A juíza de instrução Isabel Sesifredo decidiu levar a julgamento todos os militares que estavam acusados no âmbito do processo dos Comandos. Esta manhã, a juíza explicou que o tribunal “pronuncia todos os arguidos” porque “os indícios são muito fortes para não pronunciar”.
Numa curta declaração, Isabel Sesifredo disse que os militares seriam julgados por crimes de âmbito militar, enquadramento que as defesas queriam evitar por significar eventuais penas mais pesadas para aqueles que vierem a ser condenados. “Efetivamente, são crimes estritamente militares, praticados por militares e contra militares”, disse a juíza de instrução. As penas que venham a ser eventualmente aplicadas serão, por isso, ligeiramente mais pesadas.
Segundos antes de anunciar a decisão, a magistrada deixou uma nota sobre a forma como foi conduzida a investigação pelo Ministério Público. “A acusação”, disse Isabel Sesifredo, “é bastante minuciosa, pormenorizada em relação aos factos” e é também por isso que “não há qualquer razão para declarar a nulidade da acusação”, como chegaram a pedir alguns dos advogados de defesa.
“Olhem-me nos olhos”, diz mãe de Hugo Abreu
Ângela Abreu foi das primeiras pessoas a chegar ao Campus de Justiça para acompanhar a decisão instrutória do processo em que se investigaram, entre outras questões, os factos que levaram à morte do seu filho, a 4 de setembro de 2016. Minutos antes de os militares entraram para a sala de audiência, gritou: “Olhem nos olhosda mãe do Hugo Abreu!”
Vestida com a farda do filho, a mãe de Hugo Abreu explicaria mais tarde a sua motivação. “Eu queria que eles olhassem para a minha cara. Eu não vou baixar a cabeça, não fui eu que fiz mal”, disse Ângela Abreu, antes de conhecer a decisão da juíza de instrução.
À saída do tribunal, Ricardo Sá Fernandes, o advogado que representa a família de Hugo Abreu, disse que este processo não pretende julgar a instituição militar. “Não queiram fazer deste processo, porque vão pelo caminho errado, qualquer coisa que seja contra os Comandos ou contra o Exército”, sublinhou.
“Não é o julgamento dos Comandos” que está em causa, disse Sá Fernandes, mas “o julgamento daquelas pessoas” com diferentes responsabilidades no 127º curso de Comandos, em que morreram Hugo Abreu e Dylan Araújo e em que mais de duas dezenas de militares foram, na leitura do Ministério Público, alvo de agressões.
Acusação tem quase um ano
Em junho do ano passado, 19 militares com diferentes responsabilidades no curso de Comandos — entre instrutores, responsáveis pela formação e pessoal médico — foram acusados pelo Ministério Público da prática de 489 crimes. Apenas um dos militares constituídos arguidos não foi acusado no processo em que se investigaram as circunstâncias que levaram à morte de Hugo Abreu e Dylan Araújo, em setembro de 2016, quando integravam o 127º curso de Comandos.
O Ministério Público acusou os 19 militares da prática do crime de abuso de autoridade e ofensas à integridade física, em diferentes graus. O 1º sargento Gonçalo Fulgêncio e os 1º cabo Fábio António e José Pires — respetivamente, o oficial da instrução de tiro e responsável pela formação e os encarregados de formação — reuniram o maior número de acusações por crimes praticados, na leitura da procuradora que conduziu o processo. Foram acusados de 59 crimes: 57 de ofensas à integridade física simples e dois de ofensas graves, cada um deles punido com penas que vão dos dois aos oito anos de prisão, no primeiro caso, e dos oito aos 16 anos de prisão, no segundo.
O tenente-coronel Mário Maia, diretor da Prova Zero (momento iniciático do curso, particularmente intenso, em que mais de duas dezenas de recrutas precisaram de receber assistência médica e que levaria à morte de Hugo Abreu e Dylan Araújo), foi acusado de 26 crimes, a maior parte por ofensas simples.
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Outra figura central do processo, o médico capitão Miguel Domingues foi acusado de 29 crimes. Embora designado para acompanhar a instrução do curso 127º no momento em que Hugo Abreu morreu, estava fora do Campo de Tiro de Alcochete quando mais de 20 militares recebiam cuidados de saúde na tenda de campanha. Três dos crimes de que foi acusado são ofensas graves, dos quais dois crimes são agravados pela morte de Hugo Abreu e Dylan da Silva Araújo.
489 crimes em 16 horas
O 127º curso de Comandos arrancou, em setembro, com 67 instruendos. Apesar de apenas 23 militares terem recebido a boina vermelha usada pelos elementos daquela tropa especial, no primeiro dia de instrução, em que se cumpria a Prova Zero, estavam todos integrados no grupo.
Para dar um exemplo de como o universo de crimes chegou a um número tão elevado, é preciso ter em conta que o Ministério Público, na investigação às mortes, recolheu provas de que, entre outros factos, vários dos instrutores do curso 127 lançaram instruendos para as silvas.
Essa prática, que não consta do guião da Prova Zero, foi multiplicada por cada um dos recrutas e pelos vários instrutores que repetiram essa ação. Há seis militares — Pedro Fernandes, Gonçalo Fulgêncio, Tiago Arsénio, Fábio António, Joel Gonçalves e José Pires — que têm entre 50 e 59 crimes. Só aqui estão contabilizados 352 crimes, o grosso das acusações.