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Morreu Helena Ramos, o talento da RTP que escondeu durante anos a doença que a levou

Este artigo tem mais de 5 anos

Era uma das caras mais conhecidas da RTP e aos 64 anos reservava para si os contornos da doença que enfrentava há cinco, sem nunca deixar de trabalhar. Colegas e amigos recordam-na ao Observador.

A apresentadora Helena Ramos, 64 anos, uma das caras e vozes mais conhecidas da RTP, morreu vítima de cancro, uma doença que enfrentava há cinco anos e cujos pormenores só partilhava com os familiares mais próximas. Porque queria proteger os próprios pais desses sofrimento. A notícia foi avançada pela RTP Memória esta quinta-feira na sua página de Facebook e confirmada pelo Observador. Vários profissionais que com ela trabalharam recordam a força da sua imagem e da sua voz e o empenho com que chegou à televisão e se manteve ativa até aos últimos dias.

Helena Ramos nasceu a 28 de julho de 1954 em Vale de Cambra, embora tenha crescido em Sever de Vouga. Estudou num colégio interno. “Entrei no colégio para ser disciplinada, porque eu era uma rebelde”, disse numa entrevista. Em 1978, seis anos depois de vir para Lisboa, concorreu a um concurso na RTP e acabou por ser contratada como locutora de continuidade. A sua voz sempre se destacou. Acabaria por passar para a apresentação de programas e ao longo da sua carreira colecionou no currículo programas como Jogo de Damas (1993), Canal Aberto (1996), Boa Tarde (2000) ou Os Vencedores (2002).

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No programa da RTP “Vencedores”, em 2002

A sua cara ficou também associada a programas de Carnaval, Marchas Populares, o Natal dos Hospitais e, durante anos, o do Totoloto e o Toto-Sorteio. Foi uma das apresentadoras que foi para a RTP Memória logo na sua fundação, ficando com programas como Cartaz de Memórias, Há Conversa e Tributo. Foi aliás a RTP Memória que, esta quinta-feira, deu conta da sua morte.

Numa curta nota no site oficial da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa lamentou a morte da apresentadora. “Um sorriso que irradia simpatia, uma voz inconfundível, uma profissional da Comunicação”, caracterizou. “À família, com antiga amizade, o Presidente da República endereça sentidas condolências”, pode ler-se ainda na nota.

Aqui como entrevistada convidada do programa “Conversas com Arte”

Helena Ramos deu voz a vários documentários para a RTP e participou, também, como atriz em programas de Filipe La Féria na década de 90. A sua beleza foi sempre uma imagem de marca. Foi uma das seis apresentadoras do Festival da Canção 2006, fazendo par com Eládio Clímaco. “Era a irmã que eu nunca tive”, disse o apresentador à TSF, não contendo a emoção. “Uma profissional muito atenta, muito trabalhadora, as pesquisas que faziam eram fabulosas para que tudo saísse bem. Recordo-a com muita saudade e da melhor maneira”, disse.

Também o apresentador Herman José já se manifestou sobre a perda de Helena Ramos através da rede social. “A Helena Ramos enfrentou o seu cancro com coragem, sem alaridos nem sensacionalismos. Morreu com a mesma dignidade com que viveu. Tinha a minha idade. Em março passado esteve muito bem disposta no meu #caporcasa dedicado ao aniversário da @rtppt . É assim que a recordarei”, disse, referindo-se à doença que Helena Ramos enfrentou longe de muitos e publicando um vídeo com ela.

Ao Observador, Herman José confessou que Helena Ramos lhe confidenciou em 2014 que estava a lutar contra um cancro. “A sua maior preocupação era ocultar a doença dos pais, para que não sofressem. Esta preocupação é exemplo quanto baste para avaliar a bondade do seu caráter. Sofreu em silêncio, nunca deixou de trabalhar e recusou-se a fazer de vítima. De forma estoica encarou o seu destino. Tanta lucidez, serve de exemplo para todos aqueles que não se revêm na publicitação lamechas dos seus desaires. Vou ter muitas saudades dela”, disse.

