Antes de o quadro “Salvator Mundi” ter sido comprado por um valor recorde de 450 milhões de dólares (cerca de 400 milhões de euros), havia dúvidas sobre a verdadeira autoria da pintura. É de Leonardo Da Vinci? Quem o vai comprar? E por quanto (estimava-se que ia conseguir apenas uns humildes 87 milhões euros)? Agora, como conta o The New York Times, a principal dúvida é: onde está?

A pintura renascentista de Jesus Cristo era para ter sido exibida no Louvre de Abu Dhabi, um franchise do Louvre de Paris (foram pagos 525 milhões de dólares ao governo francês para utilizar o nome do mais conhecido museu do mundo). Em dezembro de 2017, poucas semanas depois da compra multimilionária, a entidade anunciou no Twitter que ia receber o quadro. Contudo, até hoje, não se sabe quando é que o “Salvator Mundi” vai, de facto, ver a luz das galerias e funcionários do museu afirmam que não têm conhecimento de onde é que este está.

O caso pode até criar problemas diplomáticos. Com o ministério da Cultura saudita a não dar informações sobre o paradeiro do quadro de Da Vinci, o Louvre de Paris também já tentou saber onde pára a pintura, mas sem sucesso. Por detrás das intenções do museu parisiense está também a vontade de exibir o “Salvator Mundi” numa exposição dos 500 anos de Da Vinci.

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Peritos e fãs de arte queixam-se de injustiça por “um quadro desta raridade” estar a ser mantido longe dos olhares do público. Martin Kemp, um historiador de história de arte de Oxford, justifica a raridade do quadro por ser “uma espécie de versão religiosa da Mona Lisa”, mas reitera que também não sabe onde é que esta obra de arte se encontra.

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Há quem especule que Mohammad bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, tenha simplesmente decidido ficar com o quadro. Por detrás desta teoria está a forma como a pintura foi comprada. Inicialmente, a identidade do comprador foi mantida em segredo. Depois, o The New York Times revelou que foi Bader bin Abdullah bin Mohammed bin Farhan al-Saud, um príncipe saudita que é membro afastado da família real do país que foi o comprador, como intermediário do príncipe herdeiro. Fenómeno peculiar: o homem não era conhecido por ser comprador de arte e, em junho de 2018, é escolhido para ser o primeiro ministro da Cultura do país.

Mohammad bin Salman tem estado sob um intenso escrutínio por parte do ocidente, depois de ter sido acusado de mandar matar Jamal Khashoggi, um jornalista crítico do regime saudita. O NYT afirma que o príncipe herdeira é “agressivo” e “impulsivo” e “tem um gosto por troféus valiosos”, sugerindo que este membro da família real do país pode realmente estar a manter para si o quadro que bateu o recorde de “mais caro do mundo”.

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Em junho de 2018, Mohamed Khalifa al-Mubarak, um dos homens próximos do príncipe herdeiro e  e responsável pelo pelouro do turismo e cultura de Abu Dhabi, tinha anunciado que o “Salvator Mundi” ia ser exibido como “o nosso presente para o mundo”. A exposição ia abrir em setembro e al-Mubarak e a cidade estavam “desejosos de receber pessoas de perto e de longe para testemunhar a beleza [da obra de Da Vinci]. Quando chegou a data da exibição, esta foi cancelada sem justificação.

Um quadro de Da Vinci que, afinal, pode nem ser de Da Vinci

Todo o mistério envolto em redor do paradeiro de Salvator Mundi voltou a trazer ao de cima a principal polémica deste quadro: foi ou não foi pintado por Leonardo Da Vinci?

Matthew Landrus, um historiador da obra de Da Vinci, afirmou em agosto de 2018 ao The Guardian que a obra é de Bernardino Luini, um pintor que trabalhou diretamente com o famoso italiano. Landruz afirmou que uma simples comparação de “Salvator Mundi” com alguns trabalhos de Bernardino Luini prova a verdadeira autoria da pintura que bateu recordes.

No fundo, podemos chamar-lhe uma pintura do estúdio de Leonardo”, disse Matthew Landrus.

Para o historiador de arte, que já publicou vários livros sobre da Vinci, os principais pontos de contacto encontram-se na representação do ouro e das vestes: “É possível ver uma construção semelhante nas faixas de ouro e na maneira como o tecido é feito.Além disso, a face de Cristo em ambas as pinturas tem uma modelação muito similar e as abordagens são muito parecidas. Os ombros de Cristo também são muito parecidos”.

O estudioso da obra de Leonardo da Vinci atribui ao artista italiano a sofisticação da técnica do sfumato presente na pintura, ou seja, “as suaves gradações de sombra que evitam contornos percetíveis ou mudanças dramáticas de tons”.

A verdade é que, para além de Landrus, vários especialistas têm dúvidas sobre a autoria do quadro. Já Michael Daley, o diretor da ArtWatch UK, criticou a falta do “naturalismo e complexidade de postura” de Leonardo da Vinci na pintura e considerou a teoria de Matthew Landrus “muito interessante”.

A história dá-lhes razão: em 1900, quando comprado por Sir Charles Robinson, “Salvator Mundi” foi, de facto, atribuído a Bernardino Luini. No século XIX também, o quadro foi vendido num leilão, mas tinha sido repintado tantas vezes que “parecia um hippie louco por drogas”, afirma Mark Kemp.

Será que foi mesmo Leonardo da Vinci que pintou “Salvator Mundi”?

Em 2005, o quadro chega às mãos da professora de Arte da Universidade de Nova Iorque Dianne Dwyer Modestini. A perita recuperou o quadro e fez uma alteração que apelidou de correção: o polegar de Jesus estava visível, o que a académica acredita que não era o que Da Vinci queria. Críticos afirmam que o quadro foi tão restaurado por Modestini que é tanto trabalho da professora como é de Da Vinci.

Há um relato segundo o qual, depois de ter sido comprado pelo príncipe da arábia saudita, o quadro veio para a Europa para se comprovar se é ou não de Da Vinci. Modestini afirma que Daniel Fabian, um colega perito em restauração, foi chamado por uma seguradora para examinar o quadro em Zurique, no outono. Fabian não prestou declarações.