Pela primeira vez na história da exploração oceânica, a humanidade conseguiu chegar ao fundo do Grande Buraco Azul, uma caverna subaquática a 70 quilómetros da costa da Cidade do Belize. A bordo do submarino que mergulhou 125 metros até ao fundo do buraco, no centro do atol Recife do Farol, estava o empresário Richard Branson e o realizador de cinema Fabien Cousteau, neto de Jacques Cousteau — o homem que até agora mais se tinha aventurado no Grande Buraco Azul. E descobriram “um dos maiores lembretes do perigo das alterações climáticas”.
300ft down the #BlueHole we could see where rock used to be land & turned into sea – one of the starkest reminders of the danger of climate change I’ve ever seen https://t.co/ZLr3rrysxt @oceanunite @virginvoyages pic.twitter.com/yYlsuo2WtO
— Richard Branson (@richardbranson) December 4, 2018
Nas respostas enviadas por e-mail ao Observador, Fabien Cousteau disse esperar que as tecnologias mais modernas — que ainda não estavam ao alcance do avô em 1971 — trouxessem “uma melhor compreensão do que é o Grande Buraco Azul e algumas respostas aos segredos que ainda guarda”. Até agora, sabíamos que esta caverna é “um sistema complexo de cavernas que em tempos se formou em terra firme”, explicou Richard Branson: “É a prova de como os níveis dos oceanos podem subir rapidamente e de forma catastrófica. Os níveis do mar já foram centenas de metros mais baixos. Há 10 mil anos, o nível do mar subiu cerca de 300 metros, quando muito gelo derreteu em todo o mundo”, concluiu.
Mas a viagem, que foi documentada pela Discovery Channel, trouxe mais respostas. Algumas delas alarmantes, sugerem os relatos de Richard Branson: “Infelizmente, vimos garrafas de plástico no fundo do buraco, que é um verdadeiro flagelo do oceano. Todos nós temos de nos livrar do plástico descartável”, alertou o empresário. Além disso, a equipa também viu “a mudança na rocha onde costumava ser terra seca e se transformou em mar”, explica o diário de bordo de Richard Branson. Isso estava de acordo com as previsões de Fabien Cousteau: “Suspeito que vamos encontrar sinais do impacto humano no fundo”, disse ele antes de mergulhar.
We know that the #BlueHole was once a dry cave because stalactites like this can only form on dry land. #DiscoveryLive pic.twitter.com/L5JGygQS7p
— Discovery (@Discovery) December 2, 2018
Além desses sinais das alterações climáticas, Richard Branson e Fabien Cousteau encontraram “uma parede gigantesca de estalactites gigantescas” e uma camada espessa de ácido sulfídrico com centenas de anos. Como esse composto químico é corrosivo e venenoso, nenhum dos exploradores esperava encontrar vida debaixo dela. Havia animais, só que já tinham sucumbido ao ambiente venenoso: “Foi extremamente estranho. Não esperávamos ver nenhuma criatura ali em baixo. Mas quando chegamos ao fundo vimos caranguejos, conchas e outras criaturas que caíram no buraco, chegaram ao fundo, ficaram sem oxigénio e morreram”.
Para explorar aquele gigantesco buraco com 318 metros de diâmetro — lá dentro cabiam dois aviões Boeing 724 e ainda sobrava espaço — usaram um Aquatica Stingray 500. É um submarino tripulado, controlado à distância, que permite recolher imagens e dados científicos que depois vão ser tratados por equipas de geólogos. Todas as informações recolhidas no fundo do Grande Buraco Azul vai servir para construir o primeiro modelo tridimensional do buraco. Mas não só: as análises aos sedimentos do Grande Buraco Azul e a uma camada de baixo oxigénio perto do fundo do mar sugerem que houve um período de seca extrema durante o século X. E isso pode ajudar a perceber, à luz da história, a queda do império maia.
Luís Menezes Pinheiro, professor da área de oceanografia e geologia marinha da Universidade de Aveiro, disse ao Observador como é que isso é possível: “Um outro aspcto muito interessante que lhe é peculiar é que se pensa que nas zonas mais profundas, a deficiência em oxigénio pode ter preservado artefactos arqueológicos de grande interesse, nomeadamente da civilização maia”.
Numa altura em que os avanços na exploração espacial têm colocado a humanidade de olhos pregados no regresso à Lua ou numa missão tripulada a Marte, Fabien Costeau recorda a importância de manter os pés na terra e olhar também para os oceanos: “O Grande Buraco Azul, tal como todo o oceano, pode dizer-nos mesmo muito sobre o nosso impacto. As formações geológicas dentro do buraco dão-nos uma boa ideia das alterações climáticas ao longo da história”. E acrescenta: “Explorámos menos de 5% dos nosso oceanos até agora. Por muito que adore a exploração espacial, acredito que é fundamental que compreendamos primeiro muito mais sobre o nosso sistema de suporte da vida porque a nossa viabilidade enquanto espécie depende de fazer melhores decisões”.
De resto, há uma coisa que une uma e outra áreas da exploração, diz o professor português: a ânsia da raça humana em compreender o seu lugar no Universo. “Os fundos oceânicos, mais próximos de nós, com toda a sua riqueza, albergam desafios e mistérios tão complexos como os do espaço exterior e é aí que residem provavelmente as respostas que nos permitirão conhecer melhor origem e os limites da vida na Terra. Penso que cada vez mais a humanidade está consciente da importância da investigação dos oceanos e ávida de saber mais”, explica.
Há bons motivos para investir na exploração dos oceanos, acredita Luís Pinheiro. Primeiro porque disso depende a vida na Terra: cerca de 50% do oxigénio que respiramos vem dos oceanos, que tem um papel fundamental na regulação do clima. E depois porque “os estudos têm permitido compreender melhor as possíveis origens da vida e identificar a enorme biodiversidade aí albergada, não só nesses fundos mas também na sub-superfície, sustentada pela quimiossíntese na ausência da luz solar, particularmente os ecossistemas extremos associados a sistemas hidrotermais e a zonas de emanações de metano”, explica ele, insistindo que hoje em dia se deve dizer “Oceano” e não “oceanos” dada a “total interconexão entre os vários oceanos”.
E isso tem importância à superfície porque investigar as profundezas dos oceanos implica também estudar algumas das áreas tectonicamente mais ativas do planeta, nomeadamente as dorsais oceânicas e as áreas de convergência de placas. Assim podemos conhecer melhor os fenómenos que geram alguns dos sismos e tsunamis mais destrutivos que têm afetado o nosso planeta. Além disso, “estes estudos têm ainda revelado um enorme manancial de recursos vivos, minerais e energéticos aí presentes, cuja exploração sustentável e responsável poderá vir a ser da maior importância para a humanidade”, conclui Luís Pinheiro.
De resto, deve haver mais novidades acerca desta investigação em breve: “Os estudos que penso que estão agora a ser realizados, com base em toda a informação adquirida, incluindo os registos de sonar para levantamento topográfico de detalhe, o registo detalhado de vídeo e outra informação adquirida durante o mergulho, que ainda não foram revelados, irão certamente trazer uma visão muito mais clara e fundamentada sobre a origem e evolução desta estrutura, assim como uma imagem muito mais detalhada da sua morfologia, e eventualmente novas ideias sobre a sua formação e evolução”, confirma o professor de Aveiro.