Quando em 2015 se estreou “Star Wars: O Despertar da Força”, de J.J. Abrams, primeiro título da terceira trilogia da saga de ficção científica (FC) criada por George Lucas há 40 anos, escrevi que o filme era o equivalente de uma esforçada, entusiástica e competente equipa B de um grande clube de futebol, com uma nova geração de jogadores e reforçada por veteranos da equipa principal. E que embora Abrams mantivesse o formato narrativo básico (relações familiares convulsivas com travo freudiano, e confronto entre forças do Bem e do Mal com contornos mitológicos, ambientado num futuro intergaláctico), “O Despertar da Força” não conseguia senão decalcar, em modo menor, ideias, situações, personagens e momentos espectaculares da fita-mãe – e da trilogia original em geral —, sem ser capaz de se medir com elas em emoção, arrebatamento e na sensação de novidade ligada a uma tradição de formas populares do género, no cinema, na literatura e na banda desenhada (os “serials” e a “space opera”). Era um “clone” imperfeito.

[Veja o “trailer” de “Star Wars: Episódio VIII — Os Últimos Jedi]

Esta impressão mantém-se ao longo de quase todo o novo filme da trilogia, “Star Wars: Episódio VIII — Os Últimos Jedi”, escrito e realizado por Rian Johnson (“Brick”, “Looper-Reflexo Assassino”), que sucedeu a J.J. Abrams, agora apenas com deveres de produção. A história divide-se entre dois grandes centros de atenção. Um no espaço (a perseguição da frota estelar da Primeira Ordem às naves sobreviventes dos rebeldes da República, para as destruir ), outro em terra (a tentativa de Rey para convencer Luke Skywalker a deixar o seu remoto planeta-eremitério e acompanhá-la no auxílio à República), e que fazem agulhas para a tentativa de Finn e do robôzinho BB 8 de sabotar o cruzador principal do inimigo, e para o cabo-de-guerra de vontades entre Rey e Kylo Ren, cada um tentando convence o outro a mudar de lado.

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[Veja a entrevista com o realizador Rian Johnson]

Toda esta hiperactividade narrativa resulta num filme laborioso, muito explicativo, com diálogos rasos, humor forçado e, tal como o anterior, de uma espectacularidade automática e monótona, um “déjá vu” de gigantismo de acção cósmica. Das novas caras do lado dos rebeldes apresentadas em “O Regresso da Força”, só mesmo a Rey da aplicadíssima Daisy Ridley possui personalidade, arreganho e carisma reais, e é a única a ter uma evolução convincente e consistente enquanto personagem (mal seria se assim não acontecesse, já que é cada vez mais dela que depende a continuidade dos Jedi e a sobrevivência da República). No lado da oposição, a escolha do pachola Adam Driver para sucedâneo de Darth Vader continua aqui a fazer estragos. O intérprete de “Paterson” projecta tanta malevolência e ameaça como uma idosa voluntária do Banco Alimentar, e quando procura sugerir conflito interno, mais parece estar a tentar lembrar-se onde é que deixou o telemóvel.

[Veja a entrevista com Daisy Ridley]

“Star Wars: Episódio VIII — Os Último Jedi” dura quase duas horas e meia. E é só durante a meia hora final que está á altura dos melhores filmes da saga, numa sequência passada no quase despovoado planeta de minérios onde os sobreviventes da República se refugiaram, e que remete para a batalha de “O Império Contra-Ataca”. Mas a diferença é toda feita pela presença do regressado Luke Skywalker, o último Grande Mestre dos Cavaleiros Jedi. Tal como Mark Hamill o interpreta, mais velho e mais marcado pela amargura e pelas recriminações, mas também mais lúcido e poderoso, Skywalker traz ao filme uma solenidade genuína, intensa e arrepiante. Ele transporta uma aura verdadeiramente heróica, uma vibração épica que remete aos grandes momentos dos títulos originais, e um lastro de sofrimento mas também de poder e sabedoria, de que “Os Últimos Jedi” (que é dedicado a Carrie Fisher, na sua última aparição como Leia) e esta terceira trilogia, estavam desesperadamente necessitados (e a ele devemos ainda o extra de uma breve manifestação do bom e velho Yoda).

[Veja a entrevista com Mark Hamill]

Finalmente, se alguém tinha ainda dúvidas sobre a importância dos mercados asiáticos, sobretudo do chinês, para a contabilidade dos “blockbusters” de Hollywood, cá está para o reiterar, em “Star Wars: Episódio VIII — Os Últimos Jedi”, a personagem de Rose. Interpretada por Kelly Marie Tran, Rose sai de um canto da nave principal da República para se transformar numa das figuras mais importantes do filme, e terá a devida continuidade e o mesmo (ou talvez ainda mais) relevo no próximo. Os Jedi terão a Força mística, mas a Ásia é que detém a força real, a das bilheteiras.