As máquinas estão lá, mas o que se treina é o engenho. “A Fica é um ginásio mas aqui trocámos a bicicleta pela prensa, o remo pelo carrossel de impressão, o saco de boxe pela saca de pasta e os halteres pelo maço”, lê-se numa placa pendurada nos janelões de ferro. É um conceito original: uma oficina de portas abertas a quem quiser aprender ou fazer marcenaria, cerâmica e técnicas de impressão.

Rita Daniel e Gonçalo Almeida são os dois personal trainers de serviço. Conheceram-se em Barcelona, numa altura em que Rita tinha de usar a casa de banho para fazer serigrafia, e quando foram viver para Zurique tomaram contacto com o fascinante mundo das oficinas partilhadas e puderam deixar de lavar telas na banheira. Há dois anos, regressaram a Portugal e abriram o seu próprio espaço na Lx Factory, em Lisboa. Chamaram-lhe Volta, para marcar o regresso mas também porque queriam voltar às técnicas tradicionais antigas. Ao mesmo tempo criaram o Ginásio de Ofícios e o lema “se não sabes aprendes, se já sabes fazes”. A ideia vingou de tal forma que ao fim de um ano o nome da oficina mudou para Fica. Tinham voltado para ficar, assim como toda a coleção de ferramentas entretanto construída.

“O Ginásio de Ofícios é o motivo pelo qual existimos”, resume Rita. “A ideia desta oficina multitarefas tem a ver com a vontade de fazer coisas mas não conseguir fazê-las em casa. Queremos proporcionar um local onde as pessoas possam vir usar uma série de máquinas em horário fixo ou livre.”

Rita Daniel numa área que conhece bem: a serigrafia. © Gonçalo F. Santos

No ginásio há quatro oficinas espalhadas por um open space luminoso, com direito a mapa de aulas e tudo. Terças e quintas são dias de serigrafia, por exemplo,  ao sábado é possível fazer tudo: cerâmica, marcenaria, risografia e serigrafia. “As quatro oficinas que escolhemos são as que conseguimos acompanhar”, diz a arquiteta. É possível ser residente ou comprar pacotes consoante o número de vezes que se quer frequentar o ginásio, desde que seja dentro do horário do espaço, que de segunda a quinta está aberto até às dez da noite. Os preços variam de acordo com o nível de compromisso (nenhum ou mensal) e é até possível comprar tempo avulso: neste caso, uma hora fica por oito euros. “O mais habitual é vir uma tarde ou uma manhã mas também temos vizinhos que vêm cá só cortar madeira porque querem uma medida específica que não cortam no Leroy Merlin”, diz Rita.

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No Ginásio de Ofícios há serras de esquadria e de mesa, quatro bancadas de marceneiro com tornos, berbequins, brocas e lixas. Mas também telas de serigrafia, máquina de luz, estendal de grades, um quarto escuro, duas máquinas de impressão em risografia, guilhotina de papel, prensa de encadernação, máquina de picotar e vincar, uma mufla para cozer cerâmica e aventais tão salpicados de tinta como as mesas de cavaletes — peças da casa que não podiam ter sido personalizadas da melhor forma. “Pedimos a quem vem para avisar com 24 horas de antecedência de forma a poder gerir o espaço e ter sempre o material pronto.” O ginásio tem capacidade para 20 pessoas ao mesmo tempo — cinco em cada técnica — e cada membro tem direito a um espaço de arrumação e assistência da equipa (incluindo do casal de galgos whippet que anda solto pela oficina e pode vir pedir uma festa).

As quatro oficinas estão espalhadas por um open space luminoso. © Gonçalo F. Santos

Todas as ferramentas estão incluídas, a única coisa que é preciso comprar é o material: não ténis ou equipamento de fitness, como num ginásio normal, mas tintas, pasta, madeira, papel e tecido, disponíveis na loja que também serve de copa.

Quem vem, vem com finalidades diferentes: “Há pessoas que vêm no horário pós-laboral e querem desligar porque passaram o dia ao computador e sentem necessidade de pôr as mãos na massa”, diz Rita Daniel, dando como exemplo um membro do ginásio que está a fazer uma tábua de cozinha com várias madeiras. “Há outras que paralelamente à sua atividade estão a desenvolver pequenas marcas ou querem trabalhar um lado mais manual e criativo. No fundo, acho que as pessoas querem saber como se faz e querem fazer por elas, localmente. Muitos ilustradores frequentam o ginásio para imprimir e já sabem que aqui também podem fazer um suporte em madeira para pendurar as ilustrações, se quiserem.”

Como não podia deixar de ser, a própria Fica faz coisas nas suas oficinas, e parte dessa produção está exposta logo à entrada e à venda na loja online: colheres de pau e suportes de pinho para plantas, um tear de moldura e as respetivas agulhas de madeira, prints, bancos, cadernos e até planeadores para a secretária impressos em risografia. Pontualmente, a oficina promove também workshops que podem ir do macramé à linogravura, passando pela marcenaria para pais e filhos (delirantes por poderem fazer o seu próprio robô em madeira), e organiza a Feira Feita, uma mostra de oficinas e marcas de produção local, em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa e o Clube de Criativos.

Há quem use a oficina para desenvolver pequenas marcas ou trabalhar um lado mais manual e criativo. © Gonçalo F. Santos

A pensar nos mais reticentes, que não se sentem à vontade em aparecer e agarrar no martelo ou nas tintas sem uma preparação prévia, a Fica organiza ainda, uma vez por mês, “workshops flash” das quatro técnicas residentes. Custam 30 euros, duram três horas e “podem ser uma boa iniciação ao ginásio”. Chamemos-lhe um aquecimento, sem a consulta chata do índice de massa gorda primeiro.

Nome: FICA – Oficina Criativa, LX Factory
Morada: Rua Rodrigues Faria 103, Edif. I Piso 1, Esp. 1.17A, Lisboa
Contactos: 932 826 402, 932 674 886; hello@fica-oc.
Site: http://fica-oc.pt

Artigo publicado originalmente na revista Observador Lifestyle nº2 (novembro de 2018).