Não mostrou qualquer “arrependimento” e sempre que assumiu que se descontrolou, disse que foi “provocado por outros”. As palavras constam no acórdão que esta terça-feira condenou o ex-ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, a uma pena de cadeia de quatro anos e seis meses, suspensos por igual período, pelos crimes de violência doméstica, ameaça, ofensas à integridade física, injúrias e denúncia caluniosa contra a ex-mulher, a apresentadora Bárbara Guimarães, o seu ex-namorado, o empresário Ernesto “Kiki” Neves, e um amigo de Bárbara, Ricardo Pereira. O ex-governante, de 66 anos, foi ainda obrigado a frequentar um programa de sensibilização contra a Violência Doméstica e proibido de contactar com a ex-mulher.

Sentado em frente à juíza e sempre de braços cruzados, Manuel Maria Carrilho escutou, durante mais de uma hora, a leitura do acórdão em que era acusado de vários crimes. Todos eles ocorridos em 2014, após a separação da apresentadora Bárbara Guimarães, e na sequência da entrega dos dois filhos do casal — a cada quarta-feira da semana ou quinzenalmente aos fins de semana. Segundo a acusação, os encontros eram “tensos” e como Bárbara “temia” as reações do ex-marido passou a rodear-se de familiares e amigos para estarem presentes nestes momentos. No processo constam imagens do sistema de videovigilância montado à porta da casa de Bárbara que mostram que “o arguido demorava-se sempre nas entregas e insistia em ver Bárbara” criando várias “situações desgastantes em termos psicológicos”. Usava mesmo “estratagemas” para perpetuar estes encontros, mantendo a filha mais nova ao colo.

Um dos episódios que consta na acusação ocorreu na madrugada de 21 maio 2014, quando o filho mais velho do casal telefonou ao pai a informar que estaria sozinho em casa com a irmã. Segundo o tribunal, o menor terá visto no telemóvel da mãe uma mensagem que dava a entender que tinha saído. Carrilho saiu logo da sua casa para ir ter com os filhos. Ali chegado ligou para o 112. E a gravação da chamada mostra o que se passou depois: ouve-se a voz de Bárbara a perguntar o que estava ali a fazer. Depois uma voz masculina a perguntar-lhe “onde estava”. Seguem-se gritos e ouve-se a voz de um outro homem. O tribunal veio a reconstituir o que se passou naquela madrugada: afinal Bárbara estava com o então namorado, Ernesto Neves, mais conhecido por “Kiki”, a dormir no quarto do sótão, quando acordou com o barulho, desceu as escadas e deparou com o marido em casa.

Seguiram-se os confrontos físicos e Kiki acabou por o ex-governante fora de casa. Na altura Carrilho apressou-se a apresentar queixa na polícia por agressão: disse que tinha ido a casa de Bárbara, que os filhos estavam sozinhos e que ela e o namorado tinham chegado naquele momento da rua. Que Ernesto o tinha agredido, com um pontapé nas costas. De seguida tê-lo-ia atirado escadas abaixo. O tribunal, socorrendo-se do sistema de videovigilância, acabaria por considerar provado que Carrilho mentiu: não se vê Carrilho a cair pelas escadas e o casal estava descalço, logo não teria vindo da rua. Carrilho acabou condenado pelo crime de denúncia caluniosa por este caso.

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“Foi dada maior credibilidade aos testemunhos dos assistentes em detrimento das versões do arguido”, acabou por dizer a juíza. “Porque foi possível comprovar essas declarações, enquanto as declarações do arguido se foram distanciando” das restantes provas, justificou.

O tribunal considerou ainda “ultrajantes” as declarações feitas por Carrilho sobre Bárbara Guimarães em jornais e revistas, considerando que estas abalaram a imagem pública da apresentadora e não compreendendo como estas protegiam os filhos do casal. Entre os episódios relatados no acórdão da sentença, há um caso em que ficou provado que Carrilho agrediu à cotovelada a apresentadora, na presença dos dois filhos. “É percetível a total falta de respeito do arguido pela assistente”, diz a certa altura a juíza.

“Não há razão plausível ou justificável para tal reação em frente às crianças. As relações entre adultos devem ser resolvidas entre adultos”, diz a juíza.

Numa outra situação, foi um amigo de Bárbara, também assistente neste processo, quem levou um murro de Carrilho. “Um jovem de 19 anos”, sublinhou a juíza. Trata-se de Ricardo Pereira, também assistente no processo. O tribunal deu também como provado o envio de várias mensagens ao ex-namorado de Bárbara — embora Carrilho tenha sempre recusado o envio dos sms anónimos. Alguns foram mesmo considerados ameaçadores e injuriosos, tendo-se refletido na pena total de quatro anos e meio de cadeia aplicada.

O coletivo considerou que o arguido agiu com “dolo”. E incluiu no crime de violência doméstica contra Bárbara todas as situações vividas no momento das entregas, os sms recebidos, as ofensas à integridade física, as expressões ameaçadoras e 13 das 14 declarações prestadas na comunicação social (que na acusação correspondiam a 14 crimes de difamação). Deu ainda como provados o crime de denúncia caluniosa, dois crimes de ameaça contra o empresário Ernesto Neves, e um de ofensa à integridade física e outro de injúria contra Ricardo Pereira. Havia ainda uma outra vítima do processo, que acusava Carrilho de ameaça, mas o tribunal não deu como provado. Carrilho terá que pagar 50 mil euros a Bárbara e 15 mil ao empresário.

A juíza lembrou que o facto de o arguido viver com o filho mais velho em casa própria, não ter antecedentes criminais e só ter “começado a atividade delituosa” depois do divorcio atenuantes da pena. Por isso optou pela suspensão da pena de cadeia. Mais. Nenhuma dos crimes de que já foi condenado (em dois processos) tinha transitado em julgado em 2014. No final da leitura da sentença, a juíza pediu a Carrilho que se levantasse e aconselhou-o a não “seguir por este caminho”. Perguntou-lhe se tinha percebido a pena. Ele encolheu os ombros e manteve-se de braços cruzados.

A juíza disse aos advogados que por “não haver papel” no tribunal, teriam que consultar a decisão no Citius.

Advogados vão recorrer

A apresentadora Bárbara Guimarães saiu do tribunal sem prestar declarações aos jornalistas. O seu advogado, Pedro Reis, explicou porquê: “isto trata-se da vida íntima do casal”, explicando que o caso envolve os filhos dos dois. “Fez-se justiça”, rematou o advogado, admitindo recorrer da sentença. “Embora não haja na jurisprudência casos de arguidos com este contexto social e sem antecedentes criminais condenados a prisão efetiva”, disse no final da sentença.

Já Manuel Maria Carrilho falou logo a seguir ao advogado Paulo Sá e Cunha para dizer que “aos olhos dos filhos” foi absolvido. O advogado disse que ia recorrer, insatisfeito com os argumentos dos juízes, que não consideraram o processo “que corre no Tribunal de Família e Menores” — e que atribuiu a Carrilho a guarda do filho mais velho.

Carrilho está a ser julgado noutro processo, também pelo crime de violência doméstica. Esta sentença não terá reflexos naquele processo porque ainda não transitou em julgado.