É a primeira vez que Portugal conquista um prémio na categoria do Design de Instrumentos Musicais naquele que é considerado “um dos cinco maiores eventos do mundo” nesta área. Em causa está um projeto de investigação do professor do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC), Ermanno Aparo. Depois de orientar a tese de mestrado de João Rodrigues que resultou na primeira guitarra elétrica de cortiça portuguesa, chegou a vez de o professor dar asas à imaginação e ao ofício.

“A ideia surgiu com a definição do tema do meu pós-doutoramento, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. Sou especialista em Design e Redes Territoriais, ou seja, projetos em redes com empresas que existem num determinado território. Por esta razão precisava de uma tipologia de produto difícil. Então, escolhi um dos produtos mais complexos de desenvolver no âmbito do design: um instrumento musical”, explica em entrevista ao Observador.

Mai’land Guitars. Primeira guitarra elétrica em cortiça é portuguesa, com certeza

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Almada Trumpet foi o nome escolhido para batizar o instrumento. “O nome deriva da origem da produção de instrumentos musicais da família dos sopros em Portugal. Por um lado, este processo inicia com Ernesto Wagner na Rua Nova de Almada em Lisboa na primeira metade do 1800, por outro lado, a última produção deste tipo de instrumentos acontece na Casa Guimarães na Rua de Almada no Porto, em meados do século passado.”

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Filigrana, cobre, latão, níquel ou folha de pedra foram as matérias-primas utilizadas na construção do trompete avaliado em oito mil euros. “A técnica da filigrana foi escolhida porque falamos em algo conotado com a cultura portuguesa e que pode ser introduzida na produção deste tipo de componentes como algo de diferenciador, singular e inovador.”

O docente de design da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do IPVC especificou que “uma empresa da Póvoa de Lanhoso produziu os anéis do trompete, feitos em prata, utilizando a técnica da filigrana portuguesa”. Já “os moldes, em aço, para a campânula e para outros componentes do instrumento, foram produzidos por uma empresa de metalomecânica de Viana do Castelo, que faz peças para a construção naval”, referiu.

Instrumento 80% português testado por 70 músicos de todo o mundo

A produção deste trompete incluiu um lado artesanal, mas também métodos industriais. “Desde o batimento manual das chapas até à fresagem em comandos numéricos computadorizados, passando pelos processos manuais em filigrana até ao recurso à impressão 3D”. Com exceção da componente central, o bloco de pistões, que foi produzida em Itália pelo especialista Cristian Bosc, o instrumento foi construído 80% em território nacional, contando com o envolvimento de 10 empresas: Furnor de Vila Nova de Famalicão; Costa & Rego; Ângelo Silva; Mediadesign; Double Concet Bar e Escola Profissional Artística de Viana do Castelo; Francisco Liquido de Seixas; Eleutério Jewels, de Póvoa de Lanhoso; Value Optimized e RPS Atelier de Aveiro; Manuel Leite Barbosa de Vila Nova de Gaia.

Segundo Ermanno Aparo, o instrumento é “80% made in Portugal” e trata-se de um protótipo do trompete em si bemol, a versão do instrumento mais utilizada e mais comum.

O professor de design do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Ermanno Aparo

O projeto foi iniciado em 2015 e contou com a orientação do departamento da Música da Universidade do Minho. “Desde a década de 70 que não se fazem trompetes em Portugal. Este é um exemplo de como a investigação de referência, articulada entre o ensino politécnico e o ensino universitário, não tem medo de se envolver com o mundo empresarial, determinando a qualidade do produto nacional e demonstrando que o que é nacional soa bem”, disse, adiantando “existirem manifestações de interesse no instrumento com origem no Japão, Israel, EUA, Brasil, Argentina e Grécia”, pode ler-se na nota de imprensa.

O Almada Trumpet foi testado por cerca de 70 músicos, entre trompetistas profissionais, estudantes e professores de escolas profissionais ou conservatórios.

Durante o processo, foram envolvidos músicos portugueses – como Luís Granjo, da Orquestra Sinfónica da Casa da Música ou Pedro Monteiro, da Orquestra Sinfónica Portuguesa – italianos, austríacos, húngaros, espanhóis e venezuelanos. Entre os nomes dos trompetistas destacam-se o Fabrizio Bosso, grande trompetista de Jazz italiano, e o Gábor Tarkövi, primeiro trompete da Berliner Philharmoniker Orchestra”, sublinha Ermanno Aparo, acrescentando que o feedback foi positivo. “Todos adoraram o trompete. A maioria deles salientam a facilidade de emissão e a qualidade do som.”

Relativamente ao investimento, o professor conta ao Observador que este “foi proporcionado pelo centro de Investigação mais o montante que as empresas decidiram, por vontade própria, disponibilizar porque acreditaram no projeto”. Ermanno afirma que o instrumento que desenvolveu “não tem preço” porque não está à venda, tratando-se apenas de um protótipo. “O design vive de um ciclo que contempla a conceção, a produção, a venda e o consumo e eu, nesta investigação, apenas me foquei na parte de produção.”

Ermanno Aparo acrescenta que neste momento não pretende comercializar o produto nem criar uma marca, não sendo esse o objetivo do projeto. “De qualquer forma o trompetista e luthier Rui Pedro Silva, que é o titular da única empresa portuguesa relacionada com o mundo da produção de instrumentos musicais que participou ao projeto, está a produzir e a comercializar alguns componentes do trompete, designadamente, um kit de tampas para as camisas dos pistões e dos botões/teclas realizados com folha de pedra e que equipam o Almada Trumpet.”