Os contratos das famílias que participaram no programa SuperNanny, emitido em janeiro pela SIC e produzido pela Warner Brothers TV Portugal, implicam o consentimento no que respeita aos direitos das imagens das crianças em Portugal e também no estrangeiro. Durante a acção especial de tutela dos direitos de personalidade, interposta pelo Ministério Público contra a SIC, a sucursal da Warner Bros. TV em Portugal e os pais das seis crianças visadas, a magistrada Luísa Sobral questionou uma das testemunhas sobre se conhecia “a possibilidade” de as imagens dos programas serem usadas noutros países que não Portugal, uma situação prevista no acordo celebrado entre famílias e produtora. 

Patrícia Mateus, a mãe da menina que seria apelidada de “Furacão Margarida” na sequência do primeiro episódio do programa SuperNanny, confirmou ao Observador a existência desta possibilidade e admitiu também que foi o ATL que a menina frequenta, em Loures, que reencaminhou o pedido da produtora para encontrar famílias.

No final de janeiro, o Observador noticiava que a produtora do programa contactou IPSS para que estas ajudassem na divulgação do projeto e referenciassem famílias. Fonte de uma IPSS no distrito de Santarém revelou que recebera um email da produtora com o respetivo pedido e que se recusou a indicar famílias. O ATL de Loures junta-se, agora, ao leque de IPSS contactadas, ainda que esta, em particular, tenha acedido ao pedido. Ainda durante a audiência, que decorreu esta terça-feira de porta aberta no Tribunal de Oeiras, Rosário Farmhouse, presidente da CNPDPCJ admitiu ter sabido de IPSS a quem a produtora terá chegado a oferecer alguns brinquedos, ainda que não tenha confirmado a informação. Já antes confrontada pelo Observador, a SIC disse não ter conhecimento e não se rever nesta prática.

Programa SuperNanny no tribunal: pais de duas famílias revogaram o consentimento que tinham assinado

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O julgamento desta terça-feira, em que o Ministério Público representou os menores envolvidos no processo, ficou desde logo marcado pela revogação do consentimento de uma família e de um dos pais (pertencente a uma família composta por três figuras parentais) no que respeita aos direitos das imagens das crianças. A família Mateus e a família Frade, do primeiro e segundo episódio, respetivamente, não revogaram o consentimento, ainda que o pai da Margarida o tenha feito.

Na sequência do julgamento, o tribunal limitou um máximo de cinco testemunhas a todas as partes, mas esta terça-feira apenas foram ouvidos Rosário Farmhouse, presidente da CNPDPCJ, e o psicólogo clínico Eduardo Sá, ambos identificados enquanto testemunhas do Ministério Público. Sob juramento, Farmhouse repetiu a posição da Comissão Nacional sobre o programa visado, tornada pública no dia seguinte à exibição do primeiro episódio de SuperNanny, garantindo que o dever desta instituição passa por “proteger crianças e jovens” e “promover os seus direitos”, sendo que intervém “quando os pais ou os cuidadores não fazem o suficiente ou não estão a proteger as crianças”, isto é, “quando as crianças estão em perigo”.

Durante a audiência, Rosário Farmhouse considerou as crianças “sujeitos autónomos de direito” e que o programa e respetivos vídeos promocionais estavam “claramente a violar os direitos das crianças”. “Não só mostrava imagens da Margarida em situação de grande fragilidade, stress e intimidade, como as palavras escritas reforçavam uma imagem negativa. Imagens que, a nosso ver, denegriam a sua imagem”, disse Farmhouse, referindo-se aos momentos do primeiro episódio, quando a menina esperneia, grita e chamar nomes às pessoas à sua volta, mãe incluída. A Comissão Nacional, garante a sua presidente, teve uma “intervenção imediata” considerando os vídeos promocionais, sendo que tanto a SIC como a ERC foram prontamente notificadas.

“Não sei o que seria pior do que crianças a entrar para o banho… nos momentos de maior fragilidade. As crianças não têm a mínima noção do impacto que têm estas imagens”, continuou Farmhouse, dando destaque à reprodução do programa em “larga escala”.

Questionada pelos advogados da SIC, Farmhouse explicou que foram os familiares das famílias que contactaram a Comissão Nacional e não os pais, e que foram estes quem admitiram “não reconhecer” os comportamentos das crianças. Disse ainda considerar que as famílias não estão “seguramente mais felizes” após o programa, ainda que ao Observador Patrícia Mateus e a família Frade tenham assinalado melhorias nos filhos após a intervenção de SuperNanny — o pai de Margarida, ex-companheiro de Paula Frade, recusou-se a falar.

Já Eduardo Sá expressou preocupação com a “exibição pública do sofrimento” e do “desespero de uma criança: “Quando se pega na vida privada e íntima das crianças e isso acaba por se público em prime time, entendo que estamos a passar uma linha de direito que me parece pouco razoável”. O psicólogo clínico com cerca de 30 anos de experiência referiu ainda que aquilo que podem passar por birras das crianças no pequeno ecrã podem resvalar para perturbações graves de comportamento.

“Tenho o maior receio desta situação tornada pública e, estando no espaço social para sempre, que se possa tornar um estigma.”

Eduardo Sá deu ainda a entender que “gostaria muito” que a direção da SIC admitisse que “exagerou”. “Tenho medo que, pela luta das audiência, se tenha escorregado.” Para Sá, o “sofrimento e desespero” expressos nos episódios “não foram fabricados”.

O julgamento continua no próximo dia 2 de março.