Na minha primeira noite a morar em Inglaterra, levaram-me ao Bingo. Não percebi as regras e em menos de dez minutos já tinha feito figura de parvo. Herman José num lar da Santa Casa não conseguia pôr 150 octogenários com lágrimas nos olhos de tanto se rirem como aquele meu faux-pas pôs num pub de aldeia. Porque é que vos conto isto? Primeiro, para que se compreenda a minha inaptidão: toda a gente sabe as regras do bingo, toda a gente as compreende à primeira. Muitas pessoas compreendem as regras do bingo sem que estas lhes sejam explicadas. É assim tão simples. Temos uma lista de números (ou de ítens) e vamos confirmando se se sucedem ou não.

Em segundo lugar, porque a Web Summit é uma espécie de jogo de bingo. Se conseguirmos preencher todas as casas, e isso acontece em todas as edições, podem pôr-se em cima da mesa, tal como fiz naquela noite que passei num pub de aldeia — apesar de terem sido lidos apenas três números. Mas chega de falar dos meus hábitos de bebida.

Todos prontos? Siga para bingo:

Mensagens inspiracionais: Esta foi tão fácil quanto previsível. Ainda não tinham passado cinco minutos e já estavam a começar as massagens de ego tão protocolares quanto desnecessárias. Imaginem um poster motivacional narrado por Saint Paddy em pessoa, o milagreiro a quem um partido em particular faz oferendas generosas. “Há aqui pessoas especiais. Há aqui pessoas excecionais. Há aqui pessoas que vão mudar empresas, cidades e o futuro. Essas pessoas são vocês”. Seria mais honesto se dissesse que havia ali algumas pessoas que iam fazer isso tudo, mas que a maioria não passaria da cepa torta. E nada há de errado nisso. Assim parece só um anúncio da Benetton, só que ao vivo e para uma geração que já não percebe esta referência. Isso ou a inauguração de um lagar de azeite no Parque das Nações.

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Icebreakers parvos: Óbvia também e bastaram dez minutos. Paddy Cosgrave interrompe o seu discurso para pedir a toda a gente que se levante da cadeira e se vá apresentar a três pessoas diferentes. Não me deparava com este tipo de sugestões desde que fui ironicamente a uma missa da IURD. Ficam mais algumas algumas ideias para os próximos:

  • Vai procurar uma pessoa com quem nunca falaste para lhe dar um abraço;
  • Tira três selfies com alguém que nunca viste;
  • Oferece um calduço à próxima pessoa que ouvires a falar de blockchain;
  • Confunde dez millennials, dizendo-lhes que estás a desenvolver uma espécie de iPhone analógico, que só funciona ligado por um fio a uma parede;

Introduções desconfortáveis: Check! Talvez quando menos se esperava, mas onde calhou melhor. Tim Berners Lee a ser apresentado com uma espécie de atestado de desconhecimento, um vídeo em que entrevistavam vários jovens a responder à pergunta “quem inventou a Internet?” As respostas variaram entre Steve Jobs e a Siri. A mensagem parecia ser “o nosso convidado de honra não dispensa apresentações, de todo, porque ninguém o conhece.” Não me parece que seja a forma mais delicada de saudar uma das personalidades mais influentes da nossa era e a cabeça de cartaz desta espécie de festival, mas parece-me algo que aconteceria, vá, ali.

Tim Berners-Lee a falar com Laurie Segall, CNN, no palco principal da Web Summit

Alguém vai falar em hashtags: Mais outra surpresa vinda do homem mais desconhecido do mundo: entre tantos jovens que subiram ao palco, foi este senhor — Tim Berners Lee — o primeiro a gritar uma hashtag para o microfone (#FORTHEWEB). Felizmente, o senhor não padecia da grande maleita contemporânea, vocês sabem, quando a pessoa subitamente dispensa os anos de escolaridade obrigatória ou qualquer espécie e respeito por que o/a lê e passa a escrever #hashtagscomosefossemfrasesequemquiserqueleiaquemnãoquisertembomremédio. Façam um Live Aid para resolver isto. Pequeno aviso aos leitores menos jovens desta publicação: nunca cruzem os dedos de forma a imitar o símbolo enquanto dizem héshtégue. Acho que lhe podemos chamar um pecado cardinal.

Sotaques: Contra o que seria esperado e àquilo a que nos têm habituado, o primeiro convidado com um sotaque bem marcado não foi António Costa, nem mesmo o senhor Marcelo, mas o Ministro do Digital Francês. Bonito: eles vêm para cá roubar-nos os lugares nos Elétricos, comprar os nossos prédios devolutos, e agora até a nossa imagem de marca na Web Summit levam. Neste campeonato, o Guterres, tirando “some small sings” não nos deixou ficar mal e o próprio Primeiro Ministro demonstrou a todos os portugueses que gostavam de experimentar mas acham caro, como doze meses no British Council fazem toda a diferença.

Momentos #METOO: Não sei se foi distraído com o que se estava a passar em palco ou se este enorme Sir já tinha bebido uns copos de Sherry para enfrentar a audiência, mas quando a jornalista Laurie Segall, da CNN, lhe fez uma pergunta um pouco política, a resposta dele foi tentar agarrar-se a ela e levou um chega-para-lá, como no Urban ninguém leva.

(De resto, se me permitirem uma nota um pouco mais séria, todo o evento inaugural teve cuidado em pôr tantas mulheres quanto homens em palco; foi notado e deve ser louvado.)

Fuck Trump: não houve um momento Robert De Niro, o que deixa pena. Mas Darren (esperem só um segundo, vou copiar o nome dele ao Google que isto assim não vai lá) Aronofsky, deixa uma mensagem para os Americanos na audiência: não votem em pessoas que acreditam na tecnologia por trás do Twitter, mas não no resto da ciência. Sick burn, bro. Depois admiram-se que os democratas levam na pá.

Pessoas que acham que estamos aqui para ouvir conversas sérias: Infelizmente, cromos repetidos não dão bónus porque tanto Lisa Jackson como António Guterres mergulharam um bocado fundo de mais nos temas sobre os quais foram falar. Ao fim de sete minutos já toda a audiência estava a confirmar pela terceira vez quantos likes é que a foto do badge da Web Summit tinha conseguido. Poucos, obviamente. Já dizia o outro: send nudes.

Lisa Jackson, da Apple, chamou a atenção para as temáticas de educação e sustentabilidade da tecnologia

Alguém vai celebrar os dez anos: Claro. Não acabava sem isto. Mas foi mais discreto do que estávamos à espera. Pensando bem, é uma idade bonita. Se procurarmos um paralelismo com uma pessoa, é aquela fase da construção de uma personalidade que alterna entre o insuportável e o embaraçoso. Meteorologicamente falando, é céu muito nublado com algumas abertas.

Pontualidade Portuguesa: Se por um lado estávamos a contar que a inauguração atrasasse aquela meia hora — não atrasou — ou que pelo menos alguém tivesse de fazer um compasso de espera para comprar tempo para um dos políticos portugueses sair do Rato e se pôr no Parque das Nações, não tivemos, o que não deixa de ser surpreendente se pensarem que com três deles convidados, a probabilidade era imensa. Pelo menos, os restantes membros do ecossistema português não nos deixaram ficar mal: foram convidados para subir ao palco no momento de “premir do botão” e só houve uns dez que chegaram a tempo. E pensar que esta figurinha foi em tempos apresentada como o corta-fitas. Ao menos o cognome era divertido. Agora é o prime-botões. Sad.

Momento Marés Vivas: Às 20.03, António Costa sobe ao palco. Está de camisa e gravata, o que para os fãs deste Web Summit Bingo são boas notícias: já só falta mesmo a possibilidade de o primeiro-ministro e a sua entourage tirarem a gravata e dançarem em cima do palco, como no ano passado. Com um bocado de sorte, inspiram-se naquele amigo que só usa fatos uma vez por ano e acabam com a gravata atada à testa. Mas o discurso começa a dar sinais de que vai acabar e ainda a gravata continuava posta. Guardámos esperanças até ao último minuto, mas nada. Ainda sentimos que nos tinha sido dada uma segunda oportunidade quando Medina foi chamado ao palco, mas ele apareceu sem gravata e com um poster do Fernão de Magalhães nas mãos, o que foi só estranho. Tivemos a única segunda oportunidade de reviver aquela sensação de quando tínhamos uma aula de História no último período de sexta feira.

É meio agridoce ficar tão perto, mas tão longe, do Bingo. Agora já sei como se sentem todas aquelas startups portuguesas que tinham tudo para dar certo – até que calhou cocó.

*Francisco Peres escreve artigos a fazer pouco de anglicismos mas tem como títulos profissionais as palavras freelancer, copywriter e content strategist. Até à data de publicação deste artigo trabalhava com várias startups, mas suspeita que isso está prestes a mudar.