É a primeira vez que Rui Pinto dá a cara e fala em público — e sem meias palavras. Numa entrevista concedida à revista alemã Der Spiegel e a outros órgão de comunicação social que fazem parte de um consórcio de jornalistas (EIC — European Investigative Collaborations) que tem investigado a documentação divulgada pelo site (Football Leaks) criado por Pinto, o alegado hacker assume-se como denunciante, nega que seja um pirata informático, ataca as autoridades portuguesas, confessa-se fã de Ronaldo e do FC Porto e faz uma revelação: “O meu pai estava sempre a dizer-me quando via jogos do campeonato português: não sejas tão fanático porque um dia o futebol vai dar cabo da tua vida’”, afirmou numa entrevista publicada no Expresso — o jornal português que faz parte do EIC.

Assumindo-se como “John”, o autor do site Football Leaks que forneceu à Der Spiegel cerca de 70 milhões de documentos, entre os quais contratos que indiciam fraude fiscal e branqueamento de capitais em centenas de transferências e contratos de jogadores — além da documentação que permitu à Der Spiegel investigar o caso de alegada violação de Karhtyn Mayorga por parte de Cristiano Ronaldo –, Rui Pinto não poupa nas palavras para atacar a Polícia Judiciária (PJ) e as autoridades portuguesas que solicitaram à Hungria a sua extradição para Portugal ao abrigo de um mandado de detenção europeu. A PJ suspeita que Rui Pinto é o autor de intrusão informática nos servidores do Benfica e que está na origem da divulgação de emails e outros documentos internos no site “Mercado Benfica”.

“Conheço a propaganda que está a ser divulgada em Portugal. Estão a tentar passar-me por criminoso, por pirata informático mas podem dizer o que quiserem. Eu não posso revelar o que está no meu computador mas uma coisa posso dizer: as autoridades europeias deveriam vê-lo. Mas as autoridades portuguesas não. As autoridades portuguesas não querem investigar os crimes, apenas querem usar o material que encontrei contra mim. Essa é a diferença”, diz.“Portugal apenas quer silenciar-me e omitir aquilo que está no meu computador portátil. Têm medo”, conclui Rui Pinto.

O homem que ajudou a Der Spiegel a investigar as acusações de Karhtyn Mayorga contra Cristiano Ronaldo diz que é “um grande fã de Cristiano Ronaldo. É o meu jogador preferido e acho que é o jogador mais completo da história do futebol. Sou também adepto do FC Porto mas isso nunca me impediu de partilhar e publicar informação relevante. Não tenho qualquer agenda escondia. Isso mostra que sou transparente e não poderia continuar com isto para sempre”, assegura.

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O ataque à PLMJ e a acusação de sabotagem feita a Portugal

No vídeo que resume a entrevista, o nome do Benfica não é falado uma única vez mas o alegado hacker faz questão de referir o ataque informático de que foi alvo o escritório de advogado PLMJ. “De repente, no fim de dezembro, foi divulgada informação confidencial da maior sociedade de advogados de Portugal, a PLMJ, e a polícia acha que eu estive envolvido nisso. Portanto, aquilo que era uma simples ordem de investigação europeia, tornou-se um mandado de detenção europeu contra mim. Foi chocante”.

“Só por causa disso [o ataque à PLMJ], que eles [autoridades portuguesas] pensam que fui eu que fiz, criaram toda esta confusão internacional. Porque eu estava a colaborar com as autoridades francesas, estava a começar a colaborar com as autoridades suíças e ia também, provavelmente, começar novas colaborações na Europa para investigações mais profundas e Portugal sabotou tudo. Sabotou por medo de que eu saiba demasiado e de que partilhe estes dados — que eles acham que eu tenho — com jornalistas ou outros países”, diz.

“Eu não sou um pirata informático, isso é claro. Sou um denunciante (whistleblower)”, afirma Rui Pinto,

Seguindo uma estratégia da sua defesa, que já tinha ficado claro na entrevista que o seu advogado tinha concedido ao Expresso no dia 26 de janeiro, Rui Pinto diz-se vítima das autoridades portuguesas, pois o seu papel não é de criminoso mas sim de denunciante — que em inglês se traduz para whistleblower. É esse o estatuto que Rui Pinto assume, visto que em alguns países europeus os denunciantes podem negociar com as autoridades a entrega de provas em troca de uma espécie de amnistia pelos eventuais crimes que tenham praticado. Esse é um dos argumentos que Rui Pinto está a apresentar na justiça húngara para impedir a extradição para Portugal.

O primeiro ataque à Doyen

Rui Pinto está a ser investigado pela PJ num inquérito que nasceu de uma queixa da Doyen — um fundo de investimento que faz negócios com o FC Porto, Sporting e diversos clubes internacionais. Nélio Lucas, chief executive officer da Doyen, apresentou queixa na PJ por extorsão depois de um hacker que se apresentava como sendo de nacionalidade búlgara o ter informado por email que devolveria documentação confidencial do fundo de investimento e não a publicaria em troca do pagamento de 1 milhão de euros.

“Fui ingénuo. Fiz coisas estúpidas, decidi jogar com eles. Contactei com o Nélio Lucas e, basicamente, disse-lhe que tinha alguns documentos sobre a Doyen. Queria ver a reação deles, queria saber quão valiosos eram estes documentos para eles. Queria saber até onde iriam”, afirmou Rui Pinto na entrevista publicada no Expresso. Pinto nega que tenha ganho dinheiro. “Sei que os media têm dito que houve tentativas de extorsão, isso é mentira”, afirmou.

Sobre acusações antigas de que terá também pirateado um banco das Ilhas Caimão, um paraíso fiscal que é conhecido por ter sucursais das principais instituições financeiras internacionais, Rui Pinto classifica a questão como “uma disputa”. “É verdade que tive uma disputa com um banco das ilhas Caimão, mas no fim não fui acusado, não fui processado nem condenado. Nada”, diz.

Em resumo, Rui Pinto diz que fez o seu “dever e hoje em dia a maior parte das pessoas finalmente percebeu o que está a acontecer no futebol. Agora é o trabalho das autoridades. Não é o meu”