O administrador do Millennium BCP, Iglesias Soares, disse esta quarta-feira em tribunal que chegou a falar com o banqueiro Carlos Silva a pedido do procurador Orlando Figueira, que à data trabalhava no Compliance daquele banco. A testemunha explicou que o magistrado, que está a ser julgado por corrupção, lhe falou de um contrato de trabalho que não estaria a ser cumprido. Carlos Silva terá sugerido que o magistrado falasse com um advogado e até avançou um nome: Proença de Carvalho.
Logo no início do julgamento, que decorre no Campus de Justiça, Orlando Figueira disse que o contrato de trabalho que o levou a abandonar a magistratura foi feito com Carlos Silva, administrador do Banco Privado Atlântico e não com Manuel Vicente, o ex-vice-presidente angolano. A acusação refere que Orlando Figueira teria sido corrompido pelo governante angolano para arquivar processos que tinha em mãos contra ele no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
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O que tem de saber sobre esta sessão
As frases do dia
“Falei com Carlos Silva e ele disse-me que ia ver o que se passava. Passado um mês e meio ele sugeriu que ele falasse com um advogado: ‘eventualmente pode falar com o Dr. Proença de Carvalho'”, reproduziu Iglesias Soares.
“Havia uma série suspeita que ele (Orlando Figueira) podia estar a passar informação confidencial. Não havia provas evidentes. O entendimento foi de que como o banco estava em processo de venda do Activo Bank, pô-lo lá”, disse Iglesias Soares.
“Foi feita uma auditoria a Orlando Figueira enquanto esteve no Compliance e não há registo de erros”, disse Iglesias Soares.
“Nunca disse ao Dr. Orlando Figueira que este processo (Fizz) existia. Não corresponde minimamente à verdade”, disse Iglesias Soares.
Decisões importantes
Reorganizou-se a lista de testemunhas que serão ouvidas esta quinta-feira e durante a próxima semana.
Quem foi ouvido
O administrador do Millenium BCP, Iglesias Soares, que em 2009 saiu em licença sem vencimento para ajudar Carlos Silva a fundar o Banco Privado Atlântico Europa.
Quando é a próxima sessão
Quinta-feira, 22 de fevereiro.
Depois do testemunho de Orlando Figueira, Carlos Silva — que o tribunal quer ouvir presencialmente em março — apressou-se a enviar uma comunicado a dizer que todas as afirmações do magistrado acusado de corrupção não passavam de uma “fantasia”. Iglesias Soares, que contratou Orlando Figueira para o Compliance do Millennium BCP entre novembro de 2012 e julho de 2014, foi a primeira testemunha a corroborar a ligação contratual.
Iglesias Soares explicou que, ainda em janeirode 2014, Orlando Figueira ter-lhe-á pedido numa primeira fase ajuda para receber uns valores de Angola, por via do BPA, relativos a trabalho. “Não precisou qual o trabalho”, garantiu o administrador. Nessa altura, Iglesias Soares falou com um assessor jurídico do BPA de Angola que mais tarde terá vindo a Lisboa e reunido com Orlando Figueira. Curiosamente, Paulo Marques seria a pessoa que Orlando Figueira iria substituir em Angola, no BPA.
— Não achou estranho?, perguntou a procuradora do Ministério Público, Leonor Machado
— Atraso de pagamentos é uma situação muito comum em Angola. Não fiquei com a ideia que fosse um contrato de trabalho. Não acho que ele conhecesse o Paulo Marques, respondei Iglesias Soares.
Já em 2015, depois de Paulo Marques ter ficado incapacitado porque sofreu um AVC, Orlando Figueira pediu-lhe que falasse com Carlos Silva porque havia um contrato com os angolanos que não estaria a ser cumprido. O procurador não terá especificado que contrato e quais os seus pormenores. “Falei com Carlos Silva e ele disse-me que ia ver o que se passava. Passado um mês e meio ele sugeriu que ele falasse com um advogado: ‘eventualmente pode falar com o Dr. Proença de Carvalho'”, reproduziu.
Operação Fizz. Banqueiro Carlos Silva desmente Orlando Figueira
O advogado Proença de Carvalho já foi dispensado pela Ordem dos Advogados do sigilo profissional e deverá ser confrontado com estas reuniões quando prestar declarações enquanto testemunha.
Iglesias Soares desmentiu, no entanto, Orlando Figueira num ponto: recusou ter sido ele a informar o magistrado de que ele estaria a ser investigado no DCIAP, como afirmou várias vezes Figueira no seu depoimento.
As suspeitas que levaram Figueira a ser transferido para o Activo Bank
Iglesias Soares não conseguiu explicar, nem aos juízes nem aos advogados, como é que em outubro de 2012, um mês depois de Orlando Figueira abandonar a magistratura, o currículo do procurador foi parar ao Millennium BCP. Certo é que que nesse momento um dos funcionários do Compliance “estava com uma doença terminal” e um outro estava prestes a reformar-se. Havia uma vaga. E foi ele o escolhido.
O administrador garante que falou com outros dois elementos da comissão executiva e que contactaram Orlando Figueira para a proposta de trabalho. E que não o fizeram a pedido. Figueira não terá, neste momento, falado em qualquer contrato com Carlos Silva. Embora, em tribunal, tenha dito pensar que esta proposta de trabalho tinha sido intermediada pelo banqueiro Carlos Silva até se efetivar a sua viagem para Angola. Figueira pediu que o contrato com o Millennium BCP não fosse feito em exclusividade porque queria trabalhar na advocacia. E assinou um contrato de seis meses de prestação de serviços. O contrato acabaria por ser renovado por duas vezes, até que em 2014 algo mudou.
“Houve uma suspeita … um desconforto relativamente a uma possível fuga de informação confidencial. Houve essa manifestação de desconforto por parte da Dra. Isabel, que não era expectável. E depois por parte do Dr. Miguel Maya”, disse a testemunha. No entanto, como não havia “provas” de que, de facto, Figueira tinha passado informação, a administração optou por propor-lhe um outro trabalho. “Criar um departamento jurídico e com a venda do Activo Bank, ele passaria para lá. Nunca lhe dissemos que foi por isto. Porque não tínhamos provas evidentes”, admitiu. E assim, foi. Figueira passou para o Activo Bank com as mesmas condições: um salário de 3500 euros por mês em regime de prestação de serviços. O banco não chegou a ser vendido.
Já em março de 2016, depois de Orlando Figueira ser detido, o Millennium BCP decidiu fazer uma auditoria ao trabalho que o procurador prestou no Compliance daquele banco. Queriam saber se favoreceu algum cliente, sobretudo os clientes que eram suspeitos na Operação Fizz. Depois de passar os pareceres assinados pelo magistrado a pente fino, concluiu-se que nem o seu trabalho nem as suas movimentações bancárias eram dignas de “qualquer reparo”, lê-se no documento que consta no processo.