Enviado especial do Observador à Rússia (em Bakovka, Moscovo)

O Irão regressou esta quinta-feira ao trabalho após a derrota da véspera diante da Espanha. Uma derrota pela margem mínima, uma derrota que mereceu rasgados elogios da imprensa internacional (apesar de alguns reparos à virilidade em alguns lances), uma derrota que levou inclusive a que algumas personalidades presentes em Kazan, como Mehdi Mahdavikia ou o líder da FIFA, Gianni Infantino, dessem os parabéns ao conjunto orientado por Carlos Queiroz, o primeiro técnico português a vencer numa abertura do Mundial desde José Torres em 1986. Mas uma derrota que, apesar da excelente réplica, acabou por ser uma derrota. E isso acabou por notar-se na sessão desta tarde em Bakovka, que contou apenas com os suplentes da partida de ontem e se fez num ambiente menos efusivo do que, por exemplo, no seguimento do triunfo com Marrocos.

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Na zona reservada aos jornalistas da academia do Lokomotiv, o mesmo espaço que Éder e Manuel Fernandes frequentam de forma diária durante a temporada, o primeiro a surgir foi Oceano, que já tinha falado na antecâmara do jogo com a Espanha.

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“O ambiente ainda não é o ideal porque a equipa sentiu o facto de ter sofrido uma derrota que não merecia, mas saiu com a sensação de dever cumprido porque lutou até à exaustão. Agora é recuperar para o jogo de Portugal até porque ninguém tem muito tempo”, começou por admitir, antes de abordar a preparação que foi sendo feita desde a qualificação para o Mundial, há mais de um ano: “Começámos aí a mentalizar os jogadores de que era possível. Calhámos num grupo muito complicado, com duas equipas que têm a obrigação de passar e mais uma que é das melhores seleções africanas. Estamos a passar um bom momento, importante não só para os jogadores mas também para o futebol no Irão”.

O desalento dos jogadores do Irão, que estiveram várias vezes perto do empate com a Espanha (LUIS ACOSTA/AFP/Getty Images)

A bola virou depois para o jogo com Portugal mais especificamente, não só a nível de emoções por defrontar o país pelo qual foi internacional dezenas de vezes mas também sobre o atual momento que o conjunto comandado por Fernando Santos atravessa. “Este é um dos grupos mais complicados do Mundial, com uma grande surpresa que é o Irão porque ninguém esperava que fosse aparecer tão forte, ao ponto de depender de si na última jornada para passar. Portugal vai aparecer como no Europeu, a crescer de jogo para jogo, e também conhece bem a nossa equipa”, destacou Oceano, prosseguindo: “Dependência de Ronaldo? Quando se tem o melhor do mundo depende sempre, é normal que assim seja. Se nós também tivéssemos um Cristiano Ronaldo também iríamos estar dependentes dele, porque é mesmo assim. A atmosfera por defrontá-lo é igual à Espanha, que também tem os melhores. Neste caso, o Cristiano Ronaldo é o jogador que faz mais a diferença em Portugal”.

Quase a terminar, uma questão incontornável: como vê um antigo capitão e um símbolo que jogou anos e anos a fio no Sporting o momento que o clube atravessa? “Com tantas dores de cabeça para resolver aqui tenho o tempo todo focado nos nossos objetivos e estou apenas concentrado na seleção do Irão”, comentou de forma politicamente correta.

Depois, foram falando alguns jogadores, como Masoud Shojaei e Reza Ghoochannejhad (ou Gucci, para ser mais fácil), dois dos expoentes máximos e mais experientes desta geração que está a mudar o futebol no Irão. E também Amir, guarda-redes suplente de Beiranvand que atua no Campeonato Nacional ao serviço do Marítimo. Até que Carlos Queiroz, que por essa altura já tinha estado algum tempo no centro do relvado a preparar o treino, aproximou-se da zona reservada aos jornalistas para declarações que iam alternando entre o português e o inglês mas sempre com opiniões e abordagens diferentes do habitual.

“Antes de virmos para aqui, algumas personalidades não queriam nem deixavam que cá estivéssemos. Merecemos estar aqui e estamos por mérito próprio apenas. Aqui, ninguém dava nada por nós, ninguém acreditava no nosso sonho e chegámos à última jornada com possibilidade de discutir o apuramento. Não queremos prendas nem ofertas de ninguém, não contamos nunca com facilidades e só esperamos acabar o jogo e seremos melhor equipa e os jogadores serem melhores jogadores, mas nunca procuramos as coisas fáceis”, começou por referir o português, antes de recordar a derrota com Espanha.

Primeiro treino após jogo com a Espanha de Carlos Queiroz contou apenas com os não titulares (ALEXANDER NEMENOV/AFP/Getty Images)

“Qualquer equipa que acredita como nós no trabalho e perde um jogo assim tem de ficar mais magoada, mais sentida. A equipa ficou marcada com o resultado e merecia o empate. Mas não mudou nada. Volto a dizer aquilo que já disse: alguns não queriam sequer que cá estivéssemos nem nos davam o direito de sonhar mas cá estamos nós. Vale a pena sonhar. Tivemos um primeiro match point com a Espanha, vamos ter agora mais um match point com Portugal e é uma grande oportunidade para nós ainda estarmos vivos porque algumas equipas já não têm essa possibilidade”, reforçou, antes de falar da Seleção: “Como parar o Ronaldo? A forma era não estar no onze mas mesmo que soubesse não podia dizer… Temos de levar isto para um bom sentido, com humor. Vai ser interessante ver como o grupo mostrará capacidade de sacrifício para parar um jogador. Portugal libertou-se do estigma que tinha depois de ter ganho a final do Europeu sem Ronaldo e é uma equipa muito bem orientada pelo Fernando Santos. Temos de pensar que é sempre uma equipa e não um jogador, apesar de ser o mais perigoso e eficiente”.

Depois, Carlos Queiroz abriu o livro. E explicou a chave de tudo que voltou a não estar na sua mão, utilizando até uma expressão, numa resposta então em inglês, que ficou como soundbyte da intervenção antes do treino. “Os resultados de excelência são alcançados com uma preparação de excelência. A preparação é a chave do sucesso e as próprias regras novas da FIFA acabaram por criar um gap maior entre seleções como a nossa e uma Alemanha ou um Brasil. Com as poucas condições e o pouco tempo, estamos com uma fantástica atitude. Não viemos para ser os bombos da festa. Já quando estava no Manchester United houve um jogo onde nos criticaram porque defendemos numa linha de 30 metros… Era uma tontaria não jogar como jogámos contra eles e aquilo que disse aos jogadores foi ‘Deixem estar a brincar à vontade com a bola lá longe, a única coisa que não pode acontecer é o cão vir brincar com a bola no nosso jardim’. E foi isso que aconteceu”, atirou, antes de lançar outras ‘farpas’: “Já cheguei a uma idade em que posso dizer tudo e pergunto: porque é que quando a Espanha joga os árbitros têm de ser sempre sul-americanos? Já ontem os jogadores andavam sempre em cima, os amarelos foram para o nosso lado, o VAR também só quis trabalhar no nosso golo mas não fez o mesmo quando houve o pisão no nosso guarda-redes…”.

Por fim, uma última análise a um jogo que será decisivo para Portugal e Irão… e mais uma frase que ficará guardada: “Imagine o cenário que vai existir, um filme assim nem o Scorsese era capaz de escrever para mim. O futebol é um jogo, não se trata de patriotismo ou nacionalismo. Haverá um vencedor e o vermelho e o verde estarão sempre presentes, dos dois lados”.