Papel-ecrã-papel. Papel-ecrã-papel. Uma rotina quase fabril, durante horas a fio, para não deixar escapar nada. Falta muito pouco para formalizar o nascimento do 23º partido político em Portugal e isso há-de ser motivo de celebração para quem, esta noite, está sentado à volta de uma mesa de reuniões. Para já, com o tempo a correr, não há festa. Há silêncio e concentração. Os olhos dos colaboradores não abandonam a coreografia já mecanizada: papel-ecrã-papel. São milhares de assinaturas e números de identificação para conferir e validar. Um trabalho minucioso que não pode ceder a qualquer distração.
Pedro Santana Lopes surge de um corredor lateral, vindo de uma outra sala onde mais duas pessoas ajudavam na contagem e validação de assinaturas. Acabou de regressar da SIC Notícias, onde tinha estado a comentar no habitual espaço semanal que partilha com Carlos César. Ainda usa o fato com que tinha aparecido no ar instantes antes. De fato, mas sem gravata – “foi um acordo que fiz com o Carlos César”, explica. Sorridente e visivelmente entusiasmado, antecipa uma noitada de trabalho. Apesar de não participar na verificação “da papelada”, quis estar presente no momento final da gestação do seu novo partido. Não apenas pelo simbolismo do momento, mas “também por uma questão de solidariedade”, resume.
Foi no seu escritório de advogados, na Rua Castilho, em Lisboa, que Santana Lopes assentou o quartel-general desde que deixou o PSD para criar o Aliança. E foi também aqui que o ex-autarca de Lisboa e da Figueira da Foz juntou o seu staff na véspera da entrega das assinaturas que vão formalizar a criação do novo partido junto do Tribunal Constitucional (TC). São cerca de dez colaboradores, estão munidos de computadores, papelada e bastante cafeína, para se certificarem de que as mais de 11 mil assinaturas recolhidas em pouco menos de um mês cumprem os requisitos legais para serem aceites pelos juízes do Palácio Ratton.
“Recebi contactos de várias pessoas do PSD, até de deputados”
A sensação, nesta fase, é “de esperança e de confiança”, assegura Santana Lopes ao Observador. Palavras que rimam com o nome do seu novo partido e que refletem o estado de espírito do ex-PSD. Desde a entrevista que deu à Visão a anunciar a sua saída do partido onde militou durante décadas, Santana garante que os incentivos e as mensagens de apoio não têm parado de chegar. “Desde o dia 28 de junho [data em que a entrevista foi publicada] que tenho tido pessoas a dizer-me que gostavam de integrar um partido que viesse eventualmente a criar”, revela. “Passaram-se apenas dois meses e meio”, nota ainda.
O frenesim tem sido constante e houve noites em que dormiu “duas horas ou menos”, para conseguir pôr em marcha o processo de criação do partido. O cansaço acumulado existe, mas não atrapalha. “Tive apenas cinco dias de descanso, em Espanha, neste verão”, conta. “E espero que, depois de entregar as assinaturas, possa tirar dois dias para mim”. É um desabafo, mas não há aqui qualquer sinal de desmotivação. O Aliança ainda nem sequer existe formalmente, mas o outrora enfant terrible do PSD conseguiu que entrasse já para a matemática que os partidos fazem nesta altura, quando começam a aquecer os motores de campanha. “Tem sido extraordinário”, diz Santana Lopes.
Sem nunca abrir totalmente o jogo, garante que à medida que o tempo foi passando, foi recebendo mais contactos. Santana não se surpreende, porque acredita que quanto mais se vai conhecendo o partido, maior pode ser a identificação. Mas faz também questão de sublinhar que, entre os novos sinais de aproximação, chegam muitos via PSD. “Recebi contactos de várias pessoas do PSD, até de deputados”, garante.
E se isso é bom para as ambições de Santana Lopes, também deixa o ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ligeiramente apreensivo: “não quero que isto se torne num PSD número dois”. Por agora, prefere concentrar-se no lado positivo, aquele que provavelmente mais precisa de trabalhar politicamente nos próximos tempos. “Acho que agora as pessoas entendem melhor a razão da minha saída e acredito que venham aí mais contactos”, afirma.
Nas últimas semanas, surgiram notícias que davam conta de que o ex-candidato à liderança dos sociais-democratas se tinha encontrado com Carlos Carreiras. Uma associação que ganhou outra importância depois de o presidente da Câmara de Cascais ter assinado um artigo de opinião no jornal I com críticas muito duras a Rui Rio. Santana Lopes confirma o encontro entre os dois, mas nega que se tenha tratado de uma reunião de aproximação. “Nem sequer se falou disso”, assegura. Já sobre os encontros com Rui Moreira — que circula no moinho dos rumores como uma eventual escolha para liderar a lista do partido às europeias — e sobre a possibilidade de o autarca do Porto poder vir a integrar o Aliança, a reação é mais enigmática: “é preciso dar tempo ao tempo; longos dias têm cem anos”.
Na noite desta terça-feira, numa sala próxima daquela onde decorria a conversa com o Observador, os colabordores de Santana Lopes já tinham validado mais de oito mil assinaturas. Em envelopes fechados já se podiam contabilizar cerca de 8.700, com a certeza de que o número ia continuar a crescer noite dentro. “Vamos passar das dez mil”, comentou a dada altura com um dos elementos do staff. “Isso de certeza! Acho que até já passámos”, respondeu. Virando-se para o lado e piscando o olho, o ex-primeiro-ministro confessava ao Observador que já sabia que “o número final vai passar as onze mil”.
Sem jota e com congressos eletivos. Assim será o Aliança
Além de servirem para recolher assinaturas, estes últimos dois meses e meio serviram para definir os estatutos do partido – que também serão entregues esta quarta-feira com as assinaturas – e para estabelecer a estrutura. A maioria dos detalhes estão fechados, mas nem todos.
Em primeiro lugar, haverá uma Direção Política Nacional, que será o órgão hierárquico mais elevado do partido. Depois teremos um Senado Nacional – aquilo que no PSD é o Conselho Nacional. E senado porquê? Porque defendemos um sistema bicameral para o país. Por último, teremos as estruturas distritais ou regionais”, explicou Santana Lopes ao Observador.
À partida mudam os nomes, mas os órgãos que compõem a estrutura geral são semelhantes aos que existem nos restantes partidos. No entanto, as maiores diferenças para os partidos em geral e para os de direita em particular faz-se pelas ausências. No Aliança não haverá “nem juventude partidária” nem “órgãos autónomos”.
A integração dos jovens no partido é algo que Santana Lopes valoriza, mas que quer dissociar do “carreirismo político”. A melhor forma que encontrou para dar relevância aos jovens militantes, recusando a criação de uma jota, foi a criação de um órgão que vai chamar-se “Academia Política”. Uma espécie de escola de quadros que não terá uma estrutura própria e que fará automaticamente parte do partido. Estará em estreita colaboração com os restantes órgãos, mas não terá chefias nem postos. Servirá apenas para “formar os jovens militantes”.
A decisão de abdicar de uma juventude partidária “não foi fácil”, confessa. Até porque recebeu “muitos contactos de pessoas que queriam saber se ia haver uma estrutura para jovens autónoma”. Mas Santana queria fazer diferente: “Ainda pensamos criar uma estrutura que fosse dos 14 apenas até aos 23, mas houve quem levantasse dúvidas de constitucionalidade e a ideia acabou por cair”, revela.
Se a dispensa de uma jota não foi consensual desde o primeiro momento, o mesmo não se pode dizer da recusa em ter estruturas autónomas no partido. “Não vai haver nem o equivalente aos Trabalhadores Sociais-Democratas, nem às Mulheres Sociais-Democratas”, desvendou ainda Santana Lopes. Farão todos parte do partido, mas os cargos de decisão e de autonomia serão os mesmos para todos os militantes. “Concordamos todos com esta decisão, foi fácil”, concluiu.
Uma outra diferença a nível orgânico para o PSD será o congresso. No Aliança a ideia é, para já, a de fazer congressos eletivos, em que as próprias estruturas escolhem os seus dirigentes. O primeiro congresso do Aliança deve realizar-se, segundo Santana Lopes, “em dezembro ou em janeiro”. A maratona entra na fase de sprint esta quarta-feira, no Palácio Ratton, por volta das 15h50. Depois de as assinaturas darem entrada no TC e após as devidas provas de boa saúde, o Aliança nascerá como o novo partido da política portuguesa.