Nasceu no País Basco, na cidade de Ondarroa. Ser basco é, aliás, condição necessária e obrigatória para assinar pelo Athletic Bilbao, onde Kepa ingressou aos nove anos. Meia década mais tarde, conquistaria o seu primeiro título de campeão regional. De futebol? Nem por isso. O jovem guardião e o seu pai treinavam pintassilgos para cantar e levavam-nos a competições regionais. Resultado: dois títulos, em 2008 e 2010. Mais do que na modalidade em que se tornou profissional, onde conta apenas uma conquista, o campeonato da Europa de Sub-19, em 2012, numa equipa espanhola que contava com o benfiquista Grimaldo e o portista Óliver, treinada pelo atual técnico merengue, Julien Lopetegui.

Não é de estranhar que, no Athletic, ao se aperceberem da segunda paixão de Kepa, os seus companheiros rapidamente o tenham batizado: Pintassilgo. A ligação com o passatempo predileto do espanhol é óbvia, mas a razão da alcunha não se esgota no gosto pelos pássaros – a habilidade de Kepa em voar para rubricar grandes defesas também influenciou na escolha do nome. E na decisão dos responsáveis do Chelsea, particularmente do técnico Sarri, confesso apreciador das qualidades do guardião, que pagaram 80 milhões de euros ao clube basco de forma a levar para Londres o jovem espanhol, tornando-o no guardião mais caro da história do futebol, título que pertenceu a Alisson durante cerca de três semanas, após a transferência do brasileiro para o Liverpool por 72, 5 milhões de euros.

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Com 23 anos, Kepa olha para trás e vê mais de metade da sua vida passada em Bilbao. Foram 14 anos no clube basco, nem todos fáceis. Integrou os escalões de formação e foi rodar para o Baskonia, clube satélite do Athletic e espécie de equipa B, que lhe permitiu ter um primeiro contacto com o futebol sénior. Regressou a Bilbao, só para ser emprestado ao Ponferradina e ao Valladolid, perfazendo 60 encontros em duas épocas na Segunda Divisão espanhola.

Na divisão secundária, deu nas vistas. Mostrou reflexos, rubricou grandes defesas, por vezes, parecia ter asas. Até chegar à equipa principal do Bilbao, Kepa cumpriu um percurso semelhante ao dos pintassilgos que ensinava: aprendeu a voar mais alto do que os demais, afastou-se do ninho para melhorar e, ao regressar, substituiu as cantorias por grandes defesas e segurança, conquistando não competições regionais de canto, mas um lugar entre os postes do Athletic.

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Em 2016, tornou-se dono e senhor da baliza basca. Ernesto Valverde, atualmente no Barcelona, sentava-se no banco de suplentes e escolhia para número um o jovem Kepa, o Pintassilgo. Estreava-se contra o Deportivo da Corunha e recebia rasgados elogios do técnico espanhol, que afirmava ver “grandes reflexos, muita presença e confiança” no guardião.

As palavras de Valverde são, aliás, confirmadas por alguns dados impressionantes de Kepa. O guardião é quase imparável. Ou melhor, pára quase tudo: defendeu duas grandes penalidades em três que enfrentou e defendeu 64 remates dentro da área, na época passada – o terceiro melhor registo da liga espanhola. Para além disso, Kepa é bom com os pés, algo que agrada e muito a Sarri. O técnico que orientava o Nápoles é conhecido pelo seu bom futebol de pé para pé e, para tal, precisa de um ponto de partida seguro. Kepa representa o início da ideia de jogo de Sarri no Chelsea e já mostrou ter pés para os passes longos. Foram 368 acertados só na temporada passada, mais do que qualquer outro guarda-redes da liga espanhola. Para construir a partir de trás, será necessário maior capacidade no passe curto, mas é para isso que servem os treinos e Sarri terá certamente planos para o espanhol.

O guardião esteve perto de ingressar no Real em janeiro, mas Zidane recusou. Para Madrid deverá seguir Courtois, substituído por Kepa nos blues (Créditos: Getty Images)

Em janeiro, o Pintassilgo esteve quase a voar de Bilbao para Madrid. Na verdade, voou mesmo, até realizou exames médicos. O negócio estava fechado e rondaria os 25 milhões de euros, mas Zidane, técnico merengue na altura, recusou a transferência de Kepa. “Tem talento, mas não queria um guarda-redes a meio da temporada”, justificou o francês.

Quem agradeceu foi o Bilbao, que acabou por manter Kepa, com uma pequena alteração que justifica a quantia paga pelo Chelsea neste verão: o espanhol renovou contrato com os bascos e aumentou a cláusula de rescisão para… 80 milhões de euros. Os mesmos que os blues entregaram aos representantes do jogador esta quarta feira e que foram depositados nos cofres do Athletic, confirmando assim a rescisão do vínculo por parte de Kepa. Segundo a imprensa espanhola, a transação ocorreu às 9:22 locais, 8:22 portuguesas; menos de duas horas mais tarde, o clube basco confirmaria o abandono do guardião no seu Twitter oficial.

O internacional espanhol (uma partida particular frente à Costa Rica) até marcou presença nos eleitos de Hierro no Mundial da Rússia, mas nunca saiu do banco, pese embora os pedidos de alguns adeptos espanhóis, depois de um mau arranque de De Gea na baliza espanhola. Agora, irá ser adversário de De Gea, no campeonato inglês, substituindo Courtois, que deverá seguir para Madrid.

Aos 23 anos, aquele que foi descrito como “o guarda-redes do futuro”, sai pela primeira vez de Espanha para se tornar num valor do presente. A baliza do Chelsea precisará de um titular imediato e Kepa foi o escolhido. Se o futuro for promissor, com o espanhol a brilhar durante longos anos entre os postes de Stamford Bridge, 80 milhões de euros parecerão uma pechincha; se Kepa começar mal, serão a sua maior maldição. Para já, uma coisa é certa: o Pintassilgo, o guardião mais caro do mundo, tem mais títulos em campeonatos de canto de pássaros do que de futebol. Veremos que música tocará em Stamford Bridge.