Em março, quando a Seleção Nacional empatou com a Ucrânia e a Sérvia em jogos consecutivos e no espaço de alguns dias, chegou a falar-se em crise dentro da equipa portuguesa. Chegou a dizer-se, em momentos, que o efeito de Fernando Santos estava a esmorecer. Colocou-se desde logo a quase longínqua possibilidade de Portugal não conseguir a qualificação para um Europeu em que entraria enquanto detentor do título. Três meses depois, no Porto, a Seleção venceu a Suíça e a Holanda e conquistou a primeira edição da Liga dos Nações. De repente, no espaço de três meses, já não existia crise, o efeito do selecionador continuava lá, o Euro parecia agora uma questão de confirmação. Passaram outros três meses e Portugal ganhou de forma inequívoca tanto à Sérvia como à Lituânia. Um mês depois, sete depois da data pela qual começamos, a Seleção Nacional pode garantir um lugar no Euro 2020 já na próxima segunda-feira.

Tudo isto prova, de forma global, que as expectativas face à seleção portuguesa dependem sempre de momentos, de oportunidades e de resultados. Se o futebol de clubes já é por vezes resultadista — despedem-se treinadores ao fim de um mês porque a pontuação não é desde logo a esperada e criticam-se equipas vencedoras por duas semanas abaixo do normal –, o que dizer do de seleções, onde se joga com um grande espaço temporal de interregno e onde cada vitória ou derrota pode decidir um apuramento ou uma desilusão. Paulo Bento saiu da Seleção depois de uma derrota frente à Albânia, Fernando Santos foi prontamente criticado quando perdeu com a Suíça no primeiro jogo pós-Euro 2016 e a eliminação nos oitavos do Mundial originou logo comentários azedos e fatalistas.

Ficha de jogo

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Portugal-Luxemburgo, 3-0

Qualificação para o Campeonato da Europa 2020

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Daniel Stefanski (Polónia)

Portugal: Rui Patrício, Nélson Semedo, Pepe, Rúben Dias, Raphael Guerreiro, João Moutinho, Bruno Fernandes, Bernardo Silva (Gonçalo Guedes, 77′), João Félix (João Mário, 88′), Cristiano Ronaldo

Suplentes não utilizados: José Sá, Beto, José Fonte, Pizzi, Rúben Neves, André Silva, Bruma, André Gomes

Treinador: Fernando Santos

Luxemburgo: Moris, Gerson, Chanot, Carlson, Bohnert (Sinani, 45′), Olivier Thill, Vincent Thill (Bensi, 88′), Barreiro Martins, Jans, Gerson Rodrigues, Turpel (Alves da Mota, 59′)

Suplentes não utilizados: Emmanuel Cabral, Schon, Hall, Malget, Selimovic, Philipps, Da Graça, Skenderovic, Curci

Treinador: Luc Holtz

Golos: Bernardo Silva (16′), Cristiano Ronaldo (65′), Gonçalo Guedes (89′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Barreiro (9′), Gerson Rodrigues (71′)

Esta sexta-feira, no Estádio José Alvalade, Portugal recebia o Luxemburgo e tentava somar não só a quarta vitória consecutiva como abrir caminho à qualificação já na segunda-feira: para isso, era necessário não só ganhar em Alvalade como na Ucrânia e esperar que a Sérvia não vença a Lituânia. Difícil, é certo — principalmente no último ponto, que em nada depende dos portugueses –, mas não impossível. Fernando Santos chamou Rúben Semedo para este duplo compromisso, confirmando o bom momento que atravessa o central do Olympiacos, e convocou ainda Ricardo Pereira, João Mário, Bruma e André Silva, deixando de fora Daniel Carriço, João Cancelo, Renato Sanches, Diogo Jota e Podence face ao último grupo.

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Na antevisão de um jogo historicamente relevante para a Seleção Nacional — em 1961, na única ocasião em que Portugal perdeu com o Luxemburgo, Peyroteo deu a primeira internacionalização a um jovem Eusébio –, Fernando Santos lembrou que esta seleção europeia já não é a equipa que era dolorosamente goleada nas qualificações para Europeus e Mundiais e que era necessária atenção na hora em que os luxemburgueses saíssem a jogar, já que o fazem com a bola controlada e não com “pontapé para a frente”, nas palavras do selecionador. Na hora de escolher o onze, o Engenheiro lançou Nélson Semedo na direita da defesa, numa alteração que já era esperada face à não chamada de João Cancelo, e devolveu a Pepe o lugar ao lado de Rúben Dias no eixo da defesa (o central do FC Porto estava lesionado há um mês e falhou o último duplo compromisso). No meio-campo, e em relação ao jogo com a Lituânia, só ficava Bruno Fernandes: saíam Rúben Neves e o lesionado William, entravam João Moutinho e Danilo. Lá à frente, os três da vida airada, entre Bernardo, Ronaldo e Félix.

Depressa se percebeu que seria Danilo a ocupar um lugar mais recuado do setor intermédio, a servir de ligação entre a defesa e o meio-campo, e que Bruno Fernandes ficaria responsável pelo lado direito e Moutinho pelo esquerdo. A escolha era óbvia: Moutinho, mais habituado a funções defensivas, era quem cobria e dobrava as investidas de Ronaldo e Félix, cuja probabilidade de recuar para defender é bem inferior à de Bernardo Silva. Do outro lado, Bruno Fernandes oferecia o corredor a Nélson Semedo e explorava os terrenos interiores para servir o jogador do Manchester City. Portugal entrou dominante na partida, a colocar a primeira fase de construção muito subida e junto à linha de meio-campo e a empurrar o Luxemburgo para a própria baliza. Logo ao terceiro minuto, Cristiano Ronaldo lançou o primeiro aviso com um remate de muito longe que passou por cima e não era difícil perceber que seria a Seleção Nacional a tomar a iniciativa.

João Félix ficou perto de inaugurar o marcador em lances consecutivos — primeiro com um remate rasteiro (13′), depois com uma tentativa de primeira que passou ao lado (14′) — mas o golo estava reservado para quem, muito provavelmente, mais precisava dele. Numa fase em que Portugal levava 76% de posse de bola e 95% de eficácia de passe, Bruno Fernandes soltou Nélson Semedo na faixa direita e o lateral do Barcelona conseguiu antecipar-se ao guarda-redes luxemburguês, assistindo Bernardo Silva (16′). O jogador do Manchester City, que só precisou de dominar e encostar para apontar o quinto golo da conta pessoal na Seleção, regressou aos golos numa altura em que vive um período complicado em Inglaterra (devido à acusação de conduta imprópria por parte da liga, depois de uma brincadeira com Mendy) e encontrou um balão de oxigénio que terá de aguentar até ao regresso à Premier League.

Depois do golo, Portugal só voltou a ficar perto da baliza de Moris por intermédio de Ronaldo, que atirou rasteiro e à figura (23′), mas acabou por não conseguir evitar uma quebra de rendimento e ritmo que permitiu que o Luxemburgo ficasse perto de um empate, numa jogada em que Rúben Dias não ficou bem na fotografia e Thill atirou às malhas laterais (26′). Com muitos passes perdidos e muitos erros na hora de sair com a bola controlada, a Seleção arrastou-se até ao intervalo, nunca perdendo um subjacente domínio mas atuando muito longe da grande área adversária. No final da primeira parte, Portugal estava a ganhar de forma normal, natural e merecida — mas precisava de manter a concentração e não deixar que o ritmo baixo provocasse a falta de discernimento.

Portugal entrou para a segunda parte sem alterações e assim como entrou na primeira, a procurar desde logo o golo e a tranquilidade que uma vantagem mais alargada traria. Bruno Fernandes e João Moutinho trocaram de lados e o médio do Sporting aparecia agora em zonas mais centrais, nas costas ou de Félix ou de Ronaldo, à procura das carreiras de tiro onde é normalmente muito eficaz. Foi o primeiro a tentar o segundo golo, com um grande remate de fora de área que só parou nas mãos de Moris (49′), e estava no segundo tempo muito mais envolvido na construção ofensiva portuguesa do que havia estado até ao intervalo, beneficiando de outra oportunidade semelhante pouco depois (55′). Cristiano Ronaldo, que podia esta sexta-feira chegar ao golo 700 enquanto jogador profissional, também procurava inscrever o nome na ficha de jogo e criou duas ocasiões logo nos primeiros instantes depois do intervalo, com um pontapé de bicicleta na cara do guarda-redes (51′) e um remate cruzado a partir da esquerda (59′).

O Luxemburgo trocou de ponta de lança e a Seleção Nacional continuava a encostar o adversário às cordas, já que a equipa de Luc Holtz só conseguia sair do próprio meio-campo ou em transição rápida e superioridade numérica ou com a bola colocada imediatamente na frente. Portugal — e Cristiano Ronaldo — acabou por conseguir chegar ao golo através de um erro de um defesa luxemburguês, que permitiu o desarme do capitão português: à saída do guarda-redes, o avançado da Juventus picou a bola e desenhou um chapéu perfeito, apontando o golo 699 da conta pessoal (65′). Bernardo Silva ainda ficou muito perto de bisar antes de dar o lugar a Gonçalo Guedes (73′), aproveitando uma assistência perfeita de Bruno Fernandes, que esteve muitos níveis acima dos restantes colegas durante a meia-hora inicial da segunda parte. Numa fase que coincidiu com a saída do jogador do Manchester City, Portugal quebrou, tal como havia feito no primeiro tempo, e permitiu que o Luxemburgo mostrasse que sabe trocar a bola e rendilhar o jogo para chegar de forma controlada e ponderada à área adversária. A Seleção Nacional perdeu o pulso do encontro, voltou a cometer erros na zona de construção e os planos inverteram-se no derradeiro quarto de hora, a serem os portugueses a recuar as linhas e a juntar os setores para depois sair em transição rápida.

Ainda assim, e mesmo numa fase em que não estava bem na partida, Portugal acabou por conseguir chegar ao terceiro golo por intermédio de Gonçalo Guedes, que aproveitou um mau alívio no seguimento de um pontapé de canto para marcar pela sexta vez ao serviço da Seleção (89′). Cristiano Ronaldo não conseguiu chegar ao 700.º golo, pelo menos não esta sexta-feira, mas a equipa de Fernando Santos carimbou mais uma vitória rumo ao Campeonato da Europa 2020 e já fez metade daquilo que lhe compete para garantir o apuramento já na segunda-feira. Podiam ter sido mais, podia ter sido mais consistente, podiam não ter existido tantos erros e tantas quebras de ritmo. Ainda assim, Portugal sai com três pontos num dia em que centenas de estudantes surgiram nas bancadas de Alvalade vestidos com o traje académico: e Bernardo Silva, conhecido por ser o intelectual do futebol português, vestiu a capa e a batina, mostrou que é bem ensinado e bem educado, enviou uma lição para Inglaterra e agarrou um golo necessário.