Um casal de atores decidiu trocar Lisboa pela Chanca, em Penela. Na pequena aldeia de 40 habitantes, criaram uma companhia profissional que se deixa moldar pelo vagar dos dias, por um tempo que não encontram na cidade.
Todos os dias, quando André Louro sai de casa para levar os dois filhos à escola, faz questão de ouvir na TSF as informações sobre “o trânsito infernal” de Lisboa, enquanto conduz, sem pressas e de sorriso feito. “Dá-me um gozo tremendo”, confessa.
Há cinco anos, André e a mulher, Catarina Santana, decidiram mudar-se para o interior do distrito de Coimbra, para a pequena aldeia da Chanca, com 40 habitantes, onde só havia uma criança antes de chegarem. Para além da igreja e do parque infantil à entrada da localidade, a aldeia pode hoje dizer que também tem uma companhia profissional, que se prepara para apresentar espetáculos no Brasil e em Macau.
“Foi uma decisão de vida familiar à procura de melhor qualidade de vida”, diz à agência Lusa Catarina Santana.
André Louro aponta para o vale que se vê do terraço da casa. “As pessoas da aldeia lidam diariamente com esta beleza. Isso influi na maneira de ser das pessoas”, responde. A vista “dá uma escala” e um horizonte aberto, que numa cidade é entrecortado por prédios, argumenta.
“O tempo aqui é outro. Aqui, tenho outro tipo de tempo, outro tipo de espaço, outra relação com a comunidade, menos anónima, mais saudável”, sublinha Catarina Santana.
Depois de se mudarem para a Chanca no final de 2013, formalizaram a Companhia da Chanca, em 2015, e decidiram estrear o primeiro espetáculo, “O Sítio”, no terraço da sua casa, onde estiveram 80 pessoas – o dobro da população da aldeia.
“Foi um movimento de convívio e uma forma de agradecer aos vizinhos. Depois de dois anos a recebermos batatas, couves, ovos e galinhas, a melhor coisa a partilhar seria o investimento do nosso tempo”, frisa a atriz.
Durante os quase cinco anos na Chanca, já lhes perguntaram, com estranheza, sobre o porquê de se terem mudado para uma aldeia pequena no interior do distrito de Coimbra, quando ali “não há nada”.
“Se estamos a falar de oferta de bares ou de centros comerciais, sim, não há nada. Mas há tudo o resto”, frisa André Louro, socorrendo-se de um exemplo: “Eu já não sei o que é estar na fila de supermercado. Aqueles 20 minutos ali à espera desapareceram, mas se calhar se for comprar pão fico 20 minutos à conversa”.
Para o casal, a vivência neste ambiente também foi moldando a própria companhia que assume o seu lugar no próprio nome.
Viver na Chanca “influencia o processo criativo”.
“Ao estarmos numa escala muito mais pequena, ao vermos o mundo em ponto pequeno, abre-nos espaço e tempo para compreendermos melhor o mundo no seu sentido global”, argumenta Catarina.
Os dois entendem a aldeia como um espaço “muitíssimo inspirador”, tendo na casa um pequeno estúdio e um anexo onde vão recebendo outros artistas que trabalham com eles, numa espécie de residências artísticas.
Apesar de alguma dificuldade em por vezes vender o espetáculo a algumas autarquias por serem uma companhia sediada numa aldeia, têm conseguido levar as suas produções a vários pontos do país. O segundo espetáculo, “O Nome”, já conta com mais de 80 sessões e têm apresentações agendadas para o Brasil, no FestLuso, em Teresina, no final de agosto, e em Macau, também num festival, em setembro.
Em 2019, estreiam o próximo espetáculo, que deverá ser apresentado em primeira mão aos seus vizinhos que os abraçaram logo à chegada, com direito até a uma ida à adega provar a “pomada” local.
Depois de anos em Lisboa, mas também no estrangeiro, é pela aldeia que pretendem continuar a viver e a criar peças de teatro inspiradas por um tempo diferente.