Quando Mikaela Shiffrin calçou pela primeira vez um esqui, pequenino e de plástico, estaria longe de imaginar a aventura em que se estava a meter. Tinha apenas 2 anos. Os pais, Jeff e Eileen, que foram esquiadores de competição antes de se virarem para a medicina, suspiravam de alívio ao verem que a pequena Mikaela podia seguir as suas pegadas. Não seguiu. Ou melhor, foi mais longe do que eles, arrasando todas as marcas que os progenitores ou qualquer outro atleta alguma vez deixaram no desporto.

Avancemos no tempo, dando um salto até esta terça-feira: uma Mikaela Shiffrin de, agora, 23 anos, desce a colina a toda a velocidade. Lá em baixo está o título de campeã do mundo na categoria de Super-G, uma das disciplinas de velocidade de esqui alpino. A americana voltou a ser mais rápida do que a concorrência e sagrou-se a melhor do mundo. Mais uma vez. Foi a 13ª vitória consecutiva em circuito mundial, a sua melhor marca de sempre. Para trás ficou Lindsey Vonn, considerada por muitos a melhor de sempre neste desporto e que cumpre os últimos passos de uma carreira marcante, que caiu durante a sua prova; Shiffrin aproveitou para escrever mais um capítulo de uma história que é já incrivelmente longa.

“Mika”, como é conhecida pelos amigos e família, começou pouco depois de ter experimentado o então esqui pequeno de plástico. Os pais foram-lhe ensinando tudo o que sabiam e tornaram-se uma “espécie” de treinadores. A mãe, melhor amiga e pessoa mais próxima de Mikaela segundo a atleta, foi preponderante: desde os treinos com vassouras à presença na equipa técnica em mundiais, Shiffrin ganhava uma força extra com a presença materna: “Acho que nunca houve uma mãe a andar por aqui em Campeonatos do Mundo. Isso é pouco convencional e apanha as pessoas de surpresa. Mas eu apenas penso ‘Sim, fica aí surpreendido no teu canto, enquanto eu ganho esta corrida!'”.  

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O certo é que a filosofia foi resultando. E mesmo quando Mikaela arranjou outros treinadores que não os pais, a partir de 2003, a ética de trabalho foi-se mantendo a mesma, aquela que os progenitores lhe tinham passado: treino, treino, treino e mais treino. Na escola, trabalhava mais horas que os outros, num total de cinco por dia. Sempre que tinha convites para correr em competição, até contra escalões superiores, dado o seu potencial, recusava – dizia, juntamente com os pais, que para defrontar atletas cinco anos mais velhas tinha de treinar o mesmo que cinco anos. Só começou a correr quando a dose sobrenatural de treino pareceu suficiente. E era mesmo, como o tempo viria a confirmar.

Começou em corridas profissionais aos 15 anos, a idade mínima. Nesse mesmo ano venceu o Campeonato Nacional dos Estados Unidos na disciplina de slalom, tornando-se a mais nova a fazê-lo. Um ano depois, em dezembro de 2011, vence a primeira medalha – de bronze – no circuito mundial, sendo considerada a melhor “estreante” do ano. Em 2013 ganha a primeira medalha de ouro nos Campeonatos do Mundo e torna-se a mais jovem mulher da história a vencer o título na disciplina de slalom. Só faltavam os Jogos Olímpicos.

Esses chegaram em 2014. Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi. Rússia. 18 anos. Resultado? Novamente medalha de ouro na categoria de slalom. A mais jovem da história a fazê-lo e a primeira americana a vencer o evento em 42 anos. Desde aí já foram oito medalhas – seis de ouro e duas de prata – em Jogos Olímpicos de Inverno e Taças do Mundo. Recordes atrás de recordes. E tem 23 anos. Lindsey Vonn reforma-se este domingo e não há dúvidas de que a sucessora está encontrada.

Esquiadora Mikaela Shiffrin iguala recorde de vitórias em Taças do Mundo de slalom

Para o futuro, não se sabe bem o que se pode esperarr porque já ganhou tudo o que havia para ganhar. Talvez a meta seja superar o máximo de vitórias na Taça do Mundo de um atleta de esqui na história, já que Vonn não o vai conseguir fazer. O recorde pertence a Ingemar Stenmark, com 86. Vonn irá acabar com 82. Shiffrin vai com 56, com menos nove anos de idade.

Mikaela Shiffrin começou da melhor forma os Mundiais de Esqui Alpino, em Are, na Suécia (Christophe Pallot/Agence Zoom/Getty Images)

O recordista, Stenmark, diz que não tem dúvidas de que “Mika” ultrapassará as 100. Mas não é a única lenda do esqui a achá-lo: Bode Miller, ex-campeão mundial e olímpico que está a comentar estes Mundiais no Eurosport, considera que “Shiffrin é o tipo de atleta que ajuda a criar interesse sobre o desporto” e que é das que “só aparece uma vez na vida”. O segredo é não abandonar a filosofia e não pensar em resultados. Como disse um dia Jeff, o pai, “o esqui não é sobre resultados, é sobre ‘dançar’ com a colina. Na nossa sociedade há demasiadas pessoas focadas nos resultados. E esse é o processo errado”.