Desde que Donald Trump pôs em prática a política de “tolerância zero” para com famílias de sul-americanos que tentam entrar ilegalmente nos Estados Unidos, o número de pessoas retidas em centros temporários à espera de serem repatriadas disparou. Uma investigação do The New York Times concluiu que muitos dos responsáveis destes centros — que nos últimos anos receberam apoios públicos de mais de mil milhões de dólares — têm fortes ligações a elementos da Administração Trump.
A secretária de Estado da Educação (o equivalente a uma ministra daquela área) financia um dos grupos que gerem estes centros de detenção temporária, ou abrigos, como também são designadas as instalações onde os migrantes são retidos — locais que, nas últimas semanas, estiveram sob particular escrutínio depois de ser tornado público que pelo menos dois mil menores tinham sido separados das suas famílias. O secretário de Estado da Defesa é outro dos responsáveis políticos do Governo norte-americano com estreitas ligações a estes grupos, uma vez que chegou a ter assento no conselho de administração de uma dessas instituições.
A gestão destes mais de 100 centros, refere o The New York Times, levou a que nos últimos anos tivessem sido feitas transferências de mais de mil milhões de dólares do Governo norte-americano para estes grupos (entre organizações sem fins lucrativos, empresas e confederações religiosas). A política de gestão de fronteiras é determinada por decisão do Governo dos EUA, naturalmente, mas a gestão dos centros de detenção e abrigos é entregue a organizações da sociedade civil, que ficam encarregues não apenas do alojamento mas também do transporte e da vigilância destes cidadãos estrangeiros.
O artigo publicado esta quarta-feira no The New York Times faz uma ressalva: não há qualquer dado que aponte para favores ou jogadas de influência políticas junto do Departamento de Serviços de Saúde e Humanos, a entidade pública que entrega a gestão dos centros às organizações da sociedade civil. Aliás, muitas destas entidades já estavam ligadas à gestão destes centros no tempo em que Barack Obama era presidente dos EUA.
No entanto, há um dado que também é relevado pelo jornal norte-americano: a política de “tolerância zero” imposta por Donald Trump fez subir os números de pessoas detidas temporariamente nestes centros. E esse número não vai diminuir com a mudança (forçada) de paradigma da Administração Trump, que recuou na decisão de manter separados das suas famílias pelo menos dois mil menores sul americanos (na sua maioria, crianças e jovens mexicanos), porque os menores que sejam apanhados a cruzar a fronteira sudoeste sozinhos vão ser encaminhados para estes mesmos centros.
A Bethany Christian Services, com ligações à responsável política pela área da Educação, disse ao The New York Times estar “profundamente abalada e preocupada” com a política de “tolerância zero” do Governo norte-americano e ao reforço do policiamento na fronteira com o México.
Acreditamos que todas as crianças devem estar com as suas famílias”, referiu o grupo que assegura a prestação de serviços sociais.
Donos de centros financiaram Trump
As ligações entre os donos deste negócio privado, sustentado com dinheiros públicos, e Donald Trump não se esgotam nas ligações a elementos do seu Governo. Há empresas que financiaram diretamente o atual presidente dos EUA.
São os casos da Geo Group e da CoreCivic, que gerem prisões privadas no país e, também, centros de detenção de famílias em situação ilegal no país. Cada uma delas doou 250 mil euros para o fundo de onde saíram as verbas que serviram para pagar as cerimónias (entre jantares, bailes e outros eventos) que decorreram no momento da tomada de posse do presidente, em janeiro de 2017.
Além disso, a Geo Group — que habitualmente transfere largas milhares de euros para Democratas e Republicanos, com predominância para os últimos — contratou um lobista que representou as empresas que gerem os campos de golfe de Donald Trump na Florida antes de este se ter tornado presidente dos EUA. O registo da empresa desse lobista, Brian Ballard, refere que o seu foco estava na área de “legislação sobre imigração”.
Em comunicado, a Geo Group diz que “cuidou exclusivamente de mães, juntamente com os seus filhos, desde 2014, quando [a detenção] foi consagrada pela administração Obama”.
A Bethany Christian Services também rejeita a ideia de oferecer algum apoio à política de separação de famílias de imigrantes.
Décadas de trabalho duro deram-nos o conhecimento necessário para apoiar crianças e famílias em crise”, referiu a entidade em comunicado.
“Estando extremamente agradecidos aos nossos doadores e apoiantes, a ideia de que um qualquer indivíduo ou uma organização poderia levar a que mudássemos as nossas práticas é simplesmente falsa e diminui o incrível trabalho de todas aquelas famílias fortemente focadas no bem-estar de crianças deslocadas”, acrescenta o documento citado pelo New York Times.