“Nesta parte final não estive tão apoiado. Nesta parte final, em determinados momentos em que houve uma maior influência do exterior, senti-me de certa forma mais sozinho”. A frase é de Rui Vitória e diz respeito ao “desgaste” que se foi acumulando nas últimas semanas em que o treinador português esteve no comando dos destinos do Benfica. O técnico, que assinou no início da semana pelos sauditas do Al Nassr, deu este sábado uma entrevista à TVI onde falou sobre a decisão de colocar o lugar à disposição, a relação com Luís Filipe Vieira e o futuro na Arábia Saudita.
Muitas vezes, em algumas conferências de imprensa, eu tinha de estar a responder ou estar a posicionar-me perante uma situação que não era aquela que efetivamente mais importava, que era a equipa. E isso provocou um desgaste enorme perante toda a gente: perante os sócios porque, de facto, o Rui Vitória estava a responder a determinados aspetos que na realidade poderiam ser evitados”, acrescentou o treinador, em referência aos processos judiciais em que o Benfica se viu envolvido nos últimos meses e que tantas vezes dominavam as perguntas feitas nas conferências de imprensa de antevisão ou de rescaldo dos jogos da equipa encarnada.
A palavra “desgaste”, diversas vezes repetida por Rui Vitória, serviu para explicar a falta de um “sentido de união” que escapou nos últimos meses e que terá ajudado à saída do treinador. “É fundamental que um clube desta grandeza sinta que o treinador é a cara do clube. É fundamental que um treinador de uma equipa destas seja, de certa forma, protegido. Quando muitos não querem, um homem sozinho não consegue”, acrescentou Vitória, que por meias palavras recomendou ao Benfica que proteja de forma mais eficaz o próximo treinador.
Sobre a saída propriamente dita, Rui Vitória recordou que durante dois anos “correu muita coisa bem”, em resposta ao resultados menos positivos da última temporada e meia, e garantiu que tentou, em conjunto com Luís Filipe Vieira, “levar o barco a bom porto”. “Em relação ao Benfica correu muita coisa bem, houve aspetos menos positivos, mas outros muitos positivos. Aquilo que fizemos a mim deixou-me um grande orgulho, também deixámos os benfiquistas orgulhosos. Tentámos levar este barco a bom porto, houve vontade das duas partes para continuar, mas na parte final havia um grande desgaste. Não era particularmente com ninguém, era generalizado. Já tinha falado anteriormente com o presidente e agora chegámos a esta decisão. Coloquei o lugar à disposição, tive a preocupação de deixar o presidente à vontade. Houve um entendimento de terminar o ciclo, seguirmos outros caminhos, tanto eu como o Benfica. Naquele momento entendemos que era a melhor solução e efetivamente acho que foi”, revelou o treinador, deixando assim claro que já tinha colocado o lugar à disposição há um mês, quando Vieira decidiu mantê-lo em funções, e voltou a fazê-lo depois da derrota em Portimão.
Questionado sobre as exibições pobres do Benfica — comentadas até por Luís Filipe Vieira que, há um mês, quando disse ter visto “uma luz” que o levou a segurar Rui Vitória, disse que a equipa jogava “lento, lento, lento” –, o treinador explicou que essa é uma “falsa questão”. Ainda assim, o técnico reconhece que “o benfiquista se habituou a ganhar” e que chegou a uma altura em que decidiu “não arrastar mais a situação”. “Saí magoado em determinados momentos porque tivemos momentos muito bons e agora não estava um ambiente nada agradável”, atirou o treinador entre um sorriso amarelo, depois de sublinhar novamente que compreende que “o futebol vive de emoções”.
Sobre um eventual regresso, Rui Vitória não deixa quaisquer tabus por revelar, já que admite “claramente voltar ao Benfica”. O treinador garante que mantém uma “relação ótima com Luís Filipe Vieira” e que a ligação “terminou como tinha de terminar”. Sobre Bruno Lage, atual treinador interino dos encarnados que leva duas vitórias consecutivas desde que Vitória saiu, tem pouco a dizer, já que não o conhece “em profundidade” e não viu os últimos dois encontros do Benfica. “Só espero que alguns erros que foram cometidos comigo não sejam cometidos com ele. Espero que haja proteção ao treinador, à equipa, aos jogadores. A equipa tem de estar sempre defendida. Houve uma série de circunstâncias em relação ao clube que talvez tenham feito clube desfocar-se”, ressalvou o técnico ex-V. Guimarães, novamente numa tentativa de deixar patente que o futebol propriamente dito não tem sido a principal preocupação do Benfica.
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O treinador falou ainda sobre o aparente silêncio que foi mantendo, mesmo quando era ferozmente criticado e assobiado pelos adeptos, e explicou que não é um “candeeiro de rua”. “Falo com as pessoas e digo o que tenho a dizer, imponho as minhas ideias internamente. Expliquei em privado, mas em público tive cuidado para que não fosse apanhado com algo que se pudesse virar contra os meus jogadores e a minha equipa”, acrescentou. Além de defender que o futebol português está a cultivar um “ódio” que “nos vai afastar dos outros, na Europa”, Rui Vitória revelou também que ainda não falou com Jorge Jesus, antigo rival em Portugal que será agora rival na Arábia Saudita, e mostrou-se com vontade de implementar as próprias ideias no Al Nassr, clube que o convenceu “pela persistência e pela insistência”.