A probabilidade de se terem cruzado com uma máquina de arcadas no final dos anos 1980 e na primeira metade dos 1990 é muito grande. A probabilidade de uma dessas máquinas ser da série Street Fighter é tão grande ou maior.
Street Fighter 30th Anniversary Collection foi lançado há três dias para PS4, Nintendo Switch, PC e Xbox One como comemoração de uma das séries mais influentes do mercado dos videojogos, e que compila os 12 jogos editados antes da entrada de Street Fighter na “modernidade” em 2008. O facto de as versões existentes nesta antologia serem as originais de arcada (e não as adaptações subsequentes para as consolas domésticas) demonstra a vontade da Capcom de querer celebrar o sucesso da sua maior Propriedade Intelectual, que é também uma das recordistas históricas com maior número de máquinas de arcada vendidas até hoje.
Quando foi lançado o primeiro título em 1987, Street Fighter acabaria por definir não só os jogos de luta mas também por tornar-se um dos nomes mais globalizados de um mercado que apenas há poucos anos tinha recuperado do seu grande crash. A quantidade de inovações mecânicas que este jogo trouxe para os jogos de arcadas foi tão grande que poucos imaginariam à época o quão influente Street Fighter viria a ser. O facto de cada personagem ter à disposição três intensidade de murros e pontapés veio alargar o leque de possibilidades mecânicas, tornando este jogo incomparável com qualquer outro que tivesse sido feito até então.
A célebre introdução dos seis botões de ataque (que tornar-se-iam quase um padrão dos jogos de luta nas décadas subsequentes) foi a forma encontrada pelos engenheiros da Capcom de representarem esta novidade, mas não foi a primeira, sendo até uma solução de recurso para resolver um problema sério das primeiras máquinas a serem comercializadas.
As primeiras unidades de Street Fighter foram produzidas com uns pads de borracha que registavam a intensidade com que eram esmurrados, mas, cedo, aquilo que parecia uma ideia brilhante no papel demonstrou ser uma verdadeira dor de cabeça para todos os salões que adquiriram as primeiras máquinas. Além dos botões “esmurráveis” terem aumentado os danos às máquinas, também houve muitos utilizadores a ficarem com alguns ferimentos “apenas” por tentarem jogar o grande jogo da moda.
Mas as inovações de Street Fighter não se ficaram por aí. Sejam a introdução dos golpes especiais, que durante anos eram “secretos” e tinham de ser aprendidos de outros jogadores, que já os tinham descoberto, ou os sistemas de combinações de golpes, cada novo jogo tentou sempre expandir o género para além de si mesmo. Também pelo facto de que, desde Street Fighter II, a Capcom ter trazido para o género a possibilidade de um jogo destes ter um elenco vasto, em que cada personagem era diferente dos restantes. Não só em termos de movimentos e golpes únicos, mas também na sua personalidade e identidade, o que permitiu a que alguns dos personagens como Ryu, Ken, Chun Li, Vega e Sagat viessem a fazer parte da linguagem pop no mundo todo.
Jogar os 12 jogos que vêm incluídos nesta compilação faz-nos não só perceber a evolução da série, mas o imenso talento e qualidade que os jogos tinham quando comparados com o etát de l’art dos seus anos de lançamento. A direção artística dos vários Street Fighter evidencia a mestria dos seus ilustradores com as “limitações” da pixel art e o domínio técnico dos seus animadores, tornando-os alguns dos exemplos do porquê de, até hoje, termos dezenas de jogos a chegarem ao mercado, que ainda tentam mimetizar a série do ponto de vista visual.
Street Fighter não é apenas a marca de maior sucesso da Capcom, mas foi, a par do seu grande rival Mortal Kombat, um dos grandes motores do crescimento dos videojogos para o público geral. Quase que nem precisaríamos de nos lembrar da terrível adaptação cinematográfica de 1994, protagonizada por Jean-Claude Van Damme, para percebermos em retrospetiva a importância de Street Fighter. Um filme que marca também o último papel de Raúl Juliá, que, para muitos, ficará com a imagem ligada de forma inglória ao papel de M. Bison, o antagonista de Street Fighter, mas que foi, sobretudo, uma das primeiras tentativas de Hollywood para perceber o que eram estes fenómenos que movimentavam milhões de pessoas por todo o globo.
Apesar desta antologia conter 12 jogos, alguns deles são quase desnecessários, por serem versões subsequentes do mesmo jogo, com apenas quatro ou cinco a serem as versões definitivas de cada lançamento. Por outro lado, nesta postura arquivista e histórica, incorporar os lançamentos todos é a melhor forma de fazer jus à série e de nos mostrar os passos que foram sendo dados, as introduções feitas e os personagens criados de versão em versão.
É curioso jogar uma edição compilada dos primeiros 12 títulos de Street Fighter nas plataformas atuais, tendo em conta a diferença tecnológica que nos separa hoje do que era a realidade de há 31 anos. Mas o estúdio Backbone Entertainment, encarregue de reprogramar todos estes jogos para esta compilação, acabou por conseguir incorporar alguns elementos que nos aproximam da experiência. Podemos introduzir as célebres scanlines e filtros que mimetizam os televisores CRT e sentir nas nossas TV atuais uma experiência similar à vivida aquando de cada lançamento, nas máquinas de arcadas. O estúdio não se ficou pela mimetização da experiência de arcada, mas introduziu também alguns elementos modernos, como os save games quando jogamos a solo, ou a possibilidade de jogarmos e competirmos online com jogadores de todo o mundo.
O preço (49,99 euros nos grandes retalhistas em Portugal) também nos parece justo, especialmente depois do tremendo faux pas que a Capcom cometeu o ano passado com um título revivalista que lançou para a Nintendo Switch. Uma espécie de remake glorificado de Street Fighter II que custava 35 euros, e que enfureceu muitos fãs da série, que consideravam o preço elevado para uma versão de um jogo com quase 30 anos. Esta compilação é quase um pedido de desculpas a todos eles, com um preço que podemos considerar justo para uma antologia que inclui títulos desta qualidade.
Street Fighter não é apenas um dos fundamentos dos jogos de luta, mas é também o “pai” do que conhecemos hoje como eSports. A sua influência criativa, cultural, competitiva e mecânica ao longo destes 31 anos de existência transpôs os limites dos próprios videojogos, criando ícones pop reconhecidos em todo o mundo. Esta compilação celebra isso mesmo e é uma ode aos jogos de luta, aos títulos e à série que inventou quase todas as suas características, além do elenco vastíssimo que compõe os muitos jogos de Street Fighter, com muito conteúdo extra para ser explorado. Street Fighter 30th Anniversary Collection é verdadeiramente obrigatório para todos os fãs de fighting games, como para todos aqueles que ainda se lembram com alegria das inúmeras moedas de 20 e 50 escudos que gastaram nas máquinas, gritando entusiasmados “Hadoukens”, em uníssono, com a voz digital de Ryu.
Ricardo Correia, Rubber Chicken