Título: “A Única História”
Autor: Julian Barnes
Editora: Quetzal
Páginas: 256
Preço: 16,60 €

No mais recente romance de Julian Barnes, Paul recorda a história do seu único amor, história essa que se resume em poucas linhas: aos dezanove anos, o jovem e inexperiente protagonista inscreve-se durante o Verão no clube de ténis da sua pequena terra nos subúrbios de Londres onde conhece Susan, quarenta e oito anos, mal casada com McLeod e mãe de duas raparigas (Martha e Clara), por sinal mais velhas do que Paul. Rapidamente apaixonam-se, iniciando-se assim uma relação que duraria mais de uma década.

Este enredo simples não servirá, ao contrário do que seria de esperar, para uma iniciação amorosa do jovem adolescente através da experiência da mulher adúltera (“a mulher mais velha ensina ao homem mais novo as artes do amor, depois esconde uma lágrima elegante e entrega-o ao mundo — o mundo das mulheres jovens, casadoiras” (p. 243)). Paul torna aliás várias vezes claro que nem Susan era, sob qualquer ponto de vista, uma mulher experiente nas lides amorosas, nem Paul aprenderia o que quer que fosse acerca do amor, um campo no qual permaneceria extraordinariamente mal sucedido por erros seus, má fortuna, mas quase nunca por amor ardente. A história de Paul e Susan torna-se ainda assim num romance de aprendizagem, sendo que Paul aprende a ver e não propriamente a amar.

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No princípio do romance, o protagonista hesita em juntar-se ao clube de ténis por imaginar que este seria apenas uma congregação de Hugos e Carolinas (ou, se quisermos verter isto para a experiência portuguesa, de Santiagos e Carminhos). Pouco depois, Paul conta que, numa das primeiras vezes em que visitou Susan, ia sendo atropelado. Paul pára, diante do condutor, e ambos ficam a travar um duelo de olhares e ofensas. Paul, de “cabelo comprido, calças de ganga roxas e jovem — nojenta e obscenamente jovem”, contra o anónimo automobilista, “velho, nojenta e obscenamente velho, com orelhas estúpidas e encarnadas de velho” (p.31). A cena acabaria com Paul a anunciar ao seu opositor que, por ser mais velho, morrerá primeiro.

A relação com Susan ensinaria Paul a abandonar ideias como as acima expostas. Afinal, seria no clube de ténis que Paul conheceria a única mulher por quem se viria a apaixonar verdadeiramente. Uma mulher que, por sinal, não era uma Carolina, nem uma Carminho, nem sequer “uma Virginia viva com caracóis negros — de inabalável inclinação conservadora, embora não muito exagerada” (p.17).

Ao iniciar uma relação com uma mulher significativamente mais velha, Paul percebe que as descrições que usaria, vendo o seu caso de fora, para descrever a situação eram desajustadas. A partir desse momento, as descrições simples que pontuam o início do romance começam a ser tidas em menor consideração, apesar de, ainda assim, Paul parecer incapaz de as abandonar de forma definitiva.

Terminada a relação, Paul, agora envelhecido, não se decide a procurar reproduzir o grande amor da sua vida com mulheres com uma idade mais consentânea com a sua, nem a absolver a culpa que sentiria pelo final conturbado da ligação de ambos. Não quer encontrar uma consolação para a mortalidade iminente numa casa junto ao mar. Pelo contrário, dedica-se a uma ocupação o mais prosaica possível, tornando-se queijeiro (“preferiu um líquido diferente [da água do mar], com destino e movimentos próprios. Mas nele nada viu de eterno: só leite a transformar-se em queijo. Desconfiava duma visão mais grandiosa das coisas e mostrava prudência quanto a anseios indefiníveis. Preferia as transações diárias com a realidade” (p.194)) enquanto anda em busca da maneira certa de lembrar Susan, sem desejar, contudo, que isso traga qualquer espécie de redenção (“não acredito nas narrativas de vida confortáveis que alguns acham necessárias, quando me engasgam palavras de conforto como redimir e encerrar. A morte é o único encerrar em que acredito; e a ferida ficará aberta até ao derradeiro fechar das portas. Quanto a redenção, é grandioso de mais, um consolo de cineasta; e, para além disso, parece uma coisa magnífica que os seres humanos são demasiado imperfeitos para merecer e ainda mais para outorgar a si próprios” (p.252)).

Dito isto, o romance de Barnes desilude. Julian Barnes cria um conjunto de personagens bastante mais interessantes do que o jovem Paul, mas que são remetidas para a sombra, sem nunca lhes ser dada a relevância que se pedia. A mudança brusca de comportamento por parte de Susan, a homossexualidade mascarada de McLeod, a decisão que os pais de Paul tomam ao cortar definitivamente relações com o filho e o comportamento bondoso mas ríspido de Martha são ignorados pelo jovem amoroso, que parece indiferente a tudo isto, preferindo centrar-se antes na história que viveu ao lado de Susan, que garante ter sido única mas acerca da qual parece ser apenas capaz de dizer banalidades. Talvez isto capture qualquer coisa de fundamental em relação ao que comummente designamos por amor. Todavia, é difícil esconder a frustração quando personagens promissoras dão lugar a afirmações como “Ainda lá estás. Sempre estarás. Não é literalmente. Mas no coração. Nunca nada acaba, quando chegou tão fundo. Carregas sempre a ferida. É a única opção, ao fim de um tempo. Carregar a ferida ou morrer. Não concordas?” (p.211)

Paul abandona progressivamente as trivialidades imaturas que tomava como verdades no início do romance, substituindo-as por trivialidades mais vividas que Susan ou Joan, a melhor amiga de Susan, lhe comunicam. Em grande parte, particularmente na segunda metade do romance, a história centra-se nesta candonga de lições de vida. Ainda assim, nas últimas páginas do romance, Barnes emenda a mão e permite que a história de Paul seja agora contada na terceira pessoa. Ao fazê-lo, deixamos de ser confrontados com a banalidade das opiniões de uma personagem desinteressante que se limita a juntar definições de amor encontradas em jornais para tentar compreender uma história à qual não parece ter prestado a atenção devida. Já foram escritos extraordinários romances a partir de premissas muito parecidas com as que este artigo elenca. Infelizmente, A Única História, ainda que tenha aqui e ali momentos interessantes, não é um deles.