Parecia uma aposta quase às cegas. No verão de 2017, o Eintracht Frankfurt solicitou ao Benfica o empréstimo de Luka Jovic, jovem avançado sérvio que tinha chegado a Lisboa em fevereiro do ano anterior. O negócio previa dois anos de empréstimo e uma opção de compra no valor de sete milhões de euros, o montante que o clube encarnado tinha pago ao Estrela Vermelha de Belgrado na janela de transferências de inverno da temporada 2015/16. No Benfica, o avançado tinha cumprido 18 jogos pela equipa B, marcando quatro golos, e apenas três pela equipa principal – sempre enquanto substituto utilizado. O interesse do clube alemão por um sérvio de 19 anos que ainda nem era internacional parecia inexplicável. Mas era tudo menos uma aposta às cegas. Este domingo, em nova vitória (Hannover, 3-0), voltou a marcar – tal como tinha feito na última quinta-feira para a Liga Europa, frente ao Shakhtar – e reforçou o estatuto de melhor marcador da Bundesliga (15).
Para explicar o empréstimo de Luka Jovic ao Eintracht Frankfurt e perceber como é que um avançado sérvio nunca aproveitado no Benfica é atualmente o artilheiro do Campeonato alemão, com mais dois golos do que Lewandowski e Reus e mais três do que Paco Alcácer, é preciso recuar a dezembro passado. No final do ano, a revista alemã Kicker elegeu Fredi Bobic, diretor desportivo do Eintracht, como o Homem do Ano 2018 do futebol alemão. A decisão, logo à partida, era histórica: desde 1990, ano em que a revista começou a escolher o alemão que mais se destacou ao longo de um ano civil, os eleitos tinham sido somente jogadores e treinadores (com exceção para Franz Beckenbauer em 2006, escolhido por ser presidente do comité que organizou o Mundial desse ano na Alemanha, mas que ainda assim foi jogador e treinador). Bobic, antigo avançado alemão de ascendência eslovena e croata, foi escolhido por ser o grande obreiro da equipa do Eintracht que conquistou a Taça da Alemanha no final da temporada 2017/18 sob a batuta de Niko Kovac, atual treinador do Bayern Munique.
A saída de Kovac para o Bayern, porém, não alterou em quase nada o ADN de uma equipa que passou grande parte dos anos 90 a lutar pela permanência na Bundesliga ou pela promoção à mesma e que atualmente assenta confortavelmente na sexta posição da Liga alemã, a quatro pontos do RB Leipzig, que é quarto. Luka Jovic, que aos 15 golos no Campeonato acrescenta outros seis na Liga Europa e ainda outro ao serviço da seleção Sub-21 da Sérvia, tem já 22 golos esta temporada e além de ser um dos avançados mais concretizadores a nível europeu é também a grande figura do Eintracht Frankfurt de Adi Hütter (que conta ainda com o português Gonçalo Paciência no plantel). De acordo com o Sport, o clube alemão já comunicou ao Benfica que pretende acionar a opção de compra do sérvio e tem em vista a venda do avançado na próxima janela de transferências, no verão, já que Barcelona, Real Madrid e Chelsea estão mais do que interessados no jogador de 21 anos. Mas como é que Jovic, que passou pelo Benfica de forma quase incólume e a maior memória que deixou foi a noite em que foi apanhado a sair à noite antes de um jogo, se tornou um dos nomes mais pretendidos pelos gigantes do futebol europeu?
A verdade é que, e tal como o próprio já explicou, Luka Jovic nunca quis assinar pelo Benfica. Depois de aos 16 anos se tornar o mais novo de sempre a marcar pelo Estrela Vermelha, o clube onde se formou e do qual era adepto desde criança, o avançado foi um dos efeitos colaterais da gestão danosa do emblema sérvio que deu origem a gigantescos problemas financeiros e à venda de inúmeros jogadores. Na altura, com 18 anos, Jovic mudou-se sozinho para Lisboa e nunca chegou sequer a competir com Jonas, Mitroglou ou Raúl Jiménez. “Deixei o Estrela Vermelha muito novo. Nem sequer queria ir”, explicou o avançado há alguns meses, já em Frankfurt.
“O Benfica é um clube grande e difícil para jogadores estrangeiros. Os jogadores inexperientes têm de ser colocados no campo e defendidos, mas isso não aconteceu com o Jovic. Aconselhei-o a aceitar o interesse do Eintracht. Foi uma boa escolha para ele e as pessoas do clube ajudaram-no”, contou Zvezdan Terzic, diretor desportivo do Estrela Vermelha, à ESPN. A Alemanha, ainda que continuasse a ser um país estrangeiro, revelou-se o sítio ideal para o jovem avançado. Afinal, Fredi Bobic era o diretor desportivo, os irmãos croatas Niko e Robert Kovac eram respetivamente o treinador principal e o adjunto, e Mijat Gacinovic, colega de equipa, era sérvio – Jovic estava em casa e podia facilmente falar a própria língua. Niko Kovac, conhecido pela disciplina que implementa nas equipas que orienta, ajudou o jovem avançado a passar de amador a profissional não só dentro das quatro linhas como também fora delas e cimentou aquelas que são as basilares noções táticas do sérvio.
Ainda assim, e de forma compreensível, Jovic não se tornou a opção primordial de Kovac para o ataque assim que chegou: mas teve sempre minutos regulares de jogo e marcou nove golos ao longo da temporada (incluindo o golo que valeu a vitória na final da Taça da Alemanha contra o Schalke 04). No final da época, quando Niko Kovac substituiu Jupp Heynckes no Bayern Munique e Adi Hütter chegou para comandar o Eintracht, a filosofia atacante do técnico austríaco favoreceu o avançado e libertou-o das funções defensivas que o croata exigia: Jovic ganhou liberdade absoluta para circular na frente de ataque, procurar jogo mais atrás ou descobrir linhas de desmarcação. A resposta do avançado foi positiva e as sucessivas boas exibições garantiram-lhe o lugar cativo no onze inicial, à frente de Ante Rebic e Sebastien Haller.
O resultado está à vista de todos: além do confortável sexto lugar na Bundesliga, da presença nos oitavos de final da Liga Europa (onde vai defrontar os italianos do Inter) e dos 22 golos que já leva desde o início da temporada, Jovic tornou-se ainda o mais novo de sempre a marcar cinco golos num jogo do Campeonato alemão. A camisola que usou contra o Fortuna Düsseldorf no jogo em que contribuiu com cinco golos para a goleada do Eintracht por 7-1 está já no museu do clube e a exibição assinalável que o avançado de 21 anos assinou nessa partida levou Dieter Müller, antigo avançado do Colónia e detentor do recorde de mais golos marcados por um único jogador num único jogo da Bundesliga (seis), a temer pela marca que ele próprio estabeleceu. Ainda assim, Jovic tem sido comparado a outro Müller.
Gerd Müller, o histórico avançado alemão que marcou mais de 300 golos em 15 anos no Bayern Munique, tinha uma média de um golo a cada 105 minutos. Neste momento, Luka Jovic é o único jogador na Europa cuja média é superior: o avançado do Eintracht Frankfurt marca a cada 95 minutos, numa estatística que foi explicada por Adi Hütter há alguns dias, de forma mais simples e direta. “O Luka precisa de seis oportunidades para fazer cinco golos”, disse, em conferência de imprensa, o treinador austríaco.
Com interesse dos dois principais clubes espanhóis, braços abertos na Premier League e muitos milhões à volta do próprio nome, Luka Jovic pode saltar para um dos principais emblemas europeus já no próximo verão. Com 21 anos e apenas duas épocas no Eintracht Frankfurt, uma de adaptação e outra de afirmação, o avançado sérvio dificilmente resistirá a voos maiores e, principalmente, à Liga dos Campeões. Daqui para a frente, o destino, a sorte e o futebol encarregar-se-ão de escolher uma de duas opções: ou o reeditar da passagem pelo Benfica; ou a presença de outro Luka que não Modric nos candidatos à Bola de Ouro.