A viúva do compositor José Afonso mostrou-se esta quarta-feira surpresa com a proposta de trasladação dos restos mortais do músico para o Panteão Nacional, tornada pública na terça-feira pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). Foi “uma surpresa e vamos decidir”, disse Zélia Afonso, em declarações à agência Lusa, sublinhando, contudo, que José Afonso pediu para ser sepultado em campa rasa.
“A única coisa que eu posso acrescentar é dizer que foi uma surpresa e que o Zeca pediu que fosse [sepultado] em campa rasa, em Setúbal, e eu estou determinada” a que assim permaneça, ressalvando, no entanto, que há mais pessoas na família. Sem querer tecer mais comentários sobre a proposta da SPA, Zélia Afonso disse não compreender a razão por que o organismo apresenta agora esta proposta.
Admitindo, porém, que qualquer pessoa pode fazer uma proposta, a viúva do músico sublinha que “cabe à família” qualquer decisão a esse respeito. “Não ofende ninguém, não perturba nada. A mim, por acaso perturba-me porque tenho de responder”, concluiu, alegando que a família irá tomar uma posição conjunta sobre a proposta da SPA.
Em comunicado divulgado na terça-feira, a SPA defendeu a trasladação dos restos mortais do criador de “Grândola, Vila Morena” para o Panteão Nacional, em Lisboa. “É este o tributo e é esta homenagem que Portugal deve a quem como mais ninguém o soube cantar em nome dos valores da liberdade, da democracia, da cultura e da cidadania”, lia-se no comunicado.
A SPA afirmou que José Afonso (1929-1987) é “uma das figuras mais marcantes da história da vida cultural e artística portuguesa”. A cooperativa de autores assumiu “publicamente o compromisso de lutar por este legítimo e inadiável ato de consagração que deverá coincidir com os 90 anos do nascimento [de José Afonso] e com os 45 anos do 25 de Abril”.
Sobre a proposta da SPA, Zélia Afonso afirmou: “Não sabemos por que razão nem qual o conceito subjacente”. A viúva sublinhou que a trasladação não pode ser efetuada “sem o aval da família” e, além dela, há ainda que ouvir a opinião dos filhos do músico. Em maio de 1983, o músico foi homenageado pelo município de Coimbra, tendo recebido a Medalha de Ouro da cidade. Na ocasião o então presidente da câmara, Mendes Silva, agradeceu a José Afonso a quem se dirigiu tendo afirmado: “Volta sempre, a casa é tua”. O compositor retorquiu: “Não quero converter-me numa instituição, embora me sinta muito comovido e grato pela homenagem”.
Também nesse ano, o então Presidente da República, António Ramalho Eanes, atribuiu a José Afonso a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusou-se a preencher o formulário. Em 1994, o Presidente da República, Mário Soares, tentou condecorar postumamente José Afonso com a Ordem da Liberdade, mas Zélia Afonso recusou, alegando que o músico não desejou a distinção em vida e também não seria condecorado após a sua morte.
A SPA reclama, em nome dos autores portugueses, a trasladação dos restos mortais de José Afonso, sepultados em campa rasa no Cemitério de N. S. da Piedade, em Setúbal. A SPA volta a recordar a obra do autor de “A Morte Saiu à Rua” e defende a sua “preservação”, “em articulação com os herdeiros de José Afonso”, “contra a negligência e incapacidade dos editores que a deixaram gravemente dispersa e abandonada”.
“Zeca Afonso é um símbolo que nunca poderá ser esquecido ou ignorado, embora nunca se tenha batido por atos de consagração e de reconhecimento. Devem ser hoje as novas gerações a aplaudir e a louvar a obra do homem que deixou uma marca perene e profunda na vida cultural e cívica de Portugal”, rematou a SPA.