. E se tocar e não abrir a porta, salto o muro da parte de trás da casa dele”, contou Fábio Coentrão em 2011.
O esquerdino é assim, sempre bem disposto e desenrascado mas com algumas histórias que o tornaram protagonista pelas piores razões: foi multado pelo Real por ter sido apanhado a fumar no seu aniversário; assumiu que tinha pago a uma escola de condução para “acelerar” a carta de condução, que tinha perdido e que via como complicado voltar a tirar por causa do código e porque estava em Espanha e não percebia por completo a língua; e teve de pagar 1,7 milhões para regularizar a sua situação fiscal em Espanha. Mas também teve outros episódios caricatos, como o dia em que se equipou e foi para o banco quando nem sequer tinha sido convocado.
Este ano, e depois de ter referido em 2015 que, em Portugal, só jogaria no Benfica, mereceu grande cuidado por parte dos responsáveis do Sporting, que foram “preparando” o seu regresso para evitar eventuais críticas. A verdade é que, três meses depois, todos reconhecem ao jogador um espírito guerreiro de alguém que dá o que tem e o que não tem pela equipa e por Jorge Jesus, o treinador com quem sempre manteve uma relação especial.
Sporting. Como fazer a (segunda) metamorfose de Fábio Coentrão?
Como assumiu por mais do que uma vez em entrevista, se não fosse futebolista, Fábio Coentrão seria pescador. Como o pai, que passava temporadas no Canadá na pesca do bacalhau. “Felizmente tive a oportunidade de ser jogador de futebol e estou muito feliz por tudo o que me aconteceu neste mundo. Lembro-me que a minha mãe trabalhava na fábrica de conservas e eu ia com ela, passava lá as manhãs todas, ao lado dela, porque não podia ficar noutro local, numa escola ou num colégio”, recordou, num tempo onde ainda vivia com os país, que entretanto emigraram para França para terem melhores condições para a família e o deixaram com a tia.
Por tudo isto e mais alguma coisa que só Coentrão conseguirá explicar, hoje foi um dia especial para o internacional português que, dez anos depois, regressou a Vila do Conde com a camisola do primeiro clube preferido: o Sporting. Mas sem deixar de elogiar o papel que o Rio Ave teve na sua carreira.
Jogámos contra uma belíssima equipa, muito bem trabalhada. Sabíamos que para ganhar tínhamos de correr mais do que o Rio Ave, porque não é fácil ganhar pontos nesta casa. É nestes jogos que se fazem os campeões. Uma vitória com sabor muito especial e é assim que se fazem os campeões. Regresso? Esta equipa estará para sempre no meu coração. Deu-me tudo nesta vida e devo muito a este clube. Vir aqui jogar é um motivo de orgulho”, disse Coentrão no flash interview após o final do encontro.