“A nossa proposta é a mais equilibrada.” Eduardo Lemos, presidente do Conselho de Escolas, não tem dúvidas. O melhor é serem os alunos a decidir se a nota de Educação Física deve ou não contar para o acesso ao Ensino Superior em vez de ser o governo ou os partidos políticos a tomarem essa decisão por eles.

Numa altura em que se discute se a nota de Educação Física deve ou não voltar a contar para a média, o líder do órgão consultivo do governo chuta para as mãos dos alunos essa decisão.

“O que nós dizemos é que a Educação Física deve contar para a média do ensino secundário como qualquer outra disciplina. Ponto. Mas quando se trata de acesso ao ensino superior, a nota de Educação Física não entra se o aluno não quiser. Mas se ele quiser, então já entra”, explica Eduardo Lemos ao Observador.

Desta forma, defende, não há alunos que saiam prejudicados. Quem tem boa nota conta com ela, quem tem má não estraga a média.

“Vamos deixar de ter os pais reclamar. Não irão reclamar aqueles que viam os filhos ficar de fora do curso que pretendiam por causa da nota de Educação Física e também não irão reclamar aqueles que não viam a média subir porque a nota ficava de fora”, argumenta o presidente do Conselho das Escolas.

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A posição do líder deste órgão consultivo do Ministério da Educação surge a propósito de dois projetos de resolução, um do Bloco de Esquerda e outro do PCP, que a Assembleia da República irá votar amanhã. Apesar de não ter havido compromisso formal, na terça-feira passada, durante a apreciação do tema na Comissão de Educação e Ciência, PS e CDS deram sinais de que deverão viabilizar os diplomas.

Foi também nesse momento que o Conselho de Escolas e as confederações de pais foram ouvidos pelos deputados da comissão.

A disciplina que ora conta, ora não conta

Eduardo Lemos recorda que o peso da Educação Física e a sua avaliação tem levado muitas voltas nos últimos anos.

“Durante muitos anos, de 1993 até 2004, a Educação Física não contou para nada: nem para média, para transição de ano ou acesso ao ensino superior. Depois, entre 2004 e 2012, voltou a contar para tudo. E nessa altura havia queixas de pais — conheci poucos, mas havia alguns alunos brilhantes e que tiveram dificuldade em aceder ao curso que queriam porque a Educação Física baixava-lhes a média. Com base em tantas queixas, em 2012, o ministro Nuno Crato reverteu a situação: passou-se de 8 para 80 e só contava para a média do secundário se o aluno fosse para Desporto”, explica Eduardo Lemos.

Agora, diz, estamos a assistir a um regresso a 2004, “uma revolução de 180º graus”, que não faz sentido já que há muito que o Conselho de Escolas defende que “as mudanças na educação devem ser lentas, pausadas e ponderadas, não devem ser mudanças revolucionárias”.

Amanhã, no Parlamento, as propostas do Bloco e do PCP deverão ser aprovadas. Na audição de terça-feira, apenas o PSD questionou a oportunidade da apresentação das iniciativas e, pela voz da deputada Nilza de Sena, lembrou que a Educação Física conta para a média dos alunos que vão fazer cursos do ensino superior na área e é para esses que deve contar.

Parecendo indicar um sentido de voto favorável, o deputado do PS Porfírio Silva referiu que estas iniciativas alargavam uma frente de trabalho onde o governo tem investido: a valorização da educação e cultura física como parte do desenvolvimento integral do aluno, algo que estava, conforme disse, realçado no Programa do Governo.

Há pais a favor e há pais contra

Embora em ambos os projetos de resolução, que serão hoje votados no Parlamento, se peça “a valorização da Educação Física”, há pontos em que as propostas do Bloco e do PCP divergem. Se os bloquistas pedem claramente que as notas da disciplina sejam tidas em conta “para o cálculo da média de conclusão do ensino secundário e de acesso ao ensino superior”, os comunistas pedem apenas que elas integrem “as médias globais do aluno”.

O assunto divide os pais e as suas confederações. Contactadas pelo Observador, a Confap — Confederação Nacional das Associações de Pais é claramente contra a ideia dos deputados, enquanto a CNIPE é 100% a favor. Também a proposta do Conselho de Escolas não reúne consenso: a Confap acredita que vale a pena debater os seus detalhes, a CNIPE (Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação ) não lhe reconhece qualquer mérito.

“Embora ainda não tenha refletido bem sobre o tema, é uma possibilidade. Todas as sugestões devem ser debatidas e pensadas. Até acrescento uma ideia: se o aluno não quiser que a Educação Física venha a contar para nota poderia oferecer uma alternativa: não quero esta, mas quero que conte a de Biologia, por exemplo”, defende Jorge Ascenção, presidente da Confap, embora argumente que o importante é debater o acesso ao ensino superior.

Posição vem diferente é defendida por Rui Martins, presidente da CNIPE. “Essa proposta do Conselho de Escolas de se optar não faz sentido nenhum. Nós entendemos que não há disciplinas de primeira e de segunda. Não há estudos que provem que a nota de Educação Física tenha beneficiado ou prejudicado alunos. Até acreditamos que possam haver alunos brilhantes sem jeito nenhum para Educação Física mas cabe aos professores e aos pais em conjunto ajudarem este aluno a superar as dificuldades.”

Num ponto todos concordam: a Educação Física é fundamental para o desenvolvimento do aluno e deve ser valorizada. Mas o momento devia ser aproveitado para outro tipo de debate em relação à Educação Física.

“Desde 2012 que se anda a menosprezar esta disciplina e se formos ver a questão da saúde dos nossos filhos, era fundamental apostar-se com seriedade nesta disciplina.E devíamos discutir outras coisas: deviam ser aumentados os tempos de Educação Física, que são curtos, devia-se falar em investir fortemente nas escolas e nos equipamentos, devíamos falar sobre o desporto escolar que está muito aquém do que é desejado”, sublinha Rui Martins.

Para Jorge Ascenção, o essencial era discutir o acesso ao ensino superior mas dentro desta área da Educação Física pensa que há outros temas mais importantes, como por exemplo pensar em começar a sua prática logo nos jardins-de-infância, aumentar a carga horária da disciplina e investir nos equipamentos das escolas. Mas isso é a ponta do icebergue.

“A nota é o que menos nos importa. Era importante discutir os programas da disciplina, discutir o ensino articulado do desporto — há jovens que têm atividade desportiva fora da escola e temos de pensar em como conciliar a vida académica com a desportiva. É preciso perceber a diferença entre Educação Física e desporto. Há tanta coisa… Como é feita a avaliação para que se possa distinguir as aptidões e talentos dos jovens. Quem tem jeito para o futebol pode não ter para a dança, mas há sempre alguma coisa em que se destacam e isso tem de ser traduzido na avaliação que é feita para ajudá-los a tomar opções”, refere o presidente da Confap.

Mas insiste, uma e outra vez, que o mais importante é repensar o acesso ao ensino superior. “O ensino secundário tem de ser certificante, tem de certificar o que são as minhas competências e o meu conhecimento — devo ter um relatório que me diz quais são as competências e um diploma que as certifica. E eu com esse documento candidato-me. Hoje, a universidade faz uma coisa muito simples. Diz: façam os vossos exames nacionais, o vosso secundário, e depois o que tiver melhor nota entra. E nem sempre o que tem melhor nota é o que tem melhor competência e melhor perfil.”