Em 2006, era descrito pelo New York Times como “jovem crítico”, a propósito de uma exposição que organizou na galeria Bellwether. Em 2009, os adjetivos subiam de tom e o centro de artes visuais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) destacava a “alta qualidade” do trabalho de “Mr. Ribas”. Em 2018, a administração do Museu de Serralves desfaz-se em elogios: “Excelente percurso internacional”, “conhece aprofundadamente a arte portuguesa”, “notável capacidade reflexiva sobre o fenómeno artístico”, “visão programática muito estruturada, estimulante e refrescante”.
Curador e crítico de arte, João Ribas tem 38 anos e passou a vida quase toda fora de Portugal. Regressou em 2014 para ser diretor-adjunto do Museu de Serralves, no Porto, e entretanto passa a diretor, cargo até agora ocupado por Suzanne Cotter. A novidade foi conhecida na quinta-feira de manhã.
Filho de emigrantes minhotos, João Ribas foi viver para em Nova Iorque aos nove anos de idade. “É uma história muito comum, a emigração de portugueses para os EUA, e vejo esta experiência de forma bastante positiva”, recorda, em conversa com o Observador.
“Mantive sempre as raízes portuguesas e uma relação próxima com a comunidade lusófona e com artistas portugueses. Não me vejo propriamente como um estrangeiro, sinto-me em casa em Portugal. Penso que a portugalidade é muito complexa e diversa, e ainda bem. Imagino que não há um padrão do que é ser português ou estrangeiro.”
Vista de fora, a ascensão do bracarense João Ribas tem a marca da raridade. Formou-se em Estudos Culturais e Filosofia, na New School for Social Research, em Nova Iorque – instituição a cuja história se ligam nomes como os de John Dewey, Bertrand Russell ou Claude Lévi-Strauss. Começou por estagiar no MoMA PS1, centro de arte experimental contemporânea, integrado no museu de arte moderna de Nova Iorque, e na mesma cidade tornou-se curador do Drawing Center (2007-2009). Depois transferiu-se para o MIT List Visual Arts Center, em Massachussets (2009-2014).
Chega a diretor de Serralves na sequência de um concurso internacional promovido pela Fundação de Serralves, casa-mãe daquele que é considerado o mais importante museu português de arte contemporânea. Foi escolhido por unanimidade, entre candidatos de todo o mundo. No júri tiveram assento Ana Pinho (presidente do conselho de administração de Serralves), Isabel Pires de Lima e Manuel Ferreira da Silva (vice-presidentes) e mais três nomes: Vicente Todolí (primeiro diretor do Museu de Serralves e hoje diretor artístico do Pirelli Hangar Bicocca, de Milão), Laurent Le Bom (presidente do Musée National Picasso, em Paris) e Jochen Volz (diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo).
João Ribas entra em funções na próxima semana e terá um mandato de cinco anos pela frente. Quer “consolidar as atividades fora e dentro do país, e fora e dentro do museu”. O diálogo das exposições com o jardim que rodeia o museu será uma das linhas de continuidade. Seguindo a lógica hoje valorizada de que os museus não se limitam aos edifícios em que estão instalados, e devem ir ao encontro de diversos públicos, pensa repetir iniciativas como a que no ano passado exibiu em Lisboa (entre maio e agosto, na Cordoaria Nacional) dezenas de obras da coleção de Serralves.
Uma das tarefas do novo diretor será a de acompanhar a abertura de um espaço expositivo permanente em Serralves para a Coleção Joan Miró – o conjunto de 85 obras na posse do Estado português desde a nacionalização do Banco Português de Negócios, em 2008. Sobre isso, “ainda é cedo” para entrar em pormenores, diz.
Terá também a responsabilidade de programar as comemorações do 20º aniversário do museu, que se assinala em 2019. Outro “grande desafio” que o diretor antevê é o de “fazer avançar e estabelecer novas ideias, novos horizontes, com atenção a novos artistas e novas abordagens”.
No conjunto de meios e suportes da arte contemporânea, o diretor mostra proximidade à escultura e pintura, à fotografia e às imagens em movimento. “Interessa-me a inter-relação da arte com a realidade política e social”, resume. Ainda assim, parece ter forte apetência pela fotografia. Não por acaso, tem o cunho de João Ribas a primeira grande retrospetiva em Portugal do fotógrafo americano Robert Mapplethorpe (1946-1989), que abre em Serralves a 20 de setembro.
“Até recentemente, a fotografia era um meio pouco considerado. Não era reprimida, mas afastavam-na história de arte. A fotografia é muito importante em termos das praticas artísticas e reflete a nossa realidade quotidiana. As pessoas hoje são consumidoras e produtoras de imagens, sobretudo pela facilidade com que qualquer um tira fotos com o telemóvel. É um suporte profundamente presente na vida das pessoas e acho que é importante refletir essa questão, até porque em Portugal temos grandes nomes de uma nova geração de fotógrafos com grande impacto internacional”, comenta.
Com textos críticos em várias publicações da especialidade – ArtReview, ArtForum, Mousse Magazine, The Exhibitionist, Art in America –, João Ribas foi comissário da quarta edição da Bienal Industrial dos Urais, no ano passado. Muitos dos seus textos sobre arte, literatura e cultura visual encontram-se publicado num blogue que manteve entre 2005 e 2014.
Por enquanto afastado do ensino, deu aulas na Universidade de Yale, na Escola de Design de Rhode Island (RISD) e na Escola de Artes Visuais de Nova Iorque. Não põe de parte um regresso à academia, mas vê os museus como “extensão do contexto académico e pedagógico”, por isso pretende aprofundar o trabalho do Serviço Educativo de Serralves.
Enquanto viveu nos EUA, João Ribas comissariou exposições do artista multimédia francês Chris Marker, da escultora argentina Amalia Pica, do fotógrafo e videasta dinamarquês Joachim Koester e da performer norte-americana Frances Stark, entre muitos outros. Nos últimos anos, já em Serralves trabalhou, por exemplo, a obra da fotógrafa e pintora Helena Almeida, da cineasta Salomé Lamas, do performer Silvestre Pestana e do arquiteto americano Gordon Matta-Clark.