A leitura da sentença do caso que feriu as relações diplomáticas entre Portugal e Angola chegou a estar marcada para dia 8 de outubro, mas o coletivo de juízes decidiu fazer correções pontuais à acusação e acabou por promover mais uma sessão para os arguidos se defenderem. É, pelo menos, o que vai fazer o magistrado Orlando Figueira, acusado de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente angolano, Manuel Vicente. O arguido aproveitou, em resposta ao tribunal, para pedir para voltar ser ouvido e chamar mais testemunhas.
O coletivo de juízes, presidido por Alfredo Costa, aceitou e até já marcou o dia 5 de novembro para o efeito. Mas recusou ouvir três das oito testemunhas escolhidas: uma delas é o juiz Carlos Alexandre, o amigo de longa data do magistrado que chegou a ir ao Campus de Justiça testemunhar no processo. Assim, serão ouvidas apenas cinco testemunhas indicadas por Figueira, o que obrigou a adiar a leitura da sentença, que só será marcada depois dessa sessão.
Foi no dia 8 de outubro, quando era suposto ouvir o acórdão do caso que senta no banco dos réus um magistrado, um advogado e um empresário que representa Manuel Vicente em Portugal, que o coletivo de juízes anunciou alterações não substanciais dos factos que constam na acusação. O coletivo decidiu fazer mudanças pontuais em datas que constavam erradamente na narrativa acusatória do Ministério Público, mas decidiu também aditar alguns pormenores, que parecem apontar no sentido de haver — tal como sustenta acusação — uma ligação entre a Sonangol e o Banco Privado Atlântico, ao contrário do que sustentam os arguidos.
Entre esses aditamentos, o coletivo de juízes acrescentou a informação de que a Sonangol, um ano antes de Manuel Vicente deixar o cargo de presidente do Conselho de Administração, subscreveu 50 mil obrigações do Banco Privado Atlântico (BPA) no valor de 50 milhões de dólares. Ainda em relação ao banco, que o Ministério Público acredita ter sido o meio usado por Manuel Vicente para corromper o magistrado Orlando Figueira em troca do arquivamento de processos, o tribunal quis acrescentar a informação da alteração da denominação social do BPA para Banco Atlântico Europa. Essa mudança foi feita já em 2017, depois do banco ter sido constituído arguido no processo (embora não tenha sido acusado).
De referir, também, que o tribunal aditou aos factos a carta que Orlando Figueira apresentou em tribunal, remetida pelo banco, já depois de o julgamento começar, a pedir para que amortizasse o crédito de 130 mil euros — dando força à sua tese que em causa não está o pagamento de luvas, mas de um verdadeiro crédito. Recorde-se que, ao longo do julgamento, o magistrado recusou sempre ter sido corrompido por Manuel Vicente, alegando ter sido sim contratado para trabalhar com o banqueiro Carlos Silva, dono do BPA — um contrato de trabalho pelo qual foi pago, mas que nunca chegou a concretizar.
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Na sessão em que o juiz Alfredo Costa anunciou as alterações, os advogados dos três arguidos conseguiram um prazo de dez dias para se pronunciarem sobre essas alterações. As respostas, a que o Observador teve acesso, chegaram ao tribunal entre 17 e 18 de outubro.
E foi a de Orlando Figueira a mais longa. Nela, a advogada Carla Marinho garante que o seu cliente só tomou conhecimento da alegada ligação da Sonangol ao BPA através dos documentos que constam no processo. E que a informação da subscrição de 50 mil obrigações por parte da empresa administrada por Manuel Vicente já estava no processo em fase inquérito e de instrução. Volta a apontar a agulha para aquele que considera ser o verdadeiro dono do BPA: Carlos Silva, através da empresa GlobalPactum.
Figueira pede ainda que, além da informação da carta do BPA a pedir que liquide o crédito, conste também o valor atual, que inclui juros, e outras notificações de que foi alvo para esse efeito. Sublinha que desconhece porque é que aquela notificação só chegou a 20 de março de 2018, a data a que efetivamente deixou de estar em prisão domiciliária. Lembra que os seus bens foram arrestados, que está numa situação “precária” e por isso não pagou o crédito — que o Ministério Público considera ser um pagamento de luvas.
O tribunal alterou também a qualificação dos crimes de corrupção e de branqueamento que tinham sido elencados pelo Ministério Público, permitindo, assim, enquadrar na lei os valores que Orlando Figueira recebeu da Primagest numa conta em Andorra. Em resposta, o magistrado, que se encontra suspenso de funções, lembra que declarou esse dinheiro às Finanças e que só não divulgou à data o nome da empresa Primagest — a empresa que o terá contratado — porque não sabia que esta tinha um número de identificação fiscal português.
Por isto, o arguido pede então para ser novamente ouvido em tribunal, por considerar que é necessário “produzir prova suplementar” e arrola oito testemunhas para serem ouvidas em tribunal. O juiz Alfredo Costa aceitou, mas recusou ouvir as testemunhas que já prestaram declarações no processo, como o juiz Carlos Alexandre, amigo de Figueira, ou Graça Proença de Carvalho, a filha do advogado Proença de Carvalho (que também testemunhou) que trabalha no BPA. A sessão será a 5 de novembro. De manhã fala Orlando Figueira, à tarde as testemunhas.
Já Rui Patrício, advogado do empresário Armindo Pires que representa os negócios de Manuel Vicente em Portugal, lembra na resposta ao tribunal que estas alterações em nada tocam no seu cliente. Até porque, na sua ótica, se provou que Pires é no processo “um arguido acidental”. E que o email em que ele contacta com o também arguido e advogado Paulo Blanco, para que o represente enquanto procurador de Manuel Vicente, não “oculta” ninguém nem prova qualquer acordo, como acusa o Ministério Público.