“Medidas retroativas são como bombas que lançam estilhaços e não só para o setor da energia”, avisa o presidente da Endesa Portugal. Para Nuno Ribeiro da Silva, foram tomadas algumas medidas no setor da energia que levaram a um aumento de litigância por parte das empresas.
O gestor, ouvido esta quinta-feira na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas da eletricidade, apontou para um caso que descreveu como “paradigmático”. Em causa está a exigência da devolução de 140 milhões de euros por parte dos produtores renováveis com base numa portaria assinada em 2016 pelo anterior secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, a título de dupla subsidiação atribuída a estes operadores.
Segundo Nuno Ribeiro Silva, “ficou tudo embasbacado” porque estava em causa a devolução de apoios concedidos quase desde a entrada de Portugal na União Europeia e que foram acumulados com as tarifas garantidas acima de mercado pelos contratos destes produtores. Questionando o valor dos 140 milhões de euros, cujos estudos não foram conhecidos, e a legitimidade da iniciativa, Nuno Ribeiro da Silva considera que mesmo tivesse sido possível fazer essa cobrança, o dinheiro teria ido para Bruxelas. “O resultado é que não houve recuperação”, concluiu.
Houve uma análise da Inspeção-Geral de Finanças a apontar até para valores mais elevados, mas o dossiê estás nas mãos do secretário de Estado da Transição Energética, João Galamba, que terá pedido um parecer sobre o enquadramento jurídico desta medida à Procuradoria-Geral da República. Para o presidente da Endesa esta iniciativa ilustra algumas decisões que foram tomadas no quadro da anterior equipa governativa e que geraram litigância e instabilidade regulatória.
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O gestor da empresa, que fez questão de frisar que em Portugal não tem potência eólica, alertou também para os efeitos negativos da discussão de uma taxa sobre as energias renováveis, que foi proposta em 2017 pelo Bloco e que só entrou em vigor este ano, em moldes mais suaves. “Todo o debate que aconteceu em relação à CESE (contribuição extraordinária sobre a energia) foi muito nocivo para a estabilização de investimento” e foi contra as renováveis e contra a descarbonização energética, afirmou,
Ribeiro da Silva questionou ainda a transição de quadros do Governo para o regulador, ERSE e Direção-Geral de Energia considerando que estes movimentos não são desejáveis.
O presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, defendeu, no parlamento, que a empresa não tem rendas excessivas, vincando que o único valor em excesso são os 20 milhões anuais que pagam ao Estado.
“Queria deixar claro que na Endesa, em todo o tipo de atividades, não temos uma renda sequer, muito menos excessiva […]. A única coisa de rendas excessivas é o que pagamos ao Estado”, disse Nuno Ribeiro da Silva, em resposta à deputada socialista Ana Passos.
Para o responsável da energética, as “única rendas excessivas” que a empresa tem são os 20 milhões anuais que tem que pagar ao Estado, distribuídos pela Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), tarifa social, mecanismo de equivalência de preços entre Portugal e Espanha – ‘clawback’ e a contribuição extraordinária sobre o CO2. “Isto, para nós, é que representa um sucessivo acumular de custos de cerca de 20 milhões de euros”, reiterou.
Por sua vez, relativamente às questões ambientais e à possibilidade do Governo encerrar, em 2021, a central a carvão o Pego, no distrito de Santarém, o presidente da Endesa garantiu que a empresa está a “analisar” a questão, garantindo que irá acatar a decisão do executivo. Ainda assim, sublinhou, que “em 28 anos de concessão a central do Pego funcionou, em pleno, três quartos do tempo”. O gestor assinalou ainda questões de segurança de abastecimento num contexto de seca como o que foi vivido muito recentemente em Portugal. Ribeiro da Silva admitiu ainda que com o fim do CAE (contrato de aquisição de energia) em 2021, o funcionamento futuro da central poderá implicar alguma compensação para o sistema, uma vez que o investimento na central está todo amortizado.
“É uma questão que estamos a analisar com o nosso sócio. O grupo, em Espanha, está confrontado com situação idêntica […]. Se o Governo decidir pelo encerramento em 2021, assim será”, acrescentou. Nuno Ribeiro da Silva notou ainda que a empresa está a “imaginar todos os cenários”, sobretudo devido à central ser “uma unidade relevante” em Abrantes. “Estamos a estudar [formas de] aproveitar espaço ou a unidade para alguma geração renovável. Tem-se falado no uso de biomassa florestal, [mas] é complexo”, concluiu.
Desistir da barragem de Girabolhos saiu caro à Endesa
O presidente da Endesa Portugal foi também questionado sobre o destino da barragem de Girabolhos, que foi adjudicada à empresa, e que acabou por ser suspensa pelo atual Governo. O gestor lamentou este desfecho que saiu muito caro à Endesa. Para além dos 60 milhões de euros já aplicados de um investimento total de 500 milhões de euros, a empresa ficou sem os 35 milhões de euros pagos a título de licença quando ganhou esta barragem no concurso lançado pelo Governo de Sócrates. Nuno Ribeiro da Silva considerou que a região de Viseu ficou a perder e lembrou os problemas de abastecimento de água que a cidade viveu na última seca. Mas sublinhou que a elétrica espanhola preferiu limitar os prejuízos e deixar cair o projeto.
Antes, na intervenção inicial, o gestor disse que Endesa tem como objetivos em Portugal seguir as indicações de Bruxelas quanto à descarbonização, a integração de redes inteligentes e ter um maior foco nos clientes.
Os objetivos para Portugal são manter o foco “na descarbonização, em redes mais inteligentes, na relação com o cliente, e na eficiência e diminuição de custos”, afirmou.
Sobre os desafios da descarbonização, o presidente da Endesa Portugal sublinhou ainda que hoje que o tema se discute muito nas empresas e a nível político. Quer-se acabar com o carvão e há o debate sobre o fim do nuclear, mas ainda não termos condições de armazenamento em grande escala de produção renovável fora das barragens.
A questão que se coloca é como fazemos a transição energética. O ciclo combinado — a gás natural — é “visto como a bengala que pode, com dano menor, acompanhar o processo de reforço das renováveis”, defendeu. E também por isso, é importante a existência da garantia de potência. Mas também há muitas centrais a gás com uma utilização inferior a 20%. Somos convidados a dizer que na família dos combustíveis são os menos agressivos e precisamos de tecnologias que garantam a segurança e capacidade de resposta quando necessário.