No programa “Há conversa” em que entrevista o artista plástico, Cohen Fusé

Numa entrevista que deu há um ano ao portal Sapo, motivada por ter apresentado uma gala de beneficiência para ajudar doentes com cancro da mama, Helena Ramos nunca disse estar a enfrentar qualquer doença e revelou-se sempre muito positiva na forma de viver a viver a vida. Disse que, apesar da idade, não sabia ainda quando se iria reformar. Não quis, também, criticar o estado da apresentação televisiva em Portugal, mas também não o elogiou.

“Olhe, quer que lhe diga uma coisa? Nem vale a pena falar sobre esse assunto! Acho que não vale a pena… Eu tenho a minha opinião e ela não vai mudar em nada a filosofia das televisões. Tenho pena que não tenham uma política à semelhança das televisões estrangeiras. Mas, sinceramente, isso, a mim, já não me toca muito, percebe? Nunca me tocou. Eu não tenho o problema da imagem”, respondeu.

Quando tocaram no tema “cancro da mama”, disse com algum sentido de humor que, à data, não sofria de cancro da mama e que desconhecia que existissem casos na família, revelando até ter pouco cuidado num possível diagnóstico. Preferiu virar o discurso para o lema que defendia, o de “viver um dia de cada vez”.

“Gosto de olhar para os outros e de ajudar. Gosto de estar disponível para o que for preciso. A vida é muito curta e nós não sabemos quando é que vamos embora. Por isso, temos de viver momento a momento. Isso é que é importante!”, respondeu Helena Ramos numa entrevista em 2017.

Júlio Isidro recorda-a como a mulher que guardou a sua dor durante cinco anos

A reserva em relação à doença que estava a enfrentar faz com que o apresentador Júlio Isidro, que com ela trabalhou ao longo de vários anos na RTP e na RTP Memória, a recorde como uma “mulher do Norte” que “manteve em silêncio absoluto o seu sofrimento e a sua dor”.  Lembrando que Helena Ramos tinha “uma doença muito grave” que “conseguiu resguardar durante cinco anos do grande público”, Júlio Isidro diz ao Observador que a apresentadora era uma “das profissionais com maior solidez no que respeitava à língua portuguesa e aos valores portugueses”.

No entender do histórico apresentador da RTP, Helena Ramos teve “um currículo riquíssimo marcado por uma coisa muito importante: a cultura”. Para Júlio Isidro, “ela era uma pessoa extremamente culta, estimulada por ela própria para se enriquecer culturalmente”.

Mais um “Há conversa”, desta vez com Daniela Costa e Vera Guedes 

A Helena Ramos resultou de um grande concurso, um concurso sério, que foi feito na televisão e onde entraram locutores de continuidade e apresentadores, sublinha Isidro. O grupo onde ela entrou tinha nomes como, por exemplo Margarida Mercês de Melo, Teresa Cruz ou Manuela Moura Guedes.  “Fez muita continuidade, fez documentários, fez apresentações de festivais, fez programas no day time”, lembra o apresentador da RTP.

Recentemente, Helena Ramos apresentava, com Maria João Gama, uma rubrica semanal na RTP Memória intitulada “Tributo”. “Cruzámo-nos diariamente durante muitos anos”, lembra Júlio Isidro. “Fizemos alguns programas em conjunto. Fiz o aniversário da RTP Memória e ela esteve lá”, acrescenta.

Apesar de estar doente há cerca de cinco anos, só recentemente Helena Ramos deu sinais de algum problema, como lembra Júlio Isidro. “Quando eu pressenti que algo estava mesmo mal foi quando vi que só a Maria João Gama estava a fazer a rubrica”.

Helena Ramos como locutora de continuidade

Filipe La Féria fez de Helena Ramos uma atriz

O encenador Filipe La Féria, que garante ter feito dela uma atriz, realizou vários programas televisivos com Helena Ramos. Ao Observador, lembra-a como uma “mulher muito inteligente e esclarecida” que além de comunicadora “era uma atriz nata”.

“Eu fiz da Helena Ramos uma atriz”, diz Filipe La Féria ao Observador. “Representou várias vezes comigo em programas de televisão, tinha imenso jeito, era uma atriz nata”, afirma o encenador português. La Féria lembra particularmente o programa de celebração dos 40 anos da RTP, em que Helena Ramos “fazia uma imitação extraordinária da Edite Estrela, era igual, era muito engraçado”.

Também ele se mostrou surpreendido com a notícia da morte de Helena Ramos. “Não sabia que ela estava doente, é porque mantinha isso sob sigilo”, conta La Féria, recordando que esteve com Helena Ramos recentemente, no Teatro Politeama, onde a apresentadora esteve a assistir à peça “Eu saio na próxima e você”.

“Estava muito divertida. E muito bonita, era uma mulher muito bonita”, recorda La Féria.

Manuela Moura Guedes: “Éramos uma geração nova num tempo de mudança da RTP”

A jornalista Manuela Moura Guedes entrou no mundo da televisão juntamente com Helena Ramos, no mesmo concurso da RTP. As duas ficaram no grupo de 12 pessoas que passaram todas as eliminatórias e passaram a trabalhar na estação pública, lembra a jornalista ao Observador, também ela surpreendida pela notícia da morte.

“Foi talvez o último grande concurso público da RTP. Eram milhares de pessoas”, lembra Manuela Moura Guedes, que na altura frequentava o quinto ano do curso de Direito. “Ela era um pouco mais velha do que eu, mas pertencíamos à mesma geração”, explica a jornalista.

“Éramos todas, ou quase todas, universitárias ou pós-universitárias. Umas por iniciativa própria, outras empurradas, lá concorremos àquilo. Mandava-se o currículo e a formação académica e depois eles faziam uma primeira triagem, no antigo centro de formação, em Benfica. Lembro-me de que eram centenas de pessoas nessa primeira avaliação”, recorda Manuela Moura Guedes. “Foi a primeira vez que me lembro de ter estado em frente a uma câmara de televisão”, diz.

A jornalista só conheceu Helena Ramos quando as duas acabaram no grupo dos escolhidos. Manuela foi para a RTP2, Helena para a RTP1. “Éramos uma geração nova num tempo de mudança da RTP, em que houve uma divisão entre RTP1 e RTP2”, explica, recordando que o grupo que entrou na estação era composto por 10 raparigas e dois rapazes.

Os caminhos das duas acabariam por separar-se quando Manuela Moura Guedes pediu a transferência da apresentação para a informação. Do tempo de convivência na apresentação, a jornalista lembra uma mulher “muito espontânea com aquelas características do Norte, das pessoas que dizem aquilo que têm a dizer”.

“Era uma pessoa divertida, de coração aberto, franca, de amizades, leal. Sempre a tive com essas características”, conta Manuela Moura Guedes.

Ministra da Cultura lamenta morte de Helena Ramos

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, também já divulgou um comunicado a lamentar publicamente a morte de Helena Ramos. “A sua presença nos ecrãs e a sua voz representavam a proximidade ao espetador, própria de um serviço público. O seu percurso profissional acompanha parte da história da RTP, sendo também sinónimo da oferta diversificada da televisão pública”, afirmou Graça Fonseca.

“Numa carreira de quarenta anos permanentemente ligada aos canais públicos, apresentou diversos talk shows e emprestou o seu rosto a alguns dos seus mais emblemáticos programas, como as Marchas Populares ou o Natal dos Hospitais”, continua a nota do Ministério da Cultura.

“Mais recentemente, o seu trabalho destacou-se na programação da RTP Memória, tendo feito parte da comissão instaladora deste canal que procura preservar e dar a conhecer a história de décadas de dedicação ao serviço público de televisão, missão que a carreira de Helena Ramos tão bem representa. Emprestou também a sua voz a diversos documentários, tendo participado na seleção de muitos deles para a grelha da RTP 2”, continua a nota de Graça Fonseca.

A ministra afirma, assim, que “o público português, dentro e fora de Portugal, perde assim um rosto e uma voz familiares e uma presença no ecrã que simbolizava toda uma história dos canais públicos de televisão”.

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