Morreu o cantor Roberto Leal, que estava internado há quatro dias na secção semi-intensiva do Hospital Samaritano em São Paulo após uma reação alérgica a um medicamento que lhe provocou uma insuficiência real. Tinha 67 anos e lutava contra um cancro que lhe estava a ameaçar a visão. O velório do artista será na Casa de Portugal, na Avenida da Liberdade, em São Paulo, entre as 12h e as 18h de Portugal Continental. Roberto Leal será sepultado no Cemitério Congonhas, na cidade onde vive há mais de 50 anos.

Roberto Leal é casado há mais de 40 anos com Márcia Lúcia A. Fernandes, mãe dos três filhos do artista: Rodrigo, com 39 anos, é produtor e músico; Manuela Fernandes, com 36 anos, é atriz; e Victor Diniz, de 29 anos, é pintor. Famoso por canções como “Arrebita”, “Uma Casa Portuguesa” e “Chora, Carolina”, Roberto Leal nasceu em Macedo de Cavaleiros e emigrou para São Paulo, no Brasil, aos 11 anos com a família. O sucesso musical chegou em 1971 com a canção “Arrebita”. Desde então, já vendeu mais de 17 milhões de discos. No currículo constam ainda 30 discos de ouro e cinco de platina.

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Em janeiro deste ano, Roberto Leal admitiu ao Observador que tinha um melanoma na perna que acabou por lhe condenar a vista no olho direito por causa dos tratamentos a que se submeteu. “O primeiro sintoma fez-me crer que estava com uma crise de ciática, uma associação normal quando começamos a sentir uns formigueiros nas pernas, dores nas costas, etc.”, começou por explicar o cantor. “Os resultados confirmaram que o sinal que tinha na minha pantorrilha direita tinha um melanoma. Seguiram-se uma série de análises e fui logo operado, uma cirurgia complexa e profunda para retirar todo o mal que lá estava”, contou.

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Amigos reagem à morte de Roberto Leal: “Um grande divulgador da cultura portuguesa no Brasil”

Em declarações ao Observador, o apresentador e humorista Herman José recorda Roberto Leal como “um tipo cuidadoso com ele, tinha imenso orgulho na sua forma física e na sua elegância, no facto de ter um grande cabelo”. “Curiosamente foi atraiçoado por uma coisa silenciosa a que nós não damos importâncias, um sinal que foi crescendo e que estava escondido na perna. É uma morte completamente inútil e evitável”, alerta o artista.

Herman José adjetiva o amigo Roberto leal como “um ser humano dócil e bondoso”: “A humanidade não tem uma grande percentagem de gente boa, como é sabido. Portanto, quando morre um homem muito bom, faz sempre muita pena e dá-me muita tristeza. Ele era realmente um tipo encantador”, conclui.

Também José Cesário, que anunciou a morte do cantor nas redes sociais, reagiu às notícias em conversa com o Observador: “É uma perda enorme para Portugal. Era um grande amigo que infelizmente nos deixou. O Roberto Leal era um entusiasta da relação entre Portugal e o Brasil, foi um grande divulgador da cultura tradicional portuguesa no Brasil. Não me esqueço que, há quase 30 anos, ele foi candidato a deputado nas listas do meu partido. Isto diz bem da sua relação a Portugal e na vontade de participar nas coisas portuguesas”.

O cantor português José Cid recorda Roberto Leal como “um bom rapaz, uma pessoa simpática”: “Era meu amigo. Levou-me à única digressão que fiz no Brasil. Foi uma pessoa extraordinário porque me levou a mim, aos Xutos e Pontapés e à Lena d’Água para uma digressão onde cantámos”. O artista relembra Roberto Leal como “um homem que fez música popular sem ser populeira”.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recordou “com amizade” o cantor português Roberto Leal, que morreu aos 67 anos, no Brasil, e sublinhou “o seu papel junto das comunidades portuguesas”. “O Presidente da República recorda Roberto Leal com amizade, lembrando o seu papel junto das comunidades portuguesas, nomeadamente no Brasil, com ligação às suas raízes, durante várias décadas”, lê-se numa nota da Presidência da República, enviada à Lusa, em que Marcelo também expressa as suas condolências à família.

A morte de Roberto Leal também está a ser noticiada pela imprensa brasileira. O G1 tem o artigo sobre o cantor português em sub-manchete, assim como a Folha de São Paulo.

O orgulho pela cabeleira, a fé e o gosto pela arte

Roberto Leal foi submetido a um tratamento de imunoterapia, mas decidiu não interromper a digressão que tinha agendada para Portugal. Foi então que se detetou uma hérnia fulminante, que o obrigou a submeter-se a uma operação ao fundo da coluna: “No meio dos testes que me fizeram antes da operação perceberam que atrás da hérnia havia outro tumor. Ele acabou por operar e foi de novo um sucesso. Um cara que não conseguia pegar num telefone, depois da operação, no dia seguinte, tinha as pernas que pareciam um elástico!”, concluiu.

Roberto Leal. Entrevista de vida ao “ruço de mau pêlo” de Vale da Porca que saltou do carro de bois para o mundo

Enquanto isso, Roberto Leal prosseguia com a música sem nunca pensar em desistir dela: “Estava tudo na dúvida sobre como íamos fazer, como iria entrar em palco, e o meu filho mais velho, o Rodrigo, até disse que ia ao palco avisar as pessoas que eu não ia cantar porque estava doente. Mas recusei. Disse que não iria fazer bailaricos e que só depois, a seu tempo, iria falar da minha saúde. Dei o concerto sentado mas à segunda música já estava toda a gente a gritar pelo meu nome”, recordou ao Observador.

Foi um momento preponderante para o luso-brasileiro: “Foi nesta altura que percebi também que se ficasse em casa ia entregar todo o meu tempo à dor. Preferi apostar no amor e no carinho numa posição onde nunca tinha estado, toda a gente de pé a dançar e eu sentado. Percebi que era um caminho que ia ter de percorrer, não havia volta a dar. Senti que ia ser um percurso duro mas que me iria fazer crescer”.

Roberto Leal no início da carreira, que começou aos 19 anos. Créditos: Facebook

Ajudou o facto de ser “um homem de fé”, explicou ao Observador: “Sempre fui um homem de fé, já tinha sido um milagre ter vindo de Vale da Porca, ter vendido quase trinta milhões de discos… Isso só por si já era um milagre. Foi tudo espontâneo e fui sempre travando várias lutas”. Em 1962, Roberto Leal ainda era António e era sapateiro, feirante e vendedor de doces em São Paulo.

No final da década já tinha assumido o nome artístico por que o mundo luso-brasileiro o conhece. Era conhecido pela frondosa cabeleira loira: “Naquela época, eu parecia um extraterrestre. Usava roupas espalhafatosas e o cabelo pelo ombro. Quando Chacrinha me viu, não entendeu nada”, recordou Roberto Leal numa entrevista à revista Caras em 2010.

O sucesso musical começou em 1971, quando inicia a carreira com a canção “Arrebita”numa primeira aparição em televisão no “Programa do Chacrinha”. Em 1972, ganhou o prémio de Rei da Juventude Brasileira, do Velho Guerreiro e o importante Troféu Globo de Ouro, da TV Globo, pode ler-se na página oficial do cantor. “A partir daí inicia a contagem de 30 discos de ouro que viria a receber até hoje e cinco discos de platina, entre os mais de 500 troféus que compõem sua coleção”, diz o site.

Créditos: Facebook

Nessa entrevista, Roberto Leal explicava que fazia ginásio três vezes por semana e que mantinha uma alimentação saudável para aguentar o ritmo dos concertos. Além disso, falava sobre a fé que lhe fazia andar sempre com uma cruz de Cristo ao peito: “Em minha casa em Portugal existem cem estatuetas de santos, muitas das quais ganhei de fãs. Quanto a esta cruz, ganhei há 30 anos de alguém muito especial, Chico Xavier, que me considerava um homem de paz. Prestes a morrer, ele me enviou uma mensagem — um aroma de rosas, que simbolizavam a energia dele, invadiu meu quarto. Era um sinal de que ficaríamos sem sua presença física”, recordou.

O cantor dizia-se um grande amante da arte, sobretudo de pinturas, algo que terá herdado das raízes portuguesas, acreditava: “Adoro arte. Em Portugal se costuma dizer que uma casa sem recheio é uma casa pobre. Tenho móveis que me acompanham há 32 anos, como a arca de madeira comprada em Sintra, Portugal. O relógio, de 200 anos, também está na lista de objetos com os quais tenho relação afetiva”.

Roberto Leal com a fadista Amália Rodrigues em 1977. Créditos: Facebook

Roberto Leal: o ponto de ligação entre a cultura portuguesa e a brasileira

“Fomos hoje confrontados com a notícia da morte do Roberto Leal e apesar de sabermos da doença dele foi uma surpresa. Há um sentimento enorme de carinho por ele que, ao longo da carreira, tornou-se um símbolo da comunidade e soube fazer uma boa ponte entre o povo brasileiro e o português”, disse cônsul-geral de Portugal em São Paulo, Paulo Nascimento, à Lusa. “A música dele fazia esta fusão, era um ponto de ligação, entre a cultura portuguesa e a brasileira”, acrescentou.

Manuel Magno Alves, presidente do Conselho da Comunidade Luso-brasileira do estado de São Paulo também lamentou a morte do cantor. “A comunidade portuguesa está muito consternada porque ele era um dos símbolos que tínhamos. Era uma espécie de embaixador da música portuguesa no Brasil e no mundo. Vai demorar um tempo para termos outro representante fazendo o que ele fazia.”

O Governador do estado brasileiro de São Paulo, João Dória, lamentou hoje a morte do cantor português. “Roberto Leal vai deixar saudades. Era português de nascimento e brasileiro de alma. Amava as suas terras e tinha muitos admiradores em ambas. Minha solidariedade à família e amigos. Descanse em paz, Roberto [Leal].”

O embaixador de Portugal em Brasília, Jorge Cabral, considerou que a morte do cantor “representa uma perda irreparável para a família portuguesa, para Portugal, para a comunidade luso-brasileira, mas, seguramente também, para o mundo artístico e para o panorama musical em geral”. O diplomata disse que Roberto Leal “foi um homem simples e amigo, sempre orgulhoso das suas origens e da sua pátria, honrando as tradições e a música popular portuguesas. (…) Nessa medida, poderá ser genuinamente considerado um “embaixador da cultura portuguesa no Brasil”.

Também o presidente do Conselho Permanente do Conselho das Comunidades Portuguesas (CP-CCP), Flávio Martins, lamentou, em nome pessoal, o falecimento do cantor. “Vendeu milhões de discos, ganhou fama, dinheiro e conforto, mas nunca deixou de reverenciar a sua família, o seu país e os seus valores mais essenciais, fosse por meio de sua música, fosse pelo jeito carinhoso, respeitador e atencioso como atendia a quem o procurasse. Nunca o vi, mesmo muito cansado, deixar de atender todos os fãs que quisessem um abraço, um beijo, uma foto, um pouco da atenção do ídolo.”

O Grupo Folclórico da Casa de Portugal em São Paulo publicou na rede social Facebook uma nota de pesar afirmando que o cantor era “um dos maiores expoentes da música portuguesa no mundo e, quiçá, o maior no Brasil”. “É uma grande perda, mas sem dúvida o seu legado será eterno e ouvido por diversas gerações. Tivemos a oportunidade e honra de nos apresentarmos algumas vezes ao vosso lado”, completou.

Já a Associação Portuguesa de Desportos do Brasil também divulgou uma nota dizendo que “chora a perda do autor do hino atual do Clube, e presta os sentimentos de uma nação inteira pela perda do querido Roberto Leal, imigrante português que adotou o Brasil como sua terra e a Lusa como seu time [equipa] do coração”.