Para o próximo ano letivo mais escolas públicas vão querer aderir à flexibilização curricular. A convicção é de Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), que também acredita que o projeto-piloto que este ano deu flexibilidade curricular a mais de 230 escolas públicas e privadas funcionou melhor no ensino básico do que no secundário.

“No próximo ano letivo vai haver mais adesão de escolas. Quando aparece algo diferente, nós, portugueses, temos receio e pensamos logo que o melhor é deixar os outros ir à frente. Mas quando os que vão à frente têm feedback positivo, os outros — neste caso, as escolas — também vão querer entrar e criar projetos à sua medida”, defende Filinto Lima.

Ontem, em Conselho de Ministros, foi aprovado um decreto-lei que prevê a generalização da medida que este ano teve contornos de experiência. Todas as escolas que queiram poderão juntar-se aos 236 estabelecimentos de ensino que participaram este ano no projeto-piloto do Ministério de Educação.

Governo aprova autonomia de escolas para gerirem parte do tempo

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Entre outros aspectos, no projeto-piloto, as escolas podiam gerir livremente 25% do tempo letivo disponível e isto implicava puderem escolher diferentes formas de organização, abordagem e métodos de ensino nas salas de aula.

Esta é uma boa medida porque o Ministério da Educação não obriga ninguém a aderir. Tinha algum receio que houvesse uma universalização obrigatória do projecto de flexibilização e isso iria contra a autonomia das escolas. Mas com estes contornos é positivo. Esta é a verdadeira autonomia. As escolas não querem gerir dinheiros, querem é gerir currículos”, argumenta Filinto Lima.

No final do Conselho de Ministros, o titular da pasta da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, disse aos jornalistas que o modelo agora aprovado “é um importante instrumento de trabalho, de equidade e de promoção do sucesso escolar”. Por outro lado, explicou o governante, “alarga-se assim à escola pública uma ferramenta de trabalho que até aqui estava garantida apenas às escolas privadas”.

No básico correu sobre rodas, no secundário nem por isso

Do contacto que tem tido com outros diretores de agrupamentos escolares, Filinto Lima diz sentir que no ensino básico tudo está a correr bastante bem. O mesmo não se pode dizer do secundário. O projeto-piloto ocorreu apenas em turmas de início de ciclo, ou seja, do 1.º, 5.º, 7.º e 10.º anos.

“No ensino secundário surgem dificuldades em virtude do modelo de acesso ao ensino superior. O secundário é muito virado para os exames e, devido à forma como está criado, é um ciclo perdido. É um ciclo em que os alunos se preparam para os exames, para aquela hora e meia”, sublinha o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas.

Por isso mesmo, aproveita a ocasião para voltar a falar de um assunto em que tem vindo a insistir há muito tempo: é preciso discutir o modelo de acesso ao ensino superior.

“Era muito importante fazermos esta discussão nesta altura. É uma boa oportunidade para pais, alunos, professores pensarmos se é este o modelo que queremos ter de acesso ao ensino superior e se ele nos serve. E desafio também os reitores a falarem sobre este assunto, é uma oportunidade para falarem de um assunto que, com certeza, lhes interessa”, diz Filinto Lima, acrescentando que esta é uma discussão que sente que o governo também quer ter.

Em fevereiro, o diretor para a Educação da OCDE esteve em Portugal. Ao falar sobre este projeto-piloto disse haver uma tensão crescente nas salas de aulas: de um lado estava o novo perfil do aluno e o novo modelo que representa a forma comos os professores querem dar aulas e, do outro, a responsabilidade de preparar os estudantes para terem bons resultados nos exames nacionais.

E enquanto nos slide de Andreas Schleicher se lia a pergunta “o dilema: ensinar para o mundo de amanhã ou para o exame nacional?”, o próprio verbalizava a questão: “Um dia, Portugal vai ter que alinhar o seu sistema de exames com este novo perfil do aluno.”

Sem exames nacionais, esta tensão não se sente no primeiro e no quinto ano de escolaridade obrigatório.

“No básico é mais fácil de ser implementado, não há a problemática dos exames. O que me dizem os diretores é que há um ou outro constrangimento, mas as escolas estão satisfeitas com os modelos que implementaram. No terreno há 236 escolas e cada escola tem o seu projeto, por isso há 236 projetos diferentes. E o sucesso tem a ver com isso: não há nenhum fato feito pelo ministério, cada escola faz o fato à sua medida, há 236 fatos.

No final, só espera que esta não volte a ser uma medida educativa que dura apenas o tempo de uma legislatura. “Esta é uma grande medida, estrutural, e o governo tem obrigação de chamar a si a oposição, de ter a sua aprovação. Daqui a 6 anos vamos provavelmente ter um governo de direita — é a alternância democrática habitual em Portugal — e vai mudar tudo outra vez sem se saber porquê. A escola precisa de estabilidade. Precisa do tal Pacto de Educação de que fala o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa”, concluiu Filinto Lima.