Menos eloquente, mas com a mesma postura que manteve ao longo do julgamento e que não convenceu os juízes. Foi assim que o magistrado Orlando Figueira abandonou a sala de audiências do Campus de Justiça, em Lisboa, depois de quatro horas de um acórdão avassalador. Condenado a uma pena de cadeia efetiva, proibido de exercer magistratura durante cinco anos e com os mais de 500 mil euros, que tinha nas contas, entregues ao Estado, Figueira continua a manter a versão de que foi vítima de um contrato de trabalho que não resultou. Que não recebeu dinheiro do ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente. E ameaça, mesmo, avançar com uma queixa-crime por denegação da justiça contra os juízes que não acreditaram nele.
Figueira já o tinha dito num dos dois intervalos da leitura, esta sexta-feira, e voltou a reiterá-lo já no fim, em declarações aos jornalistas. Ainda assim, disse que se o tribunal da Relação, para onde vai recorrer, mantivesse a decisão, que cumpriria a pena. Como um homem “honrado”, como sempre se descreveu longo do julgamento que feriu as relações diplomáticas entre Portugal e Angola.
O magistrado Orlando Figueira foi condenado a uma pena única efetiva de seis anos e oito meses de cadeia pelos crimes de corrupção passiva, branqueamento, falsificação de documento e violação do segredo de justiça e proibição de voltar à magistratura durante cinco anos. O advogado Paulo Blanco foi considerado corresponsável (embora por corrupção ativa) e condenado a uma pena suspensa única de quatro anos e quatro meses de prisão, sem necessidade de deixar o exercício da profissão.
“Os esclarecimentos não conformaram uma versão alternativa e verosímil”. “O tribunal não teve dúvidas na coautoria dos factos dos arguidos Orlando Figueira e Paulo Blanco”, concluiu o juiz presidente.
Já o representante de Manuel Vicente, em Portugal, foi absolvido de todos os crimes. O tribunal considerou que Armindo Pires “era alheio a todo este enquadramento”.
O coletivo de juízes, que está a julgar o caso que feriu as relações diplomáticas entre Portugal e Angola, considera que o magistrado Orlando Figueira arquivou os processos que tinha em mãos para favorecer Manuel Vicente, o ex-vice-presidente angolano. “Para o tribunal a sua tramitação escondia o verdadeiro objetivo que era favorecer o engenheiro Manuel Vicente”, disse o juiz presidente. Recorde-se que Vicente ainda foi arguido no processo, mas os factos em relação a ele foram entregues às autoridades angolanas para investigação.
O juiz presidente, Alfredo Costa, que leu uma súmula do acórdão ao longo de quase quatro horas, foi muito crítico em relação à defesa de Orlando Figueira, argumentando que não ficou convencido com a tese de que, por trás da sua saída da magistratura, estaria um contrato com uma empresa do banqueiro luso-angolano Carlos Silva. Durante o segundo intervalo da leitura, o arguido Orlando Figueira acabou por dizer aos jornalistas que admite avançar com uma queixa-crime por “denegação da justiça” contra os juízes caso seja condenado.
O tribunal declarou ainda perdido a favor do Estado mais de meio milhão de euros que estavam nas contas de Figueira. O magistrado deverá também perder todos os valores que tenha na sua posse e que perfaçam os 760 mil euros — o valor que o tribunal considerou provado ter recebido para arquivar os inquéritos em que Manuel Vicente era investigado em Portugal.
Versão dos arguidos não convenceu juízes
O juiz repetiu várias vezes, enquanto lia uma súmula de 535 páginas de decisão, que a “versão” dos arguidos não convenceu o tribunal, sublinhando o facto de Orlando Figueira ter mudado a tese que defendeu em inquérito e durante o julgamento. “Não deixa de ser sintomático que o Orlando Figueira sempre tentou encaixar os factos de forma a ser favorecido na interpretação a dar aos mesmos”, disse.
Ao longo do julgamento, Figueira alegou que abandonou a magistratura para ir trabalhar para Angola, depois de fazer um contrato com a empresa Primagest — que pertenceria ao banqueiro luso-angolano Carlos Silva. Negando sempre que tivesse sido Manuel Vicente a contratá-lo. “Não se vislumbra como atender à tese”, disse o juiz presidente.
Alfredo Costa referiu, também, várias vezes os 760 mil euros que Figueira recebeu nas contas — e que justificou serem resultado de um adiantamento de um ano de contrato de trabalho e de um crédito do BPAE que iria liquidar. Mas o coletivo continua sem entender porque é que o arguido conseguiu um crédito com condições excecionais e, não o tendo liquidado, nunca foi executado. Mais. Porque é que nunca falou na conta que tinha em Andorra e só o fez quando foi confrontado com essa informação.
Tanto Orlando Figueira, como o advogado Paulo Blanco, passaram o julgamento a virar as agulhas para o banqueiro Carlos Silva e para o advogado Proença de Carvalho, como responsáveis pelo alegado contrato assinado pelo magistrado que à data estava no Departamento Central de Investigação e Ação Penal. Ambos prestaram depoimento em tribunal e o coletivo considerou que os dois diziam a verdade: nada tinham a ver com o caso, nem sequer tinham motivações. No entanto, o juiz foi claro quanto a um pormenor que em julgamento foi recusado pelo próprio Carlos Silva: há uma ligação “inequívoca” entre Carlos Silva e Manuel Vicente. Já quanto ao advogado Proença de Carvalho, o juiz disse que “levantou algumas considerações, mas de facto apresentou um discurso com alguma lógica pela apreciação da prova”, o que mais uma vez contrariou a tese do magistrado arguido.
Manuel Vicente foi arguido, mas caso foi entregue a Angola
O caso começou a ser julgado no início do ano com quatro arguidos em tribunal. Os crimes relativos a Manuel Vicente, acusado de corrupção ativa, foram separados num outro processo que foi entretanto entregue às autoridades angolanas. Segundo o Ministério Público, Orlando Figueira tinha sido corrompido por Manuel Vicente para arquivar dois processos que tinha em mãos contra ele. Para o alegado crime teriam contribuído o advogado Paulo Blanco, que normalmente representava o Estado angolano, mas que acabou constituído advogado do governante, e Armindo Pires, um empresário português amigo de Manuel Vicente há mais de 30 anos e com poderes para representá-lo nos seus negócios em Portugal.
No final de seis meses de sessões de julgamento, o MP acabou a pedir envergonhadas penas de cadeia suspensas até cinco anos para o procurador e para o advogado e uma absolvição para o empresário.
A leitura do acórdão chegou a estar marcada para 8 de outubro, mas naquela sessão o coletivo de juízes anunciou que iria fazer algumas mudanças não substanciais à acusação, motivando a reação das defesas — que acabaram a arrolar mais testemunhas empurrando a decisão para esta sexta-feira.
Fizz. Como o caso explosivo que feriu as relações Portugal-Angola se esvaziou