O juiz Ivo Rosa, responsável pela instrução do processo da Operação Marquês, recusou entregar ao Ministério Público os e-mails apreendidos a Paulo Lalanda de Castro, o ex-patrão de Sócrates que chegou a ser arguido no caso mas que não foi acusado. Essa troca de correspondência eletrónica serviria de prova num outro processo em que a empresa de Lalanda, a Octapharma, é investigada e que resultou na operação O-Negativo. Mas o magistrado considerou que este tipo de prova não pode passar de um processo para outro, porque os visados desses mails não são suspeitos ou arguidos e “por abusiva intromissão na vida privada”.
O processo que deu origem à operação O-Negativo resultou da investigação que levou à detenção do ex-primeiro-ministro, José Sócrates, na operação Marquês. O Ministério Público passou a pente fino os contratos celebrados pela Octapharma entre 1999 e 2005 (num total de 137 milhões de euros) para tentar perceber a relação da empresa com Sócrates — com quem tinha uma avença antes de ser detido. E acabaram por confrontar-se com alguns contratos suspeitos que justificaram a abertura de outro inquérito.
Essa investigação culminou, em finais de 2016, com a detenção do ex-presidente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, Luís Cunha Ribeiro, suspeito de ter montado um esquema com a farmacêutica de Lalanda de Castro que permitiu à Octapharma ter o monopólio do fornecimento de plasma ao Serviço Nacional de Saúde.
Segundo o Correio da Manhã, terá sido no âmbito desta investigação que o Ministério Público pediu ao juiz Ivo Rosa que lhe fornecesse os mails apreendidos no âmbito da Operação Marquês, quando se fizeram buscas na sede da Octapharma a 21 de janeiro de 2016. Nesses mails estaria correspondência trocada com Anabela Marques, Maria João Martins e Rui Galvão, que o Ministério Público considera serem importantes no processo que acabou denominado na comunicação social por “Máfia do Sangue”.
Lalanda e Castro. Quem é o homem por detrás do negócio do plasma?
Mas o juiz Ivo Rosa considerou que esses intervenientes nos mails não são arguidos, nem sequer suspeitos no processo. Logo essa informação violaria os seus direitos, liberdades e garantias. A decisão consta no despacho de abertura de instrução da Operação Marquês, a que o Observador teve acesso, e merece uma fundamentação de 14 páginas (o despacho tem um total de 40). O magistrado, conhecido no meio judicial por contrariar diversas vezes as pretensões do Ministério Público, explica que o “consentimento dos titulares de direito e não estando o aproveitamento extra processual do correio eletrónico previsto na lei como um meio de prova e considerando o direito à reserva da vida privada”, não pode este tipo de prova passar de um processo para outro.
Aliás, lembra, de acordo com a lei, ao contrário das escutas telefónicas, qualquer prova que não sirva para o processo em investigação deve ser restituída “a quem de direito”. Embora admita que essas provas se mantenham à guarda do tribunal “para acautelar eventuais interesses da investigação ou da defesa”. Mas apenas para o processo no qual foram recolhidas e não para outros.
O juiz refere ainda que, mesmo que fosse possível passar esta prova de um processo para o outro, ela tinha que obedecer a requisitos que estão bem expressos na lei. A saber: os visados no correio eletrónico teriam que ser suspeitos de um crime punível com mais de três anos, se não forem suspeitos tinham que saber que os mails que trocavam se destinavam a um fim ilícito, e que essa diligência se revele de grande interesse para a descoberta da verdade. O que não parece ser o caso, de acordo com o requerimento do MP na visão do juiz.