Quando Mohammed Salah nasceu, faz esta sexta-feira 26 anos, o Egito não se qualificava para um Campeonato do Mundo de futebol havia dois anos. A última vez tinha sido em 1990 quando ficou no mesmo grupo que a Irlanda, a Inglaterra e a Holanda, marcou apenas um golo em todo o campeonato e ficou-se pela fase de grupos. Depois disso mais nada: foram quase três décadas de jejum a que o Egito ficou renegado longe do campeonato do mundo.

Foi preciso nascer Mo Salah e chegar ao quarto de século de idade para o destino egípcio tomar novo rumo: natural de Nagrig, Salah marcou os dois golos que garantiram a vitória frente ao Congo por 2-1. O último deles foi dramático: Mohammed Salah rematou à baliza adversária num pénalti conquistado no último minuto do jogo e garantiu a presença egípcia no Mundial 2018 depois de 28 anos. Esta sexta-feira, em dia de aniversário, o herói do Egito fica no banco no jogo de estreia frente ao apesar de estar praticamente recuperado de uma lesão provocada por Sergio Ramos na Liga dos Campeões.

O miúdo que apanhava cinco autocarros para jogar à bola

Créditos: Sebastien Feval/EuroFootball/Getty Images

Quando era miúdo, tudo parecia uma brincadeira para Mo Salah: ignorava os conselhos dos pais para se dedicar aos estudos e ter uma carreira tradicional e preferia andar aos chutos ou a ver televisão sempre que tinha oportunidade. A caminhada de Mohammed Salah só começou a tornar-se mais séria quando se inscreveu na escola do El Mokawloon: para lá chegar, o jovem Salah tinha de apanhar cinco autocarros.

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Foi um esforço que pareceu ser em vão quando Salah chegou aos 18 anos: depois da Tragédia de Port Said em fevereiro de 2012, em que 79 pessoas morreram e mais de mil ficaram feridas depois de milhares de pessoas terem invadido o campo no jogo Al-Masry- Al-Ahly (este último treinado por Manuel José), a Primeira Liga egípcia ficou ameaçada e o destino futebolístico de Salah parecia ficar selado naquele momento. Contudo, Mohammed Salah já estava na memória dos olheiros que tinham viajado da Suíça para o Egito e o viram dentro de campo: e em abril, Salah assinou um contrato de quatro anos com o Basileia.

Essa fase da vida de Mohammed Salah trouxe várias mudanças ao jogador, e não apenas profissionais: em 2012, o egípcio casou com Maggi numa grande cerimónia para onde foi convidada toda a vizinhança da terra dos noivos e onde cantaram famosos artistas egípcios como Hamada Hilal, Abd Albasit Hamouda e Sa’ad Al Shugayar.

Da união dos dois nasceu Makka, uma menina cujo nome homenageia a cidade sagrada egípcia e local da primeira revelação no Alcorão. É que Mo Salah e a mulher são muçulmanos devotos: Salah celebra mesmo as suas crenças religiosas em cada golo: sempre que marca faz o sujood, põe-se de joelhos em campo e baixa a testa até ao relvado. É um ato de fé, diz a crença muçulmana: “Um escravo fica mais perto do seu Senhor quando faz o sujood”, explicam os profetas.

O amadurecimento de Salah

Créditos: Richard Heathcote/Getty Images

Foi com a camisola suíça do Basileia que Mohammed Salah abriu as portas para se transferir para o Chelsea de José Mourinho: os dois jogos entre as equipas despertaram o interesse dos britânicos que em 2014 o foram buscar. Mohammed Salah prometia muito — tanto que o primeiro-ministro egípcio o dispensou do serviço militar obrigatório para continuar a dar cartas no estrangeiro –, mas brilhava pouco: “Foi no meu tempo que ele veio para o Chelsea, mas veio um menino. Fisicamente não preparado, mentalmente não preparado e social e culturalmente perdido. Foi tudo muito difícil para ele. Decidimos emprestá-lo: ele próprio pediu. Queria jogar mais, queria maturar, sair. Emprestámo-lo à Fiorentina, onde começou o processo de maturação”, explicou Mourinho.

Depois do Chelsea, Mohammed Salah seguiu para o Fiorentina ainda emprestado pelo Chelsea: “O Chelsea decidiu vender, ok? Quando dizem que fui eu que o vendi, é mentira. Fui eu que o comprei. Concordei com o empréstimo, achei que era necessário e que naquela altura o Chelsea tinha jogadores nas alas que ainda lá estão: o Willian, o Hazard… todo este tipo de jogadores já num nível diferente. E a decisão de emprestar foi tomada coletivamente, mas posteriormente a decisão de o vender não foi uma decisão minha. Mas, mesmo que fosse, no futebol equivocamo-nos tantas vezes e há jogadores que se desenvolvem de uma forma que não esperamos e outros que não se desenvolvem da maneira que esperávamos. Nem considero erros: considero ossos do ofício”, viu-se mais tarde obrigado a explicar o treinador português agora no Manchester United.

Mohammed Salah não era um “jogador já num nível diferente” no Chelsea e o amadurecimento que o Fiorentina lhe deu só se concretizou realmente mais tarde e ao serviço da Roma, quando se tornou no melhor jogador da temporada italiana e também no maior goleador, com 15 golos no currículo. Em 2016, a administração da Roma quis fazer um acordo permanente e ele acedeu.

A ascensão de uma estrela

Créditos: Alex Livesey/Getty Images

Mas foi sol de pouca dura. O Liverpool seduziu-o em 2017 e Mohammed Salah seguiu viagem: “Estou muito entusiasmado por estar aqui. Estou muito feliz. Estive no Egito e vim há dois dias. Cheguei a Liverpool e acabei de assinar o contrato, foi há uma hora. Eu gostaria de ganhar algo com o clube. Toda a gente sabe que o clube é muito grande. Temos que fazer algo pelos fãs e ganhar alguma coisa”, disse ele na primeira entrevista após ser oficializado no clube inglês. E acrescentou que já não era o miúdo imaturo que Mourinho recordou: “Tudo melhorou. Até a minha personalidade está diferente. Eu era criança, tinha 20 ou 21 anos. Agora sou quatro anos mais velho, tudo é diferente”.

Nunca o Liverpool tinha pago tanto por um jogador: Mohammed Salah obrigou o clube a desembolsar 50 milhões de libras, fazendo dele o primeiro futebolista egípcio ao serviço do Liverpool. Mas Salah valeu cada cêntimo: num dos primeiros jogos contra o Watford, marcou quatro golos na vitória por 5-0 do Liverpool. Foi a primeira goleada pelo Liverpool, que ajudou a que no final da época Salah fosse considerado o melhor marcador com 36 golos.

Créditos: Mike Hewitt/Getty Images

Mas nem tudo foi fácil em Liverpool. Aquele que podia ser o jogo grande da sua vida, a final da Liga dos Campeões com o Real, terminou mal. Saiu de campo em lágrimas depois de ter sido atirado ao chão por Sergio Ramos e feito uma lesão no ombro que podia ter comprometido a presença no Mundial 2018. “Quando caí no chão, senti uma mistura de dor física e muita preocupação. Além disso, raiva e tristeza por não poder continuar a jogar a final da Liga dos Campeões. Momentos depois, também pensei na possibilidade de não jogar no Campeonato do Mundo e esse foi um pensamento devastador”, desabafou mais tarde.

A incerteza permaneceu no ar até uma hora antes da estreia. Depois do selecionador egípcio ter dito que garantia “quase a 100%” que Mohammed Salah jogaria contra o Uruguai, a Federação Egípcia de Futebol já publicou o onze oficial e o avançado aniversariante não surge como titular no jogo às 13h. Isso não significa que Salah não vá sair do banco, até porque está a recuperar “muito, muito bem” e “muito rápido”: “Ele pode se tornar o melhor goleador daqui e um dos maiores jogadores”, antecipa Hector Cuper.