Pelo menos dois terços dos alunos do secundário viram a sua média final ser prejudicada por não terem podido incluir nestas contas a nota de Educação Física. E este é o valor mais baixo encontrado, já que, dos três anos analisados, num deles quase 80% dos estudantes teriam tido melhor média de acesso ao Ensino Superior se a disciplina tivesse contado. Os números fazem parte de um estudo alargado que será apresentado brevemente pelo CNAPEF — Conselho Nacional das Associações de Professores e Profissionais de Educação Física, como contou ao Observador Avelino Azevedo.

“São números oficiais, neste momento ainda não posso avançar mais informação, mas é a primeira vez que temos números reais e conseguimos quantificar quantos alunos teriam visto a sua média melhorar ou piorar se tivessem contado com a nota desta disciplina”, explica o presidente do organismo que representa os cerca de oito mil professores de Educação Física.

Durante mais de uma década, de 1993 até 2004, a nota de Educação Física não contou nem para a média do secundário nem para o acesso ao Ensino Superior. Depois, entre 2004 e 2012, voltou a contar para tudo. Nessa altura várias queixas de pais — que nunca foram quantificadas — levaram o então ministro da Educação Nuno Crato a reverter a situação. De 2012 para a frente, a disciplina só contava para a média do secundário se o aluno fosse para Desporto.

Durante o último ano letivo, o Governo de António Costa foi dando vários sinais de que pretendia reverter esta medida de Nuno Crato. Acabou por ser o Parlamento, depois de várias audiências na Comissão de Educação, a fazer uma recomendação nesse sentido. As iniciativas do Bloco de Esquerda e do PCP foram aprovadas, com a abstenção do PSD e do CDS, e na bancada socialista houve três deputados que votaram contra.

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O argumento mais vezes apresentado pelos opositores da medida, até mesmo pela Confap — o organismo mais representativo das associações de pais — foi sempre a de que os alunos eram prejudicados nas suas médias de acesso ao Ensino Superior se a Educação Física contasse.

Foi esse o argumento usado pelo deputado independente Paulo Trigo Pereira, da bancada socialista, que na sua declaração de voto sublinhou que, se a votação fosse feita por pontos, votaria a favor de todos excepto do número 2 de ambas as propostas, “dada a sua relevância na revisão das condições de acesso ao Ensino Superior”. E pedia um debate mais aprofundado sobre o efeito que a medida poderia ter nos alunos que  se candidatam à universidade.

Já o Conselho de Escolas, órgão consultivo do Ministério da Educação, ofereceu ao Parlamento uma proposta alternativa, que não foi aceite, e que passava por serem os alunos a escolher se a nota contaria ou não para a média final.

Para uns sim, para outros não. “Devem ser os alunos a decidir se a Educação Física conta para entrar na universidade”

Com o estudo que será apresentado em breve pela CNAPEF, todas as teimas poderão ser tiradas. “Agora temos números concretos, reais. Há muito tempo que tentávamos ter estes dados oficiais para se poder chegar a uma conclusão. Agora, sabemos que pelo menos dois terços dos alunos foram prejudicados por não poderem contar com a média de Educação Física. Isto é muito diferente de se dizer que ‘muitos’ ou ‘alguns’ alunos não conseguiram entrar no curso que pretendiam porque a nota desta disciplina lhes baixou a média de acesso ao Ensino Superior”, argumenta Avelino Azevedo.

Para o estudo foram analisados os três anos em que a nota de Educação Física não contou para a média de acesso ao Ensino Superior, ou seja, os anos letivos de 2014/2015 a 2016/2017. “Temos de nos lembrar que, quando falamos da média, falamos da média trianual. O que é que isto quer dizer? Que se pega na nota que os alunos tiveram em cada um dos três anos do Ensino Secundário, 10.º, 11.º e 12.º, e, uma vez que a disciplina não tem exame, chega-se a uma classificação média”, explica Avelino Azevedo para explicar que a medida de Nuno Crato não afetou os alunos no imediato, mas apenas à medida que se iam candidatando ao Ensino Superior.

O mesmo se passará agora que a medida foi revertida pelo Governo. “Foi a reposição da justiça. Como vemos, a maioria dos alunos foi prejudicada. Mas a reversão da medida de Nuno Crato não terá efeitos imediatos. Só os estudantes que se candidatem ao Ensino Superior em 2020/2021 é que irão sentir esta medida”, sublinha o professor de Educação Física, que lembra ainda que esta decisão casa com o pretendido no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, o documento de referência para a organização de todo o sistema educativo e que respeita o caráter inclusivo e multifacetado da escola.

Os resultados não são surpreendentes para o presidente da CNAPEF, já que entre os professores de Educação Física há muito se intuía aquilo que o estudo vem agora demonstrar. No final de março, um estudo da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência já mostrava que, entre os alunos do 3.º ciclo do Ensino Básico, as notas mais altas eram as de Educação Física. O estudo inédito analisava cinco anos letivos e as melhores médias dos alunos do 7.º, 8.º e 9.º ano eram sempre naquela disciplina.

Ensino básico. As notas mais altas são as de Educação Física

Na altura, confrontado com estes dados, Avelino Azevedo dizia ao Observador: “Acredita que com estas médias, os alunos chegam ao Ensino Secundário e vão todos ser prejudicados, vão todos ter negativas?” A resposta chega agora e mostra que o desempenho dos estudantes a Educação Física mantém-se alto nos três anos que antecedem o ingresso ao Ensino Superior